Dentistas vão poder fazer cirurgia plástica? Entenda a polêmica
Conselho Federal de Odontologia (CFO) trabalha em resolução para liberar cirurgias estéticas de face, médicos temem falta de preparo e riscos

Uma afirmação do presidente do CFO (Conselho Federal de Odontologia), Claudio Miyake, tem dado o que falar. Durante o 42º Congresso Internacional de Odontologia de São Paulo (CIOSP), em janeiro desde o ano, ele afirmou que os dentistas terão aval do Conselho para fazer alguns tipos de cirurgias plásticas na face.
Confira o pronunciamento completo:
Desde 2019, o CFO regulamentou a harmonização orofacial como uma especialidade da área, afirmando que dentistas estariam autorizados a realizar procedimentos estéticos faciais, incluindo injetáveis com ácido hialurônico e toxina botulínica.
Antes da decisão, profissionais da odontologia já faziam aplicação de botox em casos de bruxismo ou disfunção na articulação da mandíbula, por exemplo.
Mas, devido a polêmicas e irregularidades envolvendo alguns dentistas, o CFO barrou a realização de cirurgias estéticas por profissionais da odontologia em uma nova resolução de 2020.
Na decisão, a entidade especificou que procedimentos invasivos como cirurgia no nariz, nas pálpebras, nas orelhas, no pescoço e no colo não competiam nem estavam autorizadas à classe.
Só que, mesmo assim, diversos profissionais seguem oferecendo ilegalmente intervenções do tipo.
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Agora, em 2025, isso vai novamente mudar. Em nota, o CFO confirmou à VEJA SAÚDE que trabalha na resolução para autorizar cirurgias estéticas na face por dentistas.
Especula-se que procedimentos como lifting facial cirúrgico, rinoplastia, alectomia (cirurgia para afinar o nariz), blefaroplastia (cirurgia para correção de flacidez de pálpebra) e até otoplastia (cirurgia nas orelhas) sejam incluídos.
A nota do CFO pondera que ainda não estão definidos os procedimentos a serem englobados na futura resolução e as respectivas exigências da regulamentação.
Por fim, o pronunciamento diz que essa autorização é uma grande vitória para a classe, e que, apesar de não explicar como, tudo será feito de forma a garantir a segurança do paciente.
“O CFO esclarece que as cirurgias estéticas da face vão representar um avanço importante para a Odontologia, com reconhecimento das competências legais e técnico-científicas dos cirurgiões-dentistas para atuação na área e, principalmente, serão um passo significativo para a segurança da população que terá acesso a novos procedimentos regulamentados de forma rígida e adequada”, completa a mensagem enviada pelo Conselho à VEJA SÁUDE.
A área estética tem, realmente, se popularizado na odontologia: em 2021, haviam 908 dentistas especialistas em harmonização orofacial no Brasil; em 2024, esse número já era de 4000, segundo dados do CFO.
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“Risco à saúde pública”: médicos são contra a prerrogativa
“Para que um médico cirurgião plástico faça uma rinoplastia, são necessários no mínimo 12 anos de estudo, 6 do curso de medicina, 3 da residência de cirurgia geral e mais 3 da residência de cirurgia plástica. Vão liberar um procedimento dessa complexidade para um profissional que não cumpre nem metade dessa carga horária? Isso é um risco a saúde pública”, afirma o médico e presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), Volney Pitombo.
Em comunicado à imprensa, a SBCP se manifestou contra o anúncio, afirmando que a prática de cirurgias plásticas, mesmo que de pequeno porte, por profissionais não qualificados é uma decisão de altíssimo risco à saúde dos pacientes, inclusive com a possibilidade de óbito.
Volney ressaltou que não se opera só uma face, se opera uma pessoa, e intercorrências além do rosto podem surgir: “Questões cardíacas e de diversas outras ordens podem aparecer, e é preciso saber manejar. Toda cirurgia possui riscos de complicações, é essencial saber solucioná-los na hora, não dá tempo chamar um médico de fora para ajudar”, crava o presidente da SBCP.
O cirurgião-plástico afirma que, para que dentistas estivessem aptos a realizar esses procedimentos, a carga horário do curso de odontologia deveria se estender e ainda seriam necessários longos anos de especialização.
“Me preocupa muito essa banalização da estética como se fosse algo simples. Para fazer cirurgia estética, primeiro é preciso saber reconstruir faces, fazer cirurgia reparadora. O cirurgião plástico tem uma ampla formação com reconstrução de rostos de queimados, por exemplo. Os dentistas serão treinados para isso também? A cirurgia plástica facial é muito mais complexa do que parece”, indaga o especialista.
Na nota do CFO, eles afirmaram é preciso aguardar a publicação da resolução para se ter os detalhes completos. Até lá, com certeza esse assunto ainda renderá muito pano para manga.