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O mundo também é dos vírus. E o virologista e especialista em coronavírus Paulo Eduardo Brandão, professor da Universidade de São Paulo (USP), guia nosso olhar sobre esses e outros micróbios que circulam por aí.

Raiva: todo mês pode ser o “mês do cachorro louco”

Virologista que participou da detecção de caso de raiva canina em São Paulo em agosto fala da experiência e dos desafios no enfrentamento a essa doença

Por Paulo Eduardo Brandão
Atualizado em 11 out 2023, 10h21 - Publicado em 11 out 2023, 10h03
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No mundo, pelo menos 55 mil pessoas morrem por essa doença incurável ao ano (Foto: IS/iStock)
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Você já deve ter ouvido por aí que agosto é o “mês do cachorro louco”.

Pois bem, no dia 27 de agosto desse ano, bem aqui do lado da USP em São Paulo, uma cadela vagava abandonada, como tantos cães e gatos que têm o mesmo destino, seja por desconhecimento, irresponsabilidade ou pura maldade das pessoas.

Além de mal-nutrida, ela se comportava de um jeito meio estranho, andando em círculos. Uma colega veterinária, minha ex-professora aqui na USP, a encontrou e a levou a uma clínica veterinária, onde os sintomas só pioraram. Ela teve convulsões e acabou mordendo cinco pessoas.

Usando um recurso exclusivo da medicina veterinária, a cadela foi eutanasiada por seu caso ser irreversível e por estar em extremo sofrimento.

A história acabaria por aí, não fosse a inspiração da colega veterinária em suspeitar o impensável aqui na cidade de São Paulo: raiva canina!

E por que impensável? Porque desde 1983 não existem cães com raiva na capital paulista, graças às intensas campanhas públicas de vacinação de cães e gatos e ao controle populacional destes animais por campanhas de esterilização cirúrgica.

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E por que é importante não ter raiva canina? Já tratamos de raiva em outro texto, mas vale lembrar que, no mundo todo, pelo menos 55 mil pessoas morrem por essa doença incurável ao ano e 100% letal, e o principal transmissor para as pessoas é o cão.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) espera que consigamos zerar a raiva transmitida pelos cachorros até 2030. Mas não são só eles que merecem atenção: morcegos de todos os tipos, incluindo os que comem frutas, insetos, néctar e as espécies que se alimentam só de sangue transmitem a raiva.

Raposas carregam o vírus também, bem como saguis. Sim, saguis-de-tufo branco tem uma variedade do vírus para chamar de sua no Nordeste do Brasil.

Neste ano, um dos dois casos de raiva humana no Brasil foi transmitida por um destes animais. O outro caso deste ano foi transmitido por um bezerro. Sei que esse caso parece meio estranho, mas é verdade: se entrarmos em contato com saliva de bovinos infectados podemos pegar a doença, e foi mais ou menos assim que aconteceu nesse episódio.

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+ Leia também: Eris: estamos diante do coronavírus da discórdia?

Voltando ao caso da pobre cadela. Depois da eutanásia, o cérebro do animal foi mandado para o laboratório deste virologista que vos escreve. Por suspeitarmos de raiva, usamos não só os testes comuns de laboratório que a OMS indica, mas também testes mais complicados como o PCR, parecido com o que fazemos para a Covid-19.

E o resultado foi… positivo para a raiva!

A impressão digital genética que encontramos nos mostrou que não era o vírus da raiva típico, “raiz”, de cães, que foi extinto na cidade de São Paulo em 1983 e no Estado em 1998.

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Era, vejam só, um vírus de morcego, possivelmente um que se alimenta de frutas. E não é algo raro ou surpreendente achar morcegos com raiva, mesmo em centros urbanos.

Colocando tudo em uma história plausível, o que deve ter ocorrido é que o animal infectado deve ter caído no chão por não conseguir mais voar. A cadela chegou perto dele— talvez por curiosidade, talvez para tentar comer — e ele a mordeu, passando seu vírus pela saliva.

Quase que imediatamente após a ocorrência desse caso, as cinco pessoas mordidas tomaram vacina e soro antirrábico e estão bem, como sempre acontece quando isso é feito a tempo. A Coordenadoria de Vigilância em Saúde (Covisa) da cidade vacinou de casa em casa cães e gatos em um raio de 500 metros do local e a história acabou por aí.

Não teremos um surto de raiva canina na cidade, com certeza.

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Porém, para não termos mais casos como esse, temos que vacinar cães e gatos todos os anos contra a raiva, seja em clínicas privadas, seja nos postos fixos das cidades onde as campanhas já ocorrem.

E, se eles se comportarem de um jeito estranho, levar para atendimento veterinário.

Ah sim, ia me esquecendo de contar: por que se diz que agosto é mês de cachorro louco?

É que agosto é um mês em que o calor vai começando e isso estimularia tanto as cadelas a entrarem no cio quanto os machos a ficarem mais agressivos na competição para acasalar. As brigas acabavam transmitindo a raiva canina. Não à toa, as campanhas de vacinação antirrábica ocorriam nesse mês.

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O caso que contei aqui aconteceu em agosto, mas foi pura coincidência. Todo mês é mês de cachorro louco, de morcego “louco” e por aí vai. A raiva não tem dia e não dá trégua.

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