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Exercício como tratamento de 6 doenças neurológicas

A atividade física virou remédio contra Alzheimer, Parkinson, esclerose múltipla, epilepsia, depressão e até enxaqueca. Mas como fazer com segurança?

Por Chloé Pinheiro
16 ago 2019, 11h10
exercício para o cérebro
O exercício previne e ajuda no tratamento de várias doenças neurológicas. (Foto: George Doyle (Getty Images) / Ilustração: Thiago Almeida/SAÚDE é Vital)
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Em 2050, as pessoas acima dos 65 anos representarão um terço da população do planeta. E esse é o grupo mais suscetível a males marcados pela destruição dos neurônios, como o Alzheimer. A projeção é que ele afete 135 milhões de indivíduos daqui a três décadas. Alguns problemas, por outro lado, afligem o cérebro independentemente da idade. É o caso da depressão, que faz 322 milhões de vítimas pelo mundo hoje e deve ser o transtorno mais incapacitante do globo em 2020. Os números assustam e pedem que não fiquemos parados. De verdade: exercitar-se com regularidade já configura uma medida cientificamente comprovada para prevenir e controlar doenças que consomem a massa cinzenta. É bom que os brasileiros levem essa história a sério. Por aqui, 47% dos cidadãos são sedentários.

Quem se perde no conforto do sofá é o cérebro. Além de melhorar o abastecimento de sangue, oxigênio e nutrientes, a atividade física pode fazer a cabeça trabalhar de forma mais ágil e prepará-la para enfrentar tanto doenças neurodegenerativas (Alzheimer, Parkinson…) como psiquiátricas (depressão, ansiedade etc).

Os cientistas já decifraram que o suor da camisa induz um fenômeno chamado neurogênese, a formação de novos neurônios. Parece mágico, mas é pura bioquímica: durante a atividade, há um aumento na liberação da substância BDNF (sigla em inglês para fator neurotrófico derivado do cérebro), envolvida na produção, conservação e funcionamento das células nervosas.

Níveis mais altos de BDNF, que podem se manter elevados até oito horas depois do exercício, estão associados à proteção contra diversos perrengues. “Sua presença diminui a inflamação local, melhora as conexões entre os neurônios e preserva o córtex pré-frontal, essencial para as tarefas que exigem planejamento e organização”, expõe a educadora física Andréa Camaz Deslandes, coordenadora do Laboratório de Neurociência do Exercício da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Os cariocas, aliás, descobriram recentemente que um hormônio fabricado pelos músculos durante o exercício tem potencial para reverter a perda de memória característica do Alzheimer – feito que nenhum medicamento alcançou até o momento. Batizado de irisina, ele foi identificado pela primeira vez em 2012 e atua na regulação do metabolismo corporal.

Agora é alvo de estudos por seu papel de socorro ao cérebro. Pode estar aí uma das chaves moleculares que explicam o poder da malhação não só para a prevenção como para o tratamento dessa e de outras doenças.

Exercício vira remédio

As evidências do impacto positivo da atividade física no controle de problemas neurológicos não se resumem a Alzheimer. Pessoas com condições crônicas como epilepsia, esclerose múltipla e enxaqueca também têm a ganhar com um treino prescrito e supervisionado.

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Aí que está: as indicações estão cada vez menos genéricas, do tipo “você precisa se exercitar”. A tendência é traçar as modalidades mais compatíveis e personalizar o treinamento. Em geral, o benefício vem na esteira do tempo de prática e da constância – não adianta malhar umas semanas e depois parar – e do respeito a possíveis limitações.

Manter uma vida ativa antes de qualquer desordem cerebral se manifestar é o melhor dos cenários. Assim se cria uma reserva cognitiva, nome para a capacidade de a massa cinzenta lidar com eventuais danos e se adaptar a eles.

Provavelmente há uma razão evolutiva para isso. Nossos ancestrais precisavam se movimentar e pensar mais do que seus pares para sobreviver. Esse é um elo forjado há milênios”, teoriza Michael Wheeler, pesquisador da Universidade Baker, na Austrália, que estuda os efeitos do sedentarismo na cachola.

Em pleno século 21, nunca foi tão importante se mexer pelo bem da cabeça – inclusive se ela já é alvo de uma doença, como você verá a seguir.

1) Alzheimer

Muito ligado à perda da memória, é o tipo mais comum de demência no Brasil, onde afeta 1,2 milhão de pessoas. A atividade física já é associada à diminuição do risco de desenvolver a doença, mas pode ajudar também a desacelerar sua progressão.

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Isso porque induz transformações no cérebro para compensar a devastação de neurônios – fenômeno que, entre outras áreas, afeta o hipocampo, responsável pelas memórias recentes. Os exercícios aeróbicos (caminhada, trote…) parecem ser os mais indicados.

Um experimento com roedores feito na UFRJ desvendou que a irisina, aquele hormônio produzido pelos músculos com o exercício, chega a reverter a perda de memória. O achado precisa ser confirmado em gente como a gente, mas abre uma esperança para o tratamento do problema.

Já se sabe que pessoas com Alzheimer em estágio moderado ou grave têm menores níveis de irisina no cérebro. “Os mecanismos de ação ainda não estão totalmente elucidados, mas nosso trabalho demonstrou que ela protege as sinapses, as conexões entre os neurônios”, diz a bióloga Fernanda Felice, uma das autoras da pesquisa.

2) Parkinson

Nada melhor do que o exercício para estimular a produção natural de dopamina, neurotransmissor em falta no cérebro de quem tem Parkinson, desordem caracterizada por rigidez, tremores e outras alterações motoras.

Uma revisão de estudos assinada pela Clínica Mayo, nos Estados Unidos, indica que as modalidades intensas podem ser particularmente úteis. “Recomendo a prática de atividades vigorosas mesmo a pacientes com Parkinson em estágio avançado”, relata o neurologista Eric Ahlskog, autor do levantamento.

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É evidente que tudo precisa ser feito sob orientação médica e supervisão de um profissional. “Treinos complexos, com múltiplos estímulos ou que trabalhem o equilíbrio, como a dança, são bem-vindos porque atuam na região do cérebro que coordena e automatiza os movimentos”, aponta a educadora física Carla da Silva Batista, que investiga o tema em seu pós-doutorado na Universidade de São Paulo (USP).

Também são importantes o alongamento e o fortalecimento muscular, assim como não deixar de tomar os remédios prescritos pelo especialista.

3) Esclerose múltipla

Essa doença autoimune corrói a bainha de mielina, camada que protege os nervos para que se mantenha a condução dos impulsos elétricos – com os fios desencapados, por assim dizer, há prejuízos para se movimentar, enxergar… De acordo com o fisioterapeuta Mark Manago, da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, pessoas com a condição podem obter melhoras na força, no equilíbrio e na capacidade aeróbica ao fazer um treino supervisionado.

Ele constatou em seus estudos que exercícios de força, em especial os que ativam a panturrilha, são essenciais para aprimorar a marcha. Práticas como caminhada e corrida, aliás, colaboram bastante para aliviar uma das queixas mais recorrentes dos pacientes, a fadiga.

Outra vantagem do exercício na esclerose múltipla é seu efeito anti-inflamatório, aliado inclusive na prevenção de males que podem se aproveitar do transtorno, caso de osteoporose, obesidade e doenças cardiovasculares. Déficits cognitivos e quadros depressivos também são menos comuns ou amenizados na rotina de quem leva uma vida ativa.

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4) Epilepsia

Há até pouco tempo – e muita gente ainda pensa assim -, a atividade física era contraindicada a portadores do problema, mais conhecido pelas convulsões. Temia-se que ela fosse gatilho para as crises.

“Uma série de estudos foi feita desde então e sabemos agora que o exercício é seguro e mesmo treinos exaustivos não desencadeiam esses episódios”, conta o neurologista Ricardo Arida, da Universidade Federal de São Paulo.

Pelo contrário: a prática regular e orientada parece reduzir o número de ataques e equilibrar o cérebro. “Ela aumenta os níveis de noradrenalina e endorfina, neurotransmissores com efeito protetor, e ativa o sistema opioide, que age como um inibidor das crises”, explica Arida.

Atividades aeróbicas de baixa intensidade são as mais estudadas, mas mesmo musculação e natação podem ser realizadas – só é preciso que as crises estejam controladas e haja supervisão durante a prática.

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As vantagens do esporte se aplicam a quase todos os tipos de epilepsia. A exceção fica por conta da epilepsia reflexa, que ocorre durante a exposição a luzes ou a outros estímulos, como o movimento corporal.

5) Enxaqueca

Essa dor de cabeça é mais um exemplo de problema para o qual a sabedoria popular prescrevia distância da academia ou das quadras. Outro engano!

“Ainda há poucos estudos disponíveis, mas alguns já demonstram que a atividade física aeróbica, combinada com o medicamento, melhora a resposta ao tratamento”, contextualiza o neurologista Fernando Kowacs, do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre.

Os mecanismos protetores ainda não foram confirmados, mas a principal aposta está na liberação de endorfina e serotonina, neurotransmissores que atuam como analgésicos naturais. Outro ponto é que se exercitar alivia a tensão e promove uma rotina mais regular de sono.

“E sabemos que isso pode diminuir a frequência das crises”, diz o médico. A melhor modalidade é a que faz a camisa suar mesmo, como caminhadas rápidas e corrida.

Quando a crise é leve, sem náuseas ou intolerância à luz, a prática está liberada e até ameniza o incômodo. Agora, se o episódio é incapacitante, que piora com qualquer estímulo, o ideal é repousar e só voltar à ativa quando passar. A hidratação é decisiva aqui: qualquer desequilíbrio no corpo é gatilho para a dor.

6) Depressão, ansiedade e cia.

Já existe uma farta documentação sobre o benefício da atividade física para a saúde mental. Na depressão, ela ajuda a encolher a dose dos medicamentos e até suprime a necessidade deles em casos mais leves – isso só com aval médico, vale frisar.

“Alterações fisiológicas provocadas pela doença, como aumento da inflamação, redução dos níveis de BDNF e elevação do cortisol, o hormônio do estresse, podem ser revertidas com a prática de exercícios”, explica o médico Fernando Fernandes, do Instituto de Psiquiatria da USP.

Vencer o sedentarismo também auxilia na prevenção e no controle da ansiedade. “Estudos em jovens mostram que o exercício pode reduzir o risco de transtornos psiquiátricos no geral, especialmente os de humor”, destaca Fernandes.

Uma dica para quem sofre com um problema do tipo é malhar durante o dia, de preferência pela manhã. Como exercitar-se deixa a cabeça mais ligada, há risco de o sono demorar para chegar se o treino for noturno.

Outras doenças psiquiátricas estão na mira da atividade física, como indicam pesquisas recentes. Em experimentos com portadores de esquizofrenia, por exemplo, os exercícios supervisionados parecem controlar repercussões cognitivas como perda de memória e podem até refrear episódios de psicose.

A cabeça de todos sai ganhando

O desempenho na escola ou no trabalho e o raciocínio na hora de tomar uma decisão agradecem. Aumento no fluxo sanguíneo e de certas substâncias no cérebro estão por trás dos ganhos.

Um estudo australiano mostrou que idosos saudáveis que andam 30 minutos toda manhã e fazem pequenas caminhadas durante o dia conservavam melhor os neurônios e apresentavam funções como memória de trabalho mais eficientes. Mentes jovens se beneficiam igualmente.

O conselho da Organização Mundial da Saúde é fazer pelo menos 150 minutos de exercícios por semana ou três sessões semanais de quase uma hora.

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