A verticalização dos planos de saúde e a qualidade do atendimento
Modelo que junta rede assistencial à operadora gera debate e controvérsias. Nossa colunista reflete a respeito
A repercussão em torno da transferência da carteira de planos de saúde individuais e familiares da Amil para a APS e, na sequência, a tentativa de repasse desses beneficiários para a Fiord Capital, recém-constituída, deflagraram o desinteresse comercial das operadoras nesses modelos de produtos e uma possível rescisão indireta dos contratos.
É importante esclarecer, antes de qualquer coisa, que os convênios médicos adotam o sistema mutualista, ou seja, todos os beneficiários contribuem para que as pessoas utilizem os serviços médicos, quando necessário.
Cada contratante arca com uma mensalidade fixa, de acordo com a cobertura assistencial, faixa etária e rede credenciada. Os custos da utilização são diluídos entre todos os beneficiários.
Para compensar esse mecanismo, as operadoras cobram um reajuste por mudança de faixa etária até 59 anos, ou seja, à medida que o beneficiário envelhece, recebe um aumento condizente com o seu perfil de risco.
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Assim, com o discurso de incerteza econômica e contenção da pandemia, as operadoras estão investindo em um novo modelo de negócio, que envolve fusões de empresas, verticalização da rede credenciada e comercialização de produtos que sofrem uma intervenção mínima da autarquia. Episódio recente se deu com a aquisição do convênio SulAmérica pela Rede D’Or.
Não é de hoje que o mercado de saúde adota a verticalização como um modelo lucrativo. Em décadas passadas, hospitais privados já vendiam assistência médica para os consumidores. Anos depois, as operadoras começaram a adotar o modelo. E estão expandindo.
A estratégia de verticalizar a operação compreende a criação de redes próprias de atendimento, mediante esvaziamento dos hospitais credenciados, para garantir maior controle de custo e possibilidade de direcionamento de rede referenciada.
Só que o modelo é claramente vantajoso apenas para as operadoras de saúde, uma vez que, além de retirar a autonomia médica, privam o paciente de ter acesso ao melhor tratamento. O lema é: a qualidade do atendimento pode ser substituída pela sustentabilidade do negócio.
A CPI da Covid-19 ajudou a jogar luz e escancarar as graves implicações do fenômeno da verticalização, mediante denúncias de interferência nas condutas dos médicos aos pacientes, como ficou bem explícito no caso envolvendo a Prevent Senior.
O empecilho está previsto no Conselho Nacional de Saúde Suplementar (Consu) nº 8/1998 e na Resolução Normativa nº 433/2018, já que o convênio médico deve informar de forma clara e prévia ao consumidor os mecanismos de porta de entrada, direcionamento, referenciamento ou hierarquização de acesso.
Para coibir o conflito de interesses e evitar prejuízos ao tratamento adequado dos pacientes, um Projeto de Lei (3590/2021) está sendo elaborado para estabelecer mecanismos com o objetivo de evitar a intervenção das operadoras verticalizadas na atuação médica e assistencial.
Um dos trechos do PL menciona o estabelecimento de “mecanismos para coibir a interferência das Operadoras de Plano de Assistência à Saúde [OPS] nos tratamentos oferecidos aos pacientes, nos casos de integração vertical em saúde suplementar”.
O tema carece de regulamentação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), justamente para evitar o desequilíbrio e criar padrões de qualidade a serem avaliados.
A autarquia possui um sistema completo e ferramentas que são capazes de mapear e identificar o índice de satisfação dos serviços e pode intervir e determinar sanções em casos de ingerência ou manipulação de tratamentos que prejudiquem a qualidade dos atendimentos.
Enquanto essas ações não são tomadas, a fragilidade do consumidor fica cada vez mais exposta diante das grandes empresas. Os recorrentes abusos cometidos no setor de saúde suplementar precisam ser combatidos pelos órgãos responsáveis e até pelo Poder Judiciário.