Remédios manipulados para obesidade: o risco oculto da decisão da Anvisa
Proibição de semaglutida e liraglutida manipuladas é avanço, mas contradição na regulamentação da tirzepatida preocupa
No dia 25 de agosto de 2025, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou o Despacho nº 97, seguido da Nota Técnica nº 200/2025, buscando organizar as regras de manipulação de medicamentos antiobesidade no Brasil, como tirzepatida, semaglutida e liraglutida.
Estes medicamentos são peptídeos, moléculas complexas que simulam hormônios do corpo humano e cuja produção exige tecnologia avançada e controle rigoroso.
Apresar de tardia, achamos acertada a decisão da agência de reconhecer que a manipulação em massa destes compostos é insegura. O documento afirma de forma clara que a manipulação de peptídeos é “muito complexa e arriscada”, exigindo “análises sofisticadas para garantir que o medicamento seja seguro e eficaz”.
Outro ponto positivo foi o esforço para fortalecer os procedimentos de importação do ingrediente farmacêutico ativo (IFA), trazendo mais rigor ao controle sanitário.
+Leia também: Milagre ou receita de risco? Discutindo a manipulação de semaglutida e tirzepatida
A contradição que oferece riscos à sociedade
Apesar desses avanços, a nota técnica traz uma contradição preocupante:
Embora reconheça a insegurança da manipulação dos peptídeos – que pertencem todos à mesma classe terapêutica – a Anvisa estabeleceu regras diferentes para sua importação, dependendo da forma de fabricação:
- Peptídeos biológicos, como liraglutida e semaglutida: apenas empresas com medicamento registrado na Anvisa podem importar – garantindo padrões de qualidade adequados;
- Peptídeos sintéticos, como a tirzepatida: a nova orientação abre brechas para importações que podem abastecer farmácias de manipulação, comprometendo a segurança dos pacientes.
Na prática, isso cria uma lacuna regulatória que mantém a tirzepatida (Mounjaro) manipulável, ainda que a própria Agência reconheça sua complexidade.
Mesmo quando produzida de forma sintética, a tirzepatida é uma molécula grande de estrutura extremamente complexa. Sua produção consistente exige:
- Controle rigoroso em toda a cadeia (produção, transporte e armazenamento);
- Tecnologias avançadas de fabricação;
- Testes especializados de pureza, potência e estabilidade;
- Garantia de ausência de contaminação, especialmente por se tratar de medicamento injetável.
Essas exigências estão muito além da infraestrutura das farmácias de manipulação no Brasil. Ainda assim, segundo o laboratório Lilly do Brasil, já foram importados cerca de 28 kg de tirzepatida não original, quantidade suficiente para fabricar mais de 5,8 milhões de unidades de 5 mg manipuladas — sem os testes de eficácia e segurança que só a indústria consegue assegurar.
A manipulação no Brasil, em grande parte, não é feita para personalizar tratamentos, mas sim para criar um mercado paralelo de medicamentos em larga escala. E o cenário é ainda mais grave quando consideramos que alguns médicos vendem medicamentos manipulados diretamente aos pacientes — prática antiética e proibida conforme normas do Conselho Federal de Medicina.
Esperamos que medidas regulatórias fechem a lacuna entre peptídeos “biológicos” e “sintéticos”, proibindo a manipulação em larga escala da tirzepatida e garantindo proteção real aos pacientes.
Ninguém deveria ter permissão para fabricar em escala industrial ou comercializar medicamentos não testados, sem comprovação de eficácia e sem garantias de segurança.
E principalmente: pessoas não deveriam se expor ao risco de colocar esses produtos em seus corpos.







