O vento que me habita — minha jornada além do pânico
Como aprendi a escutar os sinais do corpo, acessar o autodomínio e reconstruir, passo a passo, uma vida de presença, autonomia e equilíbrio

Por muitos anos, minha existência esteve submetida a uma condição que subtraiu, silenciosamente, minha autonomia.
A ansiedade, inicialmente disfarçada de inquietação cotidiana, se transformou em uma sombra constante, que invadia cada espaço da minha vida, condicionando minhas escolhas, limitando movimentos e corroendo, dia após dia, a percepção de segurança.
As primeiras crises surgiram de maneira abrupta. Estava em casa, em um cenário absolutamente banal, quando subitamente meu corpo se desorganizou.
O coração acelerou, a respiração se tornou ofegante, as mãos formigavam e, em questão de segundos, instalei um estado que só pode ser descrito como um colapso interno. A mente produzia, sem controle, a convicção de que aquele seria meu último suspiro.
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O diagnóstico veio com uma combinação de alívio e desespero. Alívio, por reconhecer que não estava sozinha, nem insana. Desespero, porque compreender a natureza dos ataques de pânico não eliminava sua ocorrência.
Pelo contrário, a partir daquele momento, comecei a viver refém da própria antecipação. O medo do medo se tornou o eixo em torno do qual minha vida passou a orbitar.
Durante duas décadas, percorri os itinerários convencionais da saúde mental. Psicoterapia, psiquiatria, medicações em dosagens progressivas, estratégias emergenciais e incontáveis tentativas de negociar com o próprio corpo um mínimo de estabilidade.
Contudo, as soluções oferecidas pareciam, na melhor das hipóteses, paliativas. Os fármacos anestesiavam a expressão mais aguda dos sintomas, mas jamais se aproximaram da raiz do sofrimento.
Passei a evitar elevadores, viagens, compromissos sociais, filas, túneis, aviões. A lógica de evitar, embora oferecesse um alívio momentâneo, consolidava, sem que eu percebesse, uma prisão invisível, cujas grades eram forjadas pelo próprio medo.
O corpo, que deveria ser um território de acolhimento, havia se convertido em campo de batalha. Cada palpitação, cada oscilação na respiração, cada tontura ou sensação de desequilíbrio era imediatamente interpretada como sinal de colapso iminente.
As manhãs começavam com um escaneamento mental em busca de ameaças, e as noites se encerravam sob o peso exaustivo da hiper-vigilância. A virada no percurso não foi súbita. Ao contrário, emergiu a partir de uma série de pequenas rupturas com padrões consolidados.
A principal dessas rupturas aconteceu quando, após muita pesquisa e resistência interna, decidi iniciar um protocolo de tratamento com cannabis medicinal. Até aquele momento, minha relação com o próprio corpo era de desconfiança. A cannabis, entretanto, não surgiu como promessa de salvação, mas como possibilidade de reconexão.
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Ao longo do processo, compreendi um princípio que, hoje, norteia não apenas minha vida, mas também minha prática clínica: o corpo não é inimigo.
Ele responde, de forma absolutamente coerente, a sinais de ameaça — reais ou interpretados como tal. O problema não estava no sistema, mas na distorção da percepção de perigo que se instaurava no meu organismo.
Descobri, então, que a chave para superar o pânico não residia na tentativa de eliminá-lo, mas na construção gradual de recursos que me permitissem atravessar a tempestade sem sucumbir ao seu vento.
Técnicas de regulação do sistema nervoso se tornaram minhas maiores aliadas. Respiração consciente, aterramento, exposição sensorial, relaxamento muscular progressivo, visualização guiada e práticas de autoacolhimento passaram a compor meu cotidiano.
Compreendi que cada sintoma — taquicardia, tremores, falta de ar, sudorese, tontura — era, na verdade, uma manifestação do sistema nervoso simpático em plena ativação. Era o corpo dizendo: “Eu estou te protegendo”. E, nesse entendimento, foi possível, finalmente, estabelecer uma nova relação com minha biografia emocional.
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A cannabis medicinal, ao atuar nos receptores endocanabinoides responsáveis pela homeostase — o equilíbrio interno — ofereceu ao meu sistema a oportunidade de interromper, pela primeira vez em anos, o ciclo vicioso de hiperativação e exaustão. Não se tratou de apagar o medo, mas de criar um ambiente interno no qual ele não mais detinha poder absoluto.
Ao mesmo tempo, precisei revisar profundamente meu estilo de vida.
A alimentação se tornou mais consciente, os ciclos de sono foram reorganizados, o uso da tecnologia passou a ser regulado, e práticas como exposição à luz natural, exercícios físicos, banhos frios, meditação e trabalho comunitário passaram a integrar minha rotina não como obrigações, mas como pilares para sustentar uma nova arquitetura emocional.
Também aprendi que a superação não é um ponto de chegada, mas um processo contínuo. O pânico não desapareceu da noite para o dia. Ele, por vezes, ainda sussurra.
A diferença é que, hoje, sei reconhecê-lo. Sei respirar junto dele. Sei que ele é vento — e como todo vento, chega, sopra e, inevitavelmente, passa. Compreendi, igualmente, que é a resistência que lhe confere a força do furacão.
Quanto mais se luta contra, mais se perpetua o movimento que o sustenta. Ao cessar o embate, o giro perde potência, e aquilo que parecia avassalador retorna à sua transitoriedade, se desfazendo no vazio que não oferece oposição.
Ao longo dessa travessia, compreendi que o maior antídoto contra o medo não é a ausência de desconforto, mas a construção de autonomia emocional.
O autodomínio não significa controlar cada aspecto da experiência humana, mas desenvolver a capacidade de estar presente, com lucidez, diante do que se apresenta — seja prazer ou desconforto, certeza ou incerteza.
Hoje, dedico minha vida a compartilhar esse percurso. O Guia do Autodomínio, que escrevi, nasceu do desejo de oferecer às pessoas não uma promessa vazia, mas um mapa.
Um convite para que cada indivíduo se torne protagonista do próprio caminho, assumindo, com coragem e responsabilidade, o compromisso de cuidar de si.
Superar a síndrome do pânico não é esquecer que ela existiu. É, antes, reconhecer que ela foi professora rigorosa, que me ensinou a escutar meu corpo, a rever meus limites e, sobretudo, a reconectar-me com a vida em sua inteireza.
Se existe uma conclusão possível, ela reside no fato de que a liberdade não é um estado que se alcança, mas uma prática diária. E essa prática começa, sempre, no gesto mais simples e, ao mesmo tempo, mais revolucionário: respirar.
*Maria Klien é psicóloga e especialista em distúrbios ligados ao medo e à ansiedade.