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O mundo também é dos vírus. E o virologista e especialista em coronavírus Paulo Eduardo Brandão, professor da Universidade de São Paulo (USP), guia nosso olhar sobre esses e outros micróbios que circulam por aí.
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Vilões ou mocinhos? Os vírus nos dois lados do câncer

Esses micróbios estão implicados em diversos tipos de tumores, mas a ciência já sabe como brecá-los e quer usá-los agora a nosso favor

Por Paulo Eduardo Brandão
15 out 2024, 11h27
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  • Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2022, houve 20 milhões de novos casos e 9,7 milhões de mortes por câncer no mundo todo. São os dados consolidados mais atuais, ainda que, de uns anos para cá, tenhamos visto uma tendência de crescimento nos episódios da doença.

    O câncer tem um impacto muito maior nas pessoas que vivem em países com baixo índice de desenvolvimento humano (IDH), tanto por falta de diagnóstico como de tratamento, mostrando mais uma vez a cara feia da desigualdade. Claro, lembremos também que os medicamentos mais modernos contra o câncer são extremamente caros e, por isso, extremamente “queridos” pelas Big Pharmas.

    Mas o que é o câncer? Primeiro, não é uma doença só, mas um amplo grupo de doenças degenerativas com diversas origens, órgãos-alvo e gravidade. No entanto, elas têm algo em comum: ocorrem quando células de um determinado tecido começam a se reproduzir de modo descontrolado e se tornam mutantes e danificadas, fugindo da morte programada natural de qualquer célula saudável.

    Um órgão com células cancerosas (ou neoplásicas) perde sua função natural e suas células podem até fugir e ir atacar outros lugares, a chamada metástase. Os tipos mais frequentes de câncer são o de mama, pulmão, intestino e próstata, e as causas desses problemas incluem desde substâncias tóxicas como tabaco e álcool, luz ultravioleta e elementos radioativos até protozoários, bactérias e, é claro, vírus.

    O primeiro vírus a ser implicado no desenvolvimento do câncer foi o papilomavírus humano, o HPV. Ele é o causador do câncer cervical ou de colo do útero, uma seção do aparelho reprodutivo feminino também chamada de canal do parto.

    A descoberta dessa relação rendeu o Prêmio Nobel de Medicina ou Fisiologia ao cientista alemão Harald zur Hausen em 2008. A partir daí, o “clube dos vírus cancerígenos” só cresceu.

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    Hoje ele inclui o vírus Epstein-Barr (EBV) e o vírus linfotrópico humano de células T (HTLV1), ligados a linfomas e leucemias, e os vírus da hepatite B e C, implicados no câncer de fígado, e os poliomavírus das células de Merkel (MCPV) e o vírus do sarcoma de Kaposi (KSHV), associados a tumores de pele.

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    Entre danos e mutações

    O interessante aqui é entender como esses vírus causam cânceres. Alguns liberam proteínas que aumentam a taxa de replicação das células e barram a apoptose, um mecanismo de morte celular natural — ou seja, as células meio que se tornam imortais e não param de se reproduzir.

    Outro mecanismo desatado por esses oncovírus é o seguinte: eles embaralham os cromossomos das células e também colocam ou deletam genes ali. E, quanto aos vírus chamados de retrovírus, existe um truque extra: eles “colam “seu genoma dentro do nosso e isso estraga o programa celular esperado, elevando as chances de um câncer aparecer.

    Isso se falarmos da ação mais direta dos oncovírus, porque tem também os meios indiretos de semear confusão. Vírus que causam inflamação crônica, como o da hepatite C, acabam danificando os tecidos locais, o que pode levar a câncer, e podem ainda desligar a vigilância natural que temos contra essa doença.

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    E, se são vírus e são transmissíveis, sobretudo por fluidos corporais em relações sexuais e compartilhamento de seringa em uso de drogas injetáveis, então eles podem espalhar o câncer por aí, certo? Sim, mas pelo menos temos como nos prevenir. Como? Com vacinas!

    Vacinas contra o câncer

    O Programa Nacional de Imunizações (PNI), exemplo para o mundo todo, contempla vacinas contra HPV e hepatite B. A vacina do HPV é aquela que vem causando furor entre grupos religiosos e conservadores: ela é dada em crianças, mas, como o HPV se transmite via sexual, essa turma considera errado imunizar as crianças…

    O que eles ignoram (bem, essas seria uma lista bem grande!) é que isso é feito para proteger as crianças antes de elas entrarem na fase de atividade sexual.

    Prevenir infecções com imunizantes, portanto, é uma estratégia comprovadamente segura e eficaz de prevenir tumores.

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    Mas não paramos aí. No estilo “fazer do limão uma limonada”, podemos hoje, vejam só, usar vírus para tratar o câncer. A ideia é utilizar micróbios criados em laboratório para carregar instruções de DNA a fim de restabelecer a ordem e consertar as células mutantes e anormais.

    É uma linha de pesquisa promissora. Com isso, somos capazes de transformar patógenos em curas, inimigos em amigos – uma imensa conquista da ciência.

    Mas,para que os cânceres sejam prevenidos e curados, precisamos de algo a mais, algo que faça vacinas e tratamentos chegarem a todas as pessoas. De repente, pode ser o que disse o ativista dos direitos civis Martin Luther King, Jr.: “O amor é a única força capaz de transformar um inimigo em amigo”.

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