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Coberturas vacinais no Brasil: onde estamos e onde é possível chegar?

Indicadores apresentaram melhorias em 2023. Combate à desinformação, busca de pacientes e mudanças nos sistemas de informação podem explicar o fenômeno

Por Lucas Rocha
15 jan 2024, 18h00
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Vacinas ajudam a prevenir agravamento de diversos tipos de doenças (Foto: Julia Prado/MS/Divulgação)
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O aumento das coberturas vacinais no Brasil foi um dos compromissos firmados pela ministra da Saúde, Nísia Trindade, logo no início da gestão da pasta em janeiro de 2022. “Quero destacar, entre algumas iniciativas, a importância da retomada das altas coberturas vacinais e o fortalecimento do PNI [Programa Nacional de Imunizações]“, afirmou Nísia, no discurso de posse.

Eis que, no final de 2023, o ministério anunciou que pelo menos oito vacinas que fazem parte do calendário infantil registraram um aumento no percentual de imunizados em comparação com o ano anterior.

A lista inclui as vacinas:

  • hepatite A
  • poliomielite
  • pneumocócica
  • meningocócica
  • DTP (difteria, tétano e coqueluche)
  • tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola) – 1ª dose
  • tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola) – 2ª dose
  • febre amarela

+ Leia também: Hesitação vacinal: um risco para o futuro das crianças

Primeiros passos

O resultado aponta que o país começa a caminhar para uma reversão da queda dos indicadores vacinais, um problema que se acentuou principalmente a partir de 2015.

Para explicar esse fenômeno, VEJA SAÚDE consultou especialistas em diversas áreas, como saúde pública, imunização e pediatria, para detalhar os pontos positivos e os gargalos ainda enfrentados no país.

“A queda da cobertura vacinal é uma questão de saúde pública. Não só do Brasil, mas do mundo. Um dos fatores de destaque é a hesitação vacinal“, afirma a pesquisadora em saúde Chrystina Barros, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Essa resistência faz pais não levaram seus filhos para tomar as injeções.

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O problema está associado a diversos fatores, segundo a especialista. Um é a diminuição da percepção de risco. Com o sucesso alcançado pelas campanhas ao longo das décadas, doenças que podem ser prevenidas por meio de vacinas foram eliminadas ou se tornaram cada vez mais raras, como a poliomielite e o sarampo.

“Se eu não vejo a doença, isso não me sensibiliza. Na epidemia de Covid, por exemplo, quando a vacina chegou, observamos uma grande procura, exatamente pelo fato de a doença nos assustar”, explica Chrystina.

Leia também: O que pensam os brasileiros sobre a vacinação de crianças e adolescentes?

Contudo, a baixa procura pela imunização é justamente o que pode abrir espaço para o retorno de agravos facilmente evitáveis e potencialmente graves.

É o caso do sarampo. O Brasil recebeu o certificado de eliminação da doença, concedido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2016. No entanto, três anos depois, perdeu o status devido à reintrodução do vírus e a confirmação de novos casos.

A sua prevenção é feita com a tríplice viral, que também evita a rubéola e a caxumba. Em relação à primeira dose, o Brasil subiu de 80,7% em 2022 para 85,6% em 2023.

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Já para a segunda aplicação, a cobertura foi de 57,6% para 61,6%. Cabe destacar que esse número ainda é baixo.

Ainda assim, o crescimento já pode estar apresentando seus primeiros frutos. Em novembro de 2023, o país obteve a elevação de status de “país endêmico” para “país pendente de reverificação”.

Na prática, isso significa que o país deve recuperar o certificado de eliminação do sarampo nos próximos meses, conforme afirmou o diretor da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) Jarbas Barbosa em dezembro.

“O Brasil já se encontra há um ano sem nenhum caso novo diagnosticado, o que nos permite também ter uma esperança grande de que, nos próximos meses, a comissão de verificação possa certificar novamente o Brasil e nós voltemos a ter o status de região livre do sarampo”, disse Barbosa, em simpósio realizado na Academia Nacional de Medicina (ANM), no Rio de Janeiro.

No caso da poliomielite, uma infecção que pode levar à paralisia infantil, a cobertura vacinal foi ampliada de 77,2% para 78% – permaneceu praticamente estável, portanto. Mas, na comparação do número de municípios que atingiram as metas recomendadas de 95%, houve uma alta de 48% para a doença: de 1 463 cidades em 2022 para 2 168 em 2023.

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+ Leia também: Mapeamento faz raio x do SUS e prescrições para melhorá-lo

A volta do Zé Gotinha

Logo no segundo mês da nova composição do ministério, foi lançado o Movimento Nacional pela Vacinação.

O objetivo era claro: retomar a confiança da população brasileira nos imunizantes e a cultura de vacinação, que durante décadas foi um marco do país.

Além de reforçar a importância de se completar os esquemas vacinais contra a Covid-19, a iniciativa convocou a população para atualização de outros imunizantes do Calendário Nacional de Vacinação, especialmente a multivacinação de crianças e adolescentes.

Além da hesitação de pais e responsáveis, a disponibilidade de vacinas também é um ponto crucial para a elevação do percentual de imunizados.

Em 2023, o Ministério da Saúde identificou estoques limitados de doses de hepatite B, BCG (contra tuberculose), tríplice viral e poliomielite. As informações foram apresentadas pela secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente, do Ministério da Saúde, Ethel Maciel, no simpósio da ANM.

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A figura do Zé Gotinha foi destacada como incentivo à vacinação no Brasil (Foto: Igor Evangelista/MS/Divulgação)

Foco no microplanejamento

A máxima de que existem vários Brasis dentro do Brasil também se aplica ao contexto da imunização. Entender a multiplicidade de cenários e os diferentes desafios de cada região e localidade foi um passo importante para o avanço das campanhas.

Com isso em mente, foi implementada uma estratégia chamada microplanejamento, que consiste em atividades focadas na realidade de cada local, visando direcionar melhor esforços. Para isso, são mapeadas as principais lacunas de cada região e, então, definidas populações-alvo, escolha das vacinas, datas e locais de campanhas e toda a logística envolvida.

“Trata-se de entender que hoje, apesar da política nacional ser importante, é relevante se olhar os gargalos locais para atingir as coberturas vacinais”, explica a médica Melissa Palmieri, do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

+ Leia também: Mais de 400 mil crianças brasileiras não tomaram vacinas básicas em 2022

Na prática, equipes do PNI percorreram o país em busca de alternativas viáveis para a realidade de cada local. O mapeamento contou com o apoio das secretarias de saúde.

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Com o diagnóstico em mãos, foram implementadas medidas como a vacinação fora das unidades de saúde, a ampliação do horário das salas de imunização e busca ativa de indivíduos não vacinados.

Essa regionalização pode ser atribuída como um dos fatores que levaram à melhora dos índices da DTP, por exemplo. O imunizante, que protege contra difteria, tétano e coqueluche, teve um crescimento em todos os estados e no Distrito Federal. Em números, o percentual foi de 67,4% para 75,2%.

Entre outros destaques estão a cobertura vacinal de hepatite A, que passou de 73% para 79,5% e o primeiro reforço da pneumocócica, que foi de 71,5% para 78%.

De acordo com o Ministério da Saúde, entre as vacinas indicadas para menores de 1 ano de idade, a que protege contra a febre amarela foi a que apresentou o maior crescimento. De 2022 para 2023, o índice subiu de 60,6% para 67,3%, também com reflexos positivos em todos os estados.

No contexto das melhorias, a vacinação contra o HPV apresentou um aumento de 30% no último ano. A vacina é ofertada a crianças e adolescentes de 9 a 14 anos em duas doses.

Segundo o ministério, a aplicação nas escolas foi uma das estratégias que explicam o crescimento. Quase 4 mil cidades realizaram campanhas nas unidades escolares em 2023.

“Se quisermos uma cobertura vacinal boa para HPV e outras vacinas que são feitas na adolescência, como meningite, a vacinação em escolas é fundamental”, avalia Mônica Levi, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

+ Leia também: Desafios do PNI em meio a ataques às vacinas nas redes sociais

Reversão dos impactos da pandemia

Durante a pandemia de Covid-19, os países enfrentaram grandes desafios para estabelecer estratégias novas de vacinação e de comunicação, com o objetivo de manter a população protegida e as doenças eliminadas ou controladas.

No olho do furacão, a oferta de diversos serviços foi colocada em segundo plano – incluindo a vacinação de rotina. “Durante os picos da transmissão, serviços de vacinação foram suspensos. Estimamos que uma de cada cinco crianças na região deixou de completar sua dose ou de tomar a primeira dose de alguma das vacinas do calendário dos países”, pontuou o diretor da Opas, Jarbas Barbosa.

+ Leia também: A batalha pela vacinação no Brasil

Ainda no contexto da pandemia, o mundo observou um fortalecimento do discurso antivacina.

“Isso produziu, ao mesmo tempo, o impacto de aumentar o número de pessoas que tiveram dúvidas de se vacinar contra a Covid e, observamos agora, que esse mesmo movimento se volta também contra as vacinas que utilizamos nos programas de imunização”, destacou Barbosa.

Nesse contexto, o Ministério da Saúde lançou um projeto de combate à desinformação, inclusive para se posicionar como a fonte oficial de informações e orientações confiáveis. Já Programa Saúde com Ciência, que teve a participação de outras pastas do governo, focou, em um primeiro momento, em medidas para reduzir o efeito de notícias falsas nas ações do Programa Nacional de Imunizações.

“Em um mês de lançamento, viramos assunto no Brasil, com mais de 500 menções ao projeto nas redes e 21 milhões de pessoas atingidas de alguma forma”, disse Ethel.

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Em 2023, foram reforçadas medidas como a vacinação fora das unidades de saúde (Foto: Sandro Araújo/Agência Saúde DF/Divulgação)

Sistemas de informação

Quão precisos são os dados disponíveis sobre a imunização no país? Conhecer a real dimensão de brasileiros protegidos (ou não!) é fundamental para estabelecer políticas públicas mais eficazes e, principalmente, para saber onde e como agir.

Em 2023, os registros de doses aplicadas passaram a ser redirecionados para a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS). A ideia é substituir, ao longo do tempo, a prática de inserção de dados que acontecia em vários sistemas de informações de municípios e estados, indicadores posteriormente compilados pelo ministério.

Iniciada em junho, a transição ainda está em andamento. A perspectiva é de que, finalizada a migração, cada pessoa possa consultar, através da internet, pelo ConecteSUS, como anda a sua vacinação. Assim como ocorre no acompanhamento das doses contra a Covid-19.

No entanto, enquanto a casa é arrumada, algumas informações permanecem defasadas – algo comum em processos de migração.

Isso pode explicar, em parte, a discrepância dos indicadores para BCG e hepatite B. No comparativo entre 2022 e 2023, a vacina que protege contra a tuberculose variou de 90,1% para 61,4%. Enquanto a dose contra a hepatite B variou de 82,7 para 55,5%.

De acordo com o ministério, 2,6 milhões de doses aplicadas de janeiro a maio de 2023 não foram contabilizadas na RNDS. São cerca de 400 mil são vacinas de BGC e 600 mil de hepatite B, que ainda estão de fora do cálculo de cobertura vacinal.

Onde é possível melhorar

Os dados anunciados pelo Ministério da Saúde mostram que, apesar dos avanços, ainda há espaço para melhorias.

Ao menos três imunizantes apresentam uma estagnação de 2022 para 2023: a meningococo C, que previne doenças como a meningite, a pentavalente (que protege contra a difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e a bactéria haemophilus influenza tipo b), e a dose contra o rotavírus.

Para essas, o índice ficou na casa dos 70%. Para ser mais exato:

  • Meningococo C: 75,4%
  • Pentavalente: 77,2%
  • Rotavírus: 75,9%

“O rotavírus tem uma particularidade: ela é a única vacina do calendário infantil que precisa ser feita nos prazos adequados de data inicial até a final”, afirma Melissa.

Funciona assim: a primeira dose tem que ser realizar entre os 2 meses até 3 meses e 15 dias de vida. A segunda, até os 7 meses e 29 dias. “Se você perde a lacuna desse prazo, não pode fazer a vacinação”, arremata Melissa.

Sobre os outros dois imunizantes, a diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) afirma que os números podem ser influenciados pelo processo de inclusão dos dados em sistemas.

“Na vacinação mista, em que algumas doses são dadas em unidades públicas e outras em serviços privados, pode haver falhas no cruzamento de dados. É obrigação da clínica ou do consultório de pediatra onde foi feita a vacinação notificar o sistema de saúde”, afirma Mônica.

Por fim, tiveram leves quedas as coberturas vacinais para varicela (catapora) e a pneumocócica, que previne doenças graves, como pneumonia, meningite e otite, causadas por 13 sorotipos de pneumococos.

“A varicela faltou na rede pública ao longo do ano em vários estados. A cobertura caiu de 73,3% em 2022 para 71,6% em 2023, isso é falta de vacina”, pontua Mônica.

No caso da pneumocócica, a queda foi de 81,5% para 78,5%.

Para a pediatra da SBP, a manutenção do ritmo de crescimento depende da continuidade e reforço de estratégias implementadas.

“Cada cidade adota a busca ativa por pacientes da forma possível. Alguns locais utilizam o WhatsApp, outros vão de porta em porta com a estratégia de saúde da família. Cidades grandes fazem mega operações, como São Paulo com a atualização vacinal em metrôs e terminais de ônibus. Ainda muito importante é bloquear as desinformações que vieram para ficar, infelizmente”, conclui Melissa.

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