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Tá na internet, tá na TV, tá nos livros... tá no nosso dia a dia. O jornalista André Bernardo mostra como fenômenos culturais e sociais mexem com a saúde — e vice-versa.
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Transtornos alimentares: hora do almoço ou do pesadelo?

Distúrbios como bulimia e anorexia atingem mais de 10 milhões de brasileiros (muitos adolescentes) e são tema do novo livro da best-seller Thalita Rebouças

Por André Bernardo
Atualizado em 8 nov 2019, 11h07 - Publicado em 23 set 2019, 12h29
anorexia
Transtornos como anorexia e bulimia podem aparecer no início da adolescência (Foto: Dulla/SAÚDE é Vital)
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Desde 2004, quando lançou Fala Sério, Mãe! (clique aqui para comprar), o terceiro de seus 23 livros, a escritora carioca Thalita Rebouças tem ouvido dos pais de seus leitores (em sua maioria, adolescentes de 12 a 14 anos) um pedido recorrente: abordar os transtornos alimentares. Com 2,3 milhões de exemplares vendidos em mais de 20 países, ela relutou. Não se sentia preparada.

Mas mudou de ideia ao presenciar uma cena constrangedora. Estava no banheiro de um hotel quando ouviu alguém vomitando. Ao se aproximar para oferecer ajuda, deparou com uma jovem de uns 15 anos. A garota reconheceu a autora e saiu correndo. A caminho de casa, Thalita tomou uma decisão: escreveria o livro que, durante anos, deixou para amanhã.

“Relutei para escrever porque anorexia e bulimia são temas sérios e eu só sei colocar humor nas coisas que escrevo. Só agora me senti madura o suficiente para encarar esse desafio. E posso garantir: foi o livro mais difícil que já escrevi”, conta.

Como de hábito, Thalita conversou com psicólogos sobre o tema de sua nova obra. Mas, dessa vez, foi além. Pesquisou sites. Leu livros. Consultou médicos de diversas especialidades. Não bastasse, transformou sua terapeuta, Elaine Machado Chagas, em consultora.

Enquanto desenvolvia a trama de Valentina — a protagonista do recém-lançado Confissões de Uma Garota Linda, Popular e (Secretamente) Infeliz (Editora Arqueiro) —, Thalita tirava dúvidas por celular ou mensagem de texto: com que idade, em geral, os portadores de transtornos alimentares apresentam os primeiros sintomas? Como quem tem bulimia e anorexia se relaciona com a comida? Quais as dificuldades no dia a dia?

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“A saúde mental é um tema que ainda enfrenta bastante preconceito no Brasil. Na maioria das vezes, as pessoas tendem a banalizar os sintomas, como se aquilo que estão sentindo não tivesse importância. Só a Thalita mesmo para abordar com leveza um assunto tão sério”, elogia Elaine.

Confissões de Uma Garota Linda, Popular e (Secretamente) Infeliz é o terceiro volume de uma tetralogia iniciada em 2016, com Confissões de Uma Garota Excluída, Mal Amada e (Um Pouco) Dramática. À época do lançamento, Thalita recebeu mais de 5 mil mensagens, por e-mail ou celular, repercutindo o tema do livro, o bullying. No ano seguinte, publicou Confissões de Um Garoto Tímido, Nerd e (Ligeiramente) Apaixonado, que fala sobre a descoberta da sexualidade.

Nesse último volume, a personagem Valentina apresenta, desde os 12 anos, sintomas de bulimia. “De tudo o que pesquisei para escrever o livro, dois dados me chamaram a atenção. Primeiro, fiquei chocada ao saber que meninas com 6, 7 anos já sofrem de distúrbios alimentares e, segundo, de tão machucada que fica a garganta delas, muitas vezes desenvolvem anorexia depois da bulimia e passam a não conseguir comer mais nada”, descreve a escritora.

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Filha de um pai ausente e de uma mãe opressora, Valen — como é conhecida no colégio — adora comer, mas teme engordar. Compulsiva, sempre que come além da conta provoca vômito ou toma laxantes. “Pensei que, vomitando, podia comer e não engordar”, confessa a personagem à certa altura do livro.

Não é só isso. Bulímicos também exageram nos exercícios físicos e fazem jejuns ou dietas sem orientação nutricional. São os chamados “mecanismos compensatórios”.

A médica Priscilla Gil, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia, no Rio de Janeiro, explica que, em geral, quem tem transtorno alimentar, seja anorexia seja bulimia, lida mal com a comida. Uns comem demais. Outros de menos. “Em comum, apresentam um medo intenso de ganhar peso ou engordar, além de vivenciar insatisfação ou mesmo distorção de sua imagem corporal”, afirma a endocrinologista.

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Segundo estimativas, transtornos alimentares atingem 5% da população mundial. Só no Brasil falamos de 10,4 milhões de pessoas, na proporção de 10 mulheres para cada homem.

Se a bulimia tem caráter purgativo, através de vômitos autoprovocados ou do uso inapropriado de laxantes, a anorexia é restritiva. Em outras palavras, pessoas com esse distúrbio tendem a enxergar seu corpo maior do que é. Por isso, apesar da fome e mesmo abaixo do peso ideal, comem pouco ou quase nada.

Diretora da Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil e Profissões Afins, Elaine Chagas recomenda aos pais que fiquem de olho em alguns sinais. Um deles: a maioria das portadoras de bulimia tem calo nos dedos de tanto enfiá-los na garganta para vomitar. Outro: mal terminam de comer, já correm para o banheiro. Mais um: insistem em fazer as refeições trancadas no quarto ou longe da família. “Em vez de comer, jogam a comida fora no ralo do chuveiro ou no vaso sanitário ou, ainda, dão para o cachorro”, relata a psicóloga.

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Priscilla acrescenta que, em tese, pessoas com distúrbios alimentares evitam usar biquínis, dão preferência a roupas largas e recusam participar de festas ou confraternizações. A endocrinologista alerta os pais para blogs que tratam os transtornos por apelidos carinhosos de “Ana” e “Mia” e chegam a ensinar truques sujos de como enganar a fome.

“Sem tratamento adequado, anorexia e bulimia podem provocar de abuso de álcool e drogas a automutilação e suicídio”, alerta Priscilla. Por essas e outras, os especialistas não falam em cura, mas em remissão. O tratamento costuma ser longo e, na maioria dos casos, multidisciplinar, com o envolvimento de nutricionistas, psicólogos e médicos.

“Thalita gosta de usar o dom que Deus lhe deu para ajudar as pessoas. Muitas vezes, os adolescentes não sabem como tocar no assunto dentro de casa. Ao ler esse livro, vão descobrir que não estão sozinhos e, principalmente, que existe tratamento para o que estão sentindo. Isso pode salvar vidas”, afirma Elaine.

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