A ascensão dos cogumelos: benefícios e como escolher e usar
Champignon, shimeji, shiitake e companhia caem cada vez mais no gosto dos brasileiros graças a suas virtudes nutricionais e nas receitas
Ao que parece, os cogumelos só estão experimentando agora no Brasil o apreço que há seculos desfrutam em outros cantos do mundo. Eles já tiveram até apelo sagrado, como sugerem representações gravadas em templos e sarcófagos do Egito Antigo, há 4 600 anos – eram tão especiais que se destinavam apenas aos faraós. Entre os chineses, então, possuíam aura de remédio, inclusive por propriedades que até os dias de hoje são aclamadas, como o reforço à imunidade. Mas nem mesmo essa fama e tantos atributos fizeram o alimento cair no prato dos brasileiros.
“A situação só começou a mudar na década de 1960, com a chegada dos imigrantes japoneses”, conta o engenheiro agrônomo Daniel Gomes, da Associação Nacional dos Produtores de Cogumelos e pesquisador da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios. Com um cultivo mais profissionalizado e a propagação dos benefícios da classe, os fungos comestíveis entraram em ascensão gradual. E foi com o impulso da culinária oriental que se tornaram cada vez mais pop.
Um levantamento da Associação Brasileira de Gastronomia, Hospedagem e Turismo não deixa dúvida de que os ventos do consumo sopram a favor dos cogumelos. Na capital paulista, por exemplo, já há mais restaurantes japoneses do que churrascarias – vai um shimeji na manteiga?
“O aumento na oferta de pratos europeus e de apelo saudável também impulsiona o consumo per capita, atualmente estimado em 200 gramas ao ano”, observa o biólogo Edison Souza, responsável pela Brasmicel, produtora de sementes de cogumelos de Suzano (SP). Segundo a Embrapa, em 1995 esse número girava em torno de 30. Ainda estamos bem atrás da China e vizinhança, mas, em um contexto de busca por receitas mais nutritivas e sustentáveis, os cogumelos têm tudo para se espalhar pelo país.
O crescimento do vegetarianismo e do veganismo é outra tendência que vem alavancando a venda de cogumelos. Eles são frequentemente indicados como substitutos da carne por reunirem grandes quantidades de proteínas e aminoácidos que o organismo não consegue produzir, além de ostentarem um teor baixíssimo de gordura.
No entanto, cabe lembrar que não suprem tudo que é fornecido pelos alimentos de origem animal. Deixam a desejar na oferta de vitamina B12 e zinco, por exemplo. “Assim, se a troca for feita sem orientação, pode comprometer a saúde e as funções cognitivas”, avisa o nutrólogo Celso Cukier, do Hospital São Luiz Morumbi, em São Paulo.
Os benefícios dos cogumelos
Boa proteína com pouca gordura está longe de ser o único trunfo do grupo. Há um baita potencial antioxidante – bacana para a prevenção de doenças crônicas – escondido nesses alimentos. Cientistas da Universidade Estadual da Pensilvânia, nos Estados Unidos, exploraram, em 20 espécies, a presença de duas substâncias protetoras das células, a glutationa e a ergotioneína. O cogumelo porcini abocanhou o primeiro lugar, sendo eleito a melhor escolha para retardar o envelhecimento precoce e o risco de câncer.
Aliás, foi na tentativa de preservar ao máximo o efeito antioxidante dos fungos que pesquisadores do Centro Tecnológico de Investigação do Cogumelo, na Espanha, compararam quatro tipos de cocção. Para a surpresa dos estudiosos, colocar os cogumelos em um micro-ondas de 1 000 watts por um minuto e meio ou grelhá-los ao longo de seis minutos a 100 °C potencializou essa propriedade.
Contudo, o montante fervido durante dez minutos em uma panela com água, apesar de ter perdido parte dos antioxidantes, ficou com uma maior quantidade de betaglucanas, fibras que ampliam a sensação de saciedade, regulam o trânsito intestinal e auxiliam no controle do colesterol e do açúcar no sangue. Por isso, variar nos preparos é uma forma de assegurar todos os componentes bem-vindos do alimento. Só tem uma exceção.
O experimento espanhol mostrou que fritar os cogumelos no azeite por três minutos foi a única receita que acarretou desvantagens nutricionais. “Os estudos vêm indicando que os antioxidantes desses alimentos são resistentes a altas temperaturas, mas o ideal é não permitir que a exposição ao calor ultrapasse cinco minutos”, avalia a nutricionista Vanderli Marchiori, presidente da Associação Paulista de Fitoterapia. Portanto, nada de deixar refogando muito tempo na panela.
Os desafios da expansão
Um dos grandes predicados dos cogumelos é a polivalência na cozinha. “Falamos de um produto extremamente versátil, que agrega textura, sabor e aroma às receitas, e também pode ser a estrela do prato”, incentiva José Barattino, chef executivo do Eataly, shopping gastronômico de São Paulo.
A questão é que não são muitos os brasileiros que sabem disso. Afinal, a espécie mais consumida por aqui é o champignon-de-paris, que costuma ser coadjuvante de estrogonofes, pizzas e saladas. Uma das razões dessa preferência tem a ver com preço. Apesar de o nome soar à iguaria francesa, esse cogumelo é produzido e importado em larga escala da China. Aqui chega em potes de vidro a um valor bem mais em conta que os outros tipos.
Os chineses não só têm a seu favor o clima e a tradição. As conservas enviadas para cá não são taxadas a ponto de gerar uma competição de igual para igual com a produção nacional. Quem mais sofre com isso? Os brasileiros que cultivam cogumelos.
É nesse contexto que surgem iniciativas como a da bióloga Noemia Kazue, que, numa parceria do Instituto Ambiental com a Associação Yanomami, trabalha para desenvolver e valorizar espécies da biodiversidade da Amazônia. “Juntamos forças com a tribo para encontrar uma boa fonte de renda para eles e agora estamos confiantes de que é possível aquecer nosso mercado e capacidade de exportação”, comemora.
Para fazer frente à concorrência, os produtores brasileiros estão apostando todas as suas fichas nos cogumelos frescos. “Eles não têm conservantes e são mais nutritivos e gostosos, o que ajuda a atrair e fidelizar o consumidor”, acredita Priscilla Herrera, chef do restaurante Banana Verde, em São Paulo.
Como escolher os cogumelos
Com a chegada de mais cogumelos no mercado, não dá para descuidar da procedência. Fique sempre de olho nos selos de inspeção. E nem pense em se aventurar colhendo fungos por aí. “Alguns tipos chegam a ser letais”, alerta o doutor em engenharia de bioprocessos e biotecnologia Francisco Destéfanis, da Universidade Federal do Paraná.
Cozinhá-los também faz parte de um consumo seguro. “O fogo degrada agentes potencialmente tóxicos, como a agaratinha, presente no champignon-de-paris”, exemplica o professor. Só não vale, como já dissemos, deixar os bichinhos esturricando no fogão.
Outros macetes dão uma bombada no potencial nutritivo dos cogumelos. “Para aumentar a quantidade de vitamina D no shiitake, é interessante deixá-lo exposto ao sol por pelo menos 20 minutos antes de usá-lo”, orienta Noemia. Sim, um banho de sol na comida.
Tem outra dica: leve essa espécie ao forno por uma hora e coloque-a na água após o esfriamento. Essa reidratação gera um aminoácido chamado lantionina, que ajuda a impedir a formação de placas nas artérias, estopim de infartos e tromboses.
Agora, tenha em mente que, para tirar proveito de todos os ganhos mencionados até aqui, os cogumelos têm de marcar presença no menu. “Em uma dieta saudável, a ingestão semanal adequada varia entre 250 e 300 gramas”, calcula a nutricionista Camilla Avi, do Hospital de Amor (o antigo Hospital de Câncer de Barretos), no interior paulista. “Aliás, comer 100 gramas de cogumelos desidratados é o suficiente para atingir a meta diária de fibras para mulheres (25 gramas) e cerca de 80% do valor recomendado para homens (38 gramas)”, completa.
Não é à toa que estudiosos da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, prescrevem o alimento inclusive no café da manhã – eles testaram e aprovaram essa recomendação se o objetivo é prolongar a saciedade. O fato é que, não importa a refeição, os cogumelos estão aí para ficar e brilhar.
Perfil dos cogumelos mais populares entre os brasileiros
Funghi secchi: ingrediente de destaque na gastronomia italiana, não se trata de uma espécie diferente e sim de qualquer cogumelo comestível que passe por um processo de desidratação. Os mais consumidos nessa versão são os porcinis, da Itália, e linhagens encontradas nos bosques do sul do Chile.
Portobello: um dos mais utilizados pelas hamburguerias na composição das opções vegetarianas do menu. Tem textura firme e sabor acentuado. A tendência começou em Nova York, onde costumam deixá-los crescer por um tempo maior para que o chapéu possa ser temperado e entrar no lugar da carne de uma maneira mais prática.
Shimeji: conhecemos como shimejis os integrantes da família dos Pleurotus, sendo que os mais populares são o preto, o branco, o salmão e o amarelo – cada um com suas particularidades. Veja o caso do branco: é delicado, levemente adocicado, crocante e confere aroma de anis às preparações.
Do sol: ingerido na forma de extrato, seus fitoquímicos também rendem uma infusão com atividade supostamente antitumoral. Ferva 5 gramas do alimento desidratado em 1/2 litro de água por cinco minutos e passe pela peneira antes de beber. Vale consultar um expert antes.
Champignon-de-paris: apesar da referência à capital francesa, foi encontrado pela primeira vez em outra região desse país: Saumur. Pode ser usado em qualquer prato por apresentar sabor mais neutro. É ideal para os que buscam incrementar o almoço ou o jantar com novas texturas.
Shiitake: a coloração castanho-escura do chapéu – que mede em média 7 centímetros – entrega de cara seu sabor intenso e amadeirado, dependendo do tipo de substrato em que ocorreu seu desenvolvimento. Originado no oeste do continente asiático, só começou a crescer e aparecer de fato no Brasil na década de 1990.