Doenças reumáticas e hereditariedade: qual a relação?
Entenda como a genética, o ambiente e o estilo de vida se combinam no desenvolvimento de doenças como artrite reumatoide, lúpus e espondilite anquilosante
Você já ouviu alguém dizer que determinada doença “corre na família”?
No caso de algumas doenças reumáticas, essa expressão pode estar certa. A medicina tem avançado muito para entender como os genes, ou seja, as informações que herdamos dos nossos pais, podem influenciar o surgimento de problemas de saúde, inclusive os que afetam articulações, músculos e o sistema imunológico.
+Leia também: Batalha interna: o que se sabe sobre doenças autoimunes e como tratá-las
Genética e fatores ambientais: uma combinação complexa
Nos últimos anos, pesquisas genéticas vêm mostrando que, sim, há um papel da hereditariedade no desenvolvimento de doenças autoimunes, como a artrite reumatoide, o lúpus e a espondilite anquilosante. Porém, isso não significa que os genes agem sozinhos.
O estilo de vida, o ambiente, infecções, alimentação e até o estresse também são fatores que podem ter relação com algumas doenças. É como se a herança genética fosse uma predisposição, não uma sentença.
O caso do gene HLA-B27 e a espondilite anquilosante
Para entender melhor, vale citar um exemplo bastante conhecido na reumatologia: o gene chamado HLA-B27. Ele está fortemente associado a espondilite anquilosante, uma doença inflamatória que atinge principalmente a coluna.
Estudos mostram que mais de 90% das pessoas com esse diagnóstico têm esse gene. No entanto, apenas uma pequena parcela das pessoas que possuem o HLA-B27 realmente desenvolvem a doença, cerca de 1 a 5%.
Isso mostra que, além da genética, outros elementos precisam estar presentes para que a doença se manifeste.
Estudos com gêmeos
O histórico de casos dentro da mesma família pode também reforçar esse entendimento. Estudos com gêmeos idênticos, por exemplo, revelam que, no caso do lúpus, se um deles tem a doença, a chance de o outro desenvolver é de 24–57%.
Já em gêmeos que não são idênticos, essa probabilidade é menor, o que indica que a genética tem peso, mas não é a única responsável. Na artrite reumatoide, a chance de ambos os gêmeos idênticos terem a doença é ainda mais baixa — em torno de 15%, o que sugere uma influência ainda maior de fatores ambientais, como tabagismo, infecções ou alterações no intestino.
O clustering autoimune
Outro ponto que observamos com frequência na prática clínica é a chamada agregação familiar. Isso significa que parentes próximos de pessoas com doenças autoimunes têm maior risco de desenvolver algum outro tipo de doença autoimune ao longo da vida, mesmo que esse risco continue sendo pequeno.
Por exemplo, filhos de mães com lúpus têm um risco até 10 vezes maior de desenvolver algum distúrbio autoimune ao longo da vida, embora esse risco continue sendo baixo. Importante destacar que a transmissão não ocorre necessariamente da mesma doença, o que reforça o conceito de “clustering” autoimune, no qual diferentes doenças autoimunes se agrupam em famílias.
Epigenética: quando o ambiente influencia os genes
Às vezes, observamos padrões que passam por gerações, como: avós e netos com doenças autoimunes, enquanto a geração intermediária permanece sem sintomas.
Esse fenômeno pode estar ligado a mecanismos chamados epigenéticos, uma alteração na forma como os genes funcionam, influenciadas pelo ambiente e por hábitos de vida, sem que a estrutura do DNA seja alterada.
Quando a genética importa muito
Porém, é importante lembrar que nem todas as doenças autoimunes seguem esse mesmo padrão. Na maioria dos casos em adultos, elas são causadas pela combinação de muitos genes diferentes (padrão poligênico).
Mas há doenças mais raras, principalmente em crianças, que têm origem em mutações de um único gene. Essas costumam aparecer mais cedo, serem mais graves e exigem investigação genética específica para o diagnóstico e tratamento adequado.
O futuro da medicina de precisão
E, com os avanços nas tecnologias genéticas, hoje já conseguimos identificar dezenas de variações no nosso DNA que aumentam o risco de desenvolver doenças autoimunes.
Essas descobertas ainda são mais relevantes para a pesquisa do que para a prática clínica, mas, em alguns casos específicos, como sintomas atípicos, doenças resistentes ao tratamento ou de início muito precoce, os exames genéticos já podem ser úteis para orientar a conduta médica.
Dessa forma, a tendência é que a medicina de precisão, que considera o perfil genético de cada pessoa, ganhe cada vez mais espaço, pois promete trazer mais segurança nos diagnósticos e eficácia nos tratamentos, respeitando as particularidades de cada organismo.
Histórico familiar como ferramenta preventiva
Saber se há histórico familiar de doenças autoimunes pode não prever o futuro, mas é uma informação importante. Ela ajuda o médico a estar atento desde cedo a possíveis sinais, o que facilita o diagnóstico e o início do tratamento quando necessário.
*Danieli Castro Andrade é reumatologista e presidente da Sociedade Paulista de Reumatologista
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