Vacina de HPV em dose única? Os prós e contras em discussão
OMS chegou a recomendar aplicação de uma só dose para expandir vacinação. Especialistas debatem os prós e contras desse posicionamento
O câncer de colo uterino é o quarto mais comum entre as brasileiras, ficando atrás apenas dos tumores de pele, mama e intestino. Em 2023, o Instituto Nacional de Câncer (Inca) prevê que 17 010 mulheres sejam diagnosticadas com a doença, que, em mais de 95% das vezes, é provocada pelo papilomavírus humano (HPV).
Hoje, a maior arma contra esse vírus é a vacina. No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece duas doses da vacina para meninos e meninas entre 9 e 14 anos, com intervalo de seis meses. Imunossuprimidos de ambos os sexos, de 9 a 45 anos, recebem três doses. Pessoas de outras faixas etárias podem ser vacinadas na rede privada.
Recentemente, a Organização Mundial da Saúde (OMS), que tem um plano de erradicação do câncer de colo de útero, tomou uma decisão inédita. Contrariando a bula dos fabricantes, recomendou que a vacina também poderia ser aplicada em dose única em meninas e jovens entre 9 e 20 anos.
Segundo o órgão, evidências científicas surgidas nos últimos anos mostram que o esquema de dose única possui a eficácia do regime de duas ou três doses. A OMS se baseia, por exemplo, num estudo com 2 275 jovens de 15 a 20 anos no Quênia, publicado na revista científica New England Journal of Medicine Evidence.
O trabalho apontou que uma dose da vacina conferiu 97,5% de proteção contra os tipos 16 e 18 do HPV, responsáveis por 70% dos casos de câncer uterino.
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Recomendações off-label (fora da bula) sempre suscitam argumentos contrários e favoráveis. Em prol da posição da OMS pesa que a imunização em dose única vai ampliar o acesso à vacina, simplificar o esquema vacinal e melhorar a cobertura.
De fato, entre 2019 e 2021, a cobertura da primeira dose da vacinação em todo o mundo caiu de 25% para 15%.
Já um grupo de especialistas e os fabricantes defendem a manutenção do esquema vigente, argumentando que a recomendação das farmacêuticas está baseada em estudos clínicos que consumiram anos de pesquisa e foram avalizados por agências regulatórias.
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A própria OMS encomendou mais estudos, que estão em curso, para ratificar a eficácia da estratégia da dose única. O Ministério da Saúde aguarda os resultados dessas pesquisas para se posicionar sobre o assunto.
A infecção por HPV é muito comum. Quase todas as pessoas sexualmente ativas são infectadas por esse vírus meses ou anos após a iniciação sexual. A maioria das infecções é combatida pelo sistema imunológico. E a vacinação e o sexo seguro evitam a contaminação.
Ocorre que existem cerca de 200 subtipos de HPV. Aqueles transmitidos por contato sexual são divididos em dois grupos: baixo e alto risco. O primeiro pode causar verrugas nos órgãos genitais, ânus, boca e garganta.
Já o segundo persiste no organismo de um percentual de pessoas durante anos, induzindo alterações celulares que resultam em tumores. O imunizante não ajuda a prevenir só o câncer de colo uterino, mas também outros tumores associados ao HPV, como de pênis, garganta e vulva.
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No Brasil, a maioria das mulheres com câncer de colo uterino é diagnosticada com a doença localmente avançada. Isso ocorre por dois motivos: os casos iniciais são, em geral, assintomáticos e nem todas as mulheres realizam regularmente o exame do papanicolau, que detecta o tumor de forma precoce. Assim que aparecem, os sintomas mais comuns são sangramento e dor durante relação sexual.
Quando o diagnóstico é feito em estágios iniciais, o tratamento consiste em cirurgia. Na maioria dos casos, é preciso realizar a remoção do útero e do colo. Em quadros mais avançados, mas com o tumor ainda localizado no útero e tecidos vizinhos, recomendam-se a radioterapia e a quimioterapia.
Na doença com metástase, quando se espalhou para outros lugares do corpo, é prescrita a quimioterapia. Em 2022, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou dois novos imunoterápicos para casos avançados de câncer uterino, abrindo novas perspectivas no tratamento.
De qualquer forma, o caminho mais prudente e seguro é sempre o da prevenção.
* Pedro Henrique Souza, Eduardo Paulino e Cláudio Calazan são oncologistas e médicos da Oncologia D’Or do Rio de Janeiro