O que falta para a gente comer melhor?
A reforma tributária pode ser o primeiro passo, mas está longe de ser uma solução definitiva
Eu jamais pensei que concordaria com Paulo Maluf. Nem em pensamento. Mas outro dia, ao me deparar com um vídeo de sua participação no programa Roda Vida de 1995, eu pensei: “E não é que nisso ele tinha razão?”.
Naquela entrevista, o político era acusado de ser radical demais. Isso porque, depois de sancionar a lei que tornava obrigatório o uso do cinto de segurança em São Paulo, o então prefeito assinara o “polêmico” decreto que proibia o fumo em restaurantes.
São dois exemplos de leis que, em algum momento, soaram arbitrárias e até inconstitucionais, mas hoje ajudam a salvar milhares de vidas todo ano. E eu acredito que a reforma tributária que está em curso, se bem conduzida, pode ter o mesmo papel em relação à alimentação do brasileiro. Mas isso se houver reflexão e planejamento por parte de vários setores.
A criação da nova cesta básica nacional, com base no Guia Alimentar Para a População Brasileira, já havia sido um avanço em si ao priorizar alimentos in natura ou minimamente processados e retirar da lista os ultraprocessados.
E, enquanto eu redigia este texto, o projeto que tramitava no Senado previa a inclusão de carnes e peixes na cesta básica, que teria alíquota zero de novos tributos. Ao lado de arroz, ovos, leite, queijos, farinhas, óleos, grãos, tubérculos, verduras, legumes, sal, açúcar.
Mesmo com a inclusão na cesta básica, o preço da carne pode demorar a cair. Se cair. Mas confesso que a ideia de que o direito de comer carne – e não produtos como salsicha e mortadela – seja considerado básico, me agrada e muito.
Mas não sabemos de fato qual será o impacto dessas medidas nos preços dos alimentos. Até porque um preço não é feito só de impostos, mas também de custos, margem de lucro e lobbies.
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Uma alimentação melhor para todos
Mesmo se não for via reforma tributária, algo precisa ser feito para que a alimentação saudável seja viável para as classes mais baixas.
Hoje sabemos que o consumo regular de ultraprocessados – produtos com altos teores de açúcar, sal e/ou gordura – está associado a uma série de doenças, de obesidade a câncer. Talvez eles devessem estar ao lado de refrigerantes, bebidas alcoólicas e tabaco no rol de produtos com imposto seletivo, ou seja, com a taxação mais alta.
Mas não adianta torná-los mais caros em uma tentativa de desestimular o consumo sem baratear os alimentos naturais. Se as duas medidas não caminharem juntas, os mais pobres serão ainda mais penalizados.
Além de preços acessíveis, é preciso educar a população sobre os benefícios de uma alimentação baseada em comida e não em produtos. Mais que isso, é preciso dar tempo para que as pessoas planejem o que vão comer e cozinhem a própria comida.
Ouso dizer que, além da reforma tributária, seria necessária também a trabalhista. Que promova o reconhecimento e a remuneração do trabalho doméstico.
Sabe a tal “economia do cuidado”? É o trabalho invisível e não remunerado de cuidado, exercido majoritariamente por mulheres, que gera cerca de 13% do PIB mundial.
Esse trabalho precisa entrar nas contas nacionais e ser objeto de estratégias que o valorizem e protejam. Pois, entre os serviços contemplados nessa economia do cuidado, está justamente o planejamento e o preparo de alimentos.
Há quem diga que a ideia é inviável, um disparate. Mas cozinhar é mesmo um ato revolucionário. No Brasil, esta revolução exige armas: políticas públicas claras e bem executadas, que tornam a alimentação saudável acessível a todos.