A revolução do RNA: muito além das vacinas
Tecnologia é reverenciada com o último Prêmio Nobel de Medicina e abre caminho a tratamentos disruptivos para demandas não atendidas
A pandemia de Covid-19 trouxe à tona o poder de novas tecnologias médicas, com destaque para as vacinas de RNA mensageiro (mRNA), que acabam de ser celebradas pelo Prêmio Nobel de Medicina.
Com o uso desses imunizantes em larga escala, foi possível frear o avanço do vírus e abrir caminho a uma gama de vacinas e terapias inéditas. Isso significa que a manipulação do RNA, uma molécula-chave para instruções genéticas se materializarem em estruturas e funções nas células, se consolida na linha de frente da prevenção e do controle de várias doenças.
Engana-se, porém, quem pensa que esse assunto é novidade dentro da ciência. A aplicação de RNA foi descrita, pela primeira vez, em 1978. Mas foram necessários 40 anos de estudo para que essas intervenções alcançassem utilidade clínica.
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Atualmente, algumas terapias de RNA já estão aprovadas e muitas outras estão em desenvolvimento. Medicamentos injetáveis para tratar colesterol alto, atrofia muscular espinhal (AME), polineuropatia e degeneração macular são alguns dos exemplos que mostram que não estamos falando apenas de futuro, mas, sim, de uma revolução na medicina no presente.
Mais de 20 medicações à base de RNA contra o câncer estão sendo lapidadas com base nessa tecnologia, mirando o combate de tumores de pele, pulmão e intestino. Drogas para câncer de pâncreas e cérebro — quadros desafiadores —, fibrose cística, nefropatia diabética e isquemia cardíaca (o desfecho de um infarto) já se encontram na fase de testes em humanos.
Também se amplia o leque de vacinas para doenças infecciosas que podem virar realidade em breve. Estamos falando de imunizantes contra citomegalovírus, zika, chikungunya, raiva e vírus respiratórios como o da gripe.
As terapias de RNA fazem parte de uma revolução que também impacta a indústria. Isso porque ela envolve a capacidade de agir em alvos que não são atendidos por outras classes de medicamentos hoje; o desenvolvimento mais rápido e econômico de moléculas, quando comparado ao de drogas usuais; e o potencial de conseguir alterar rapidamente a sequência da construção de RNA mensageiro para tratamentos personalizados ou para se adaptar a um patógeno em evolução.
Considerando apenas o tratamento de doenças até o momento sem solução, o mercado de terapias de RNA foi avaliado em 6 bilhões de dólares em 2022 e deve alcançar quase 30 bilhões até 2031.
Esse movimento também é impulsionado no Brasil, onde universidades e startups centram esforços para desbravar novas aplicações a essa tecnologia. Estamos desenvolvendo, por exemplo, uma terapia que busca conter e reverter doenças como Alzheimer, glioblastoma (tipo de tumor cerebral) e degeneração macular, quadro capaz de levar à cegueira.
A promessa desse campo é enorme, uma vez que, em boa parte das doenças, há a expressão errada de certos genes. A terapia de RNA oferece, portanto, um “conserto”, algo disruptivo que deverá transformar o tratamento e o padrão de cuidados de uma série de enfermidades penosas.
* Caio Leal é biomédico, mestre em genética e cientista-chefe da healthtech Aptah Bio