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Abril Azul: em busca de uma conscientização real no mês do autismo

Psiquiatra que está no espectro do autismo faz um apelo para que as pessoas realmente se sensibilizem sobre esse quadro, o que exige mais do que palavras

Por Alexandre Valverde, psiquiatra*
23 abr 2024, 14h24
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Conscientizar-se sobre o autismo demanda, por exemplo, uma comunicação adaptada para eles (Foto: Veja Saúde/Veja Saúde)
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Abril é o Mês da Conscientização do Autismo. Muito tem se ouvido falar sobre o tema, mas restam dúvidas para que possamos afirmar se há uma conscientização social ampla sobre essa condição da existência de tantas pessoas. Falar em estatísticas não faz sentido enquanto vivemos esse processo de expansão dos diagnósticos. Temos 2%, 5%, 7% da população pertencente ao espectro? Quem saberia dizer?

Provavelmente ninguém ao certo, mas isso significa que trata-se de modismo? Certamente não. Eu diria antes que estamos enfrentando uma dívida social com um contingente expressivo de pessoas cujo dimensionamento total não está, todavia, revelado.

Afinal, quem são eles, os autistas? Eles: os outros. Ou seria melhor indagar: quem somos nós, os autistas? Ressalto que esse que vos escreve pertence ao espectro dos neurodivergentes.

Permitam-me colocar essa pergunta de outra maneira nesse texto: Como é você, pessoa autista, que ainda não se reconheceu na condição? Sinto que preciso me dirigir diretamente a você, afinal, pela nossa literalidade, ou tendência de compreender as coisas ao pé da letra, pode ser que consiga mais facilmente despertar sua consciência, se você se sentir interpelado diretamente pelo que vou discorrer aqui.

A conscientização passa por trazer clareza sobre a condição, tanto para as pessoas que a vivem em suas vidas, como para os profissionais que participam do itinerário diagnóstico. Temos aí dois grupos que apresentam suas resistências ao aprendizado das neurodiversidades, ou seja, dos modos como nossos cérebros variam em funcionamento (nossos neurotipos).

De um lado, um grupo que não consegue se reconhecer a si mesmo. Do outro, um grupo que não consegue reconhecer esse outro, do qual falamos aqui. Sem falar dos muitos profissionais de saúde que não se sabem do espectro, como eu mesmo há dois anos atrás.

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Um dos remédios para sanar essa dificuldade é oferecer acesso às narrativas, tanto às pessoas leigas – que podem, ao ouvir as histórias de outras pessoas neurodivergentes, reconhecer as peças do mosaico que compõe seu comportamento –, como aos profissionais, que, por sua vez, podem acessar as nuances de como diferentes critérios ligados ao diagnóstico se manifestam numa pessoa do espectro.<

+Leia também: Cannabis medicinal para autismo: o que a ciência já sabe

É importante que não fiquemos aprisionados na concepção de um padrão neurodivergente que deveria se manifestar, forçosamente e da mesma maneira, em todas as pessoas. Quantas vezes ouvi pacientes comentarem que tiveram seus diagnósticos invalidados por toda sorte de preconceito:

  • “Você tem namorado, então não deve ser autista”
  • “Você mexe as mãos para falar, autistas não fazem isso”
  • “Você é muito bonita para ser autista”
  • “Você se formou na faculdade, não pode ser autista”
  • “Você olha nos olhos”
  • “Você não tem problemas para falar”

A lista é infindável. A autistofobia é tão perniciosa quanto o racismo, o machismo, a LGBTQIA+fobia, a xenofobia, o etarismo, a gordofobia e o elitismo – justamente porque invisibiliza milhões de pessoas.

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O diagnóstico, mesmo que tardio, traz à pessoa do espectro a clareza de que aspectos do seu comportamento, em aparência tão díspares (como a hipersensibilidade a sons e ruídos, a seletividade alimentar, a extenuação pós-interação social ou tendência a estabelecer rotinas), sejam compreendidas como manifestações de um mesmo fenômeno, nomeado autismo.

Há um denominador comum, um mesmo chão de onde brotam tantas nuances divergentes de nossos comportamentos. Somos pessoas que, por nossa hipersensibilidade cognitiva, sensorial e afetiva, precisamos de previsibilidade, tanto nas relações com o espaço quanto com o tempo. Daí a tendência à organização e estruturação de ritos e rotinas.

Essa clareza nos permite cuidarmos de nossas necessidades com mais zelo, sem nos culparmos, uma vez que as reconhecemos como algo que não podemos controlar – e sem confundi-las com capricho, frescura, chatice ou mimimi. Podemos, assim, nos respeitar e nos fazer respeitar.

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Esse respeito, outro nome do amor-próprio, permite que evitemos, por exemplo, crises de sobrecarga sensorial. Isso porque podemos, mais rapidamente, mapear os desencadeantes e nos autorregular, com noção do que está nos afetando.

Permite também nos mantermos resguardados de interações sociais mentalmente muito custosas, mesmo que saibamos performar essas interações para corresponder às expectativas alheias.

Nosso senso de culpa e autoexigência não nos permite relaxar: os ecos dessas interações podem durar horas e dias num jogo de espelhos mental em que repetimos à exaustão os “por que não falei a frase desse jeito?”, “por que tive essa reação e não aquela?”, “será que falei demais?”.

Nesse mês de conscientização do autismo, gostaria ainda de me dirigir aos colegas médicos de diversas áreas, para que eles também se sensibilizem. O autismo não precisa, nem deveria, ser somente identificado por pediatras, neurologistas e psiquiatras.

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O ortopedista que atende pessoas com hérnia de disco, fibromialgia e lesões articulares já se perguntaram se a Síndrome de Ehlers-Danlos, ou a hiperfrouxidão ligamentar, presente em 40% das pessoas do espectro, poderia ser um diagnóstico de seus pacientes?

O ginecologista se preocupa em observar se há autismo nas mulheres vítimas de violência sexual e outros abusos? Porque sim: mulheres autistas são mais abusadas que as normotípicas.

Os dermatologistas notam que comportamentos em adultos como roer unhas e arrancar cabelos podem ser sinais de stimming, ou autoestimulação sensorial, da pessoa do espectro?

Os gastroenterologistas encaminham seus pacientes com síndrome do intestino irritável, hemorroidas e outros problemas correlatos para avaliação de autismo, pela frequência com que ocorrem nessa população?

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Os psiquiatras já pararam para se perguntar se aquela pessoa que tem o diagnóstico de bipolaridade, TOC ou de transtorno de personalidade são autistas?

Todos nós podemos fazer a diferença na vida de alguém. Deixemos as perguntas ressoarem: quem somos nós? Como somos nós? Quantos somos nós? Onde estamos nós?

* Alexandre Valverde é médico psiquiatra, neurodivergente e apresenta o podcast “Fractais”, que trata de temas ligados às neurodivergências.

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