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Homeopatia contra o câncer: por favor, não

Biólogo critica uso de remédios homeopáticos no tratamento de tumores, em análise feita para a Revista Questão de Ciência

Por Jean Pierre Schatzmann Peron, biólogo, para a Revista Questão de Ciência*
Atualizado em 12 fev 2021, 14h10 - Publicado em 22 fev 2019, 16h52
o que e homeopatia e para que serve câncer
Segundo um biólogo, os remédios homeopáticos não têm qualquer função contra o câncer (Foto: Dulla/SAÚDE é Vital)
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Um grupo brasileiro alega preparar imunomoduladores – isto é, remédios capazes de estimular o sistema imune – homeopáticos que teriam “…ação potencializadora das defesas orgânicas e promovem o fortalecimento da imunidade de forma natural e suave, sem apresentar contraindicações, elevando a qualidade de vida do paciente que está sendo submetido à radioterapia, quimioterapia, entre outros”. Se não se tratasse de pessoas em situação tão fragilizada, debilitante e triste, eu até bateria palmas para a iniciativa. Mas, em se tratando de câncer, sinto-me na obrigação, não só de esclarecer o que diz a melhor ciência, mas de apontar minha indignação.

E deixo a dica: quando alguém afirma que algo não tem contraindicação, desconfie!

Vários ensaios clínicos já foram realizados, pelo menos desde 1835, comprovando que a homeopatia é ineficiente – para qualquer coisa. Alguns estudos apontam efeitos positivos, mas carecem de rigor científico ou validade. Quando se busca avaliar todas as tentativas de comprovar cientificamente a eficácia da homeopatia, a tendência predominante é: quanto melhor a qualidade do estudo realizado, mais negativa a conclusão.

Nos trabalhos que almejam dar sustentação à prática, não se veem descrição de mecanismos celulares ou moleculares, efeito farmacológico, entre muitos outros critérios esperados na análise séria de candidatos a medicamento.

Se a homeopatia exerce algum efeito placebo, ou se afeta o equilíbrio hormonal, isso ainda não foi comprovado. Vale mencionar que a maioria das doenças tratadas com homeopatia tem caráter crônico e com ataques sazonais, como asma e rinite, ou de causas mais complexas, como enxaqueca e depressão. Ou seja, quando os sinais e sintomas naturalmente se dissipam, característicos dessas doenças, é a homeopatia que leva o crédito.

Mas rinite e lombalgia, tudo bem. E quanto às doenças mais graves? Bom, nos meus 18 anos de imunologia, nunca vi ninguém ser curado de tuberculose, Chagas, aids, esclerose múltipla ou câncer após tratamento homeopático. Não, não vi!

Até sou a favor do uso da homeopatia, pois sou a favor da LIBERDADE do indivíduo. Liberdade essa de escolher o que lhe apraz, lhe faz bem, ou que acalenta seu sofrimento. Porém, não há liberdade sem conhecimento. O que não pode acontecer é a oferta de terapias alternativas com o objetivo de tirar proveito do sofrimento alheio.

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O tratamento do câncer

Que o câncer é uma doença grave, responsável por números significativos de mortes todo ano, no Brasil e no mundo, todo mundo sabe. Que o câncer é resultado de mutações genéticas que culminam, geralmente, num descontrole da proliferação celular, também é fato de domínio público.

O que ainda se discute bastante, porém, é qual a resposta imune antitumoral mais adequada e como manipulá-la de forma a potencializar seus efeitos, levando a uma melhora significativa na qualidade (e expectativa) de vida dos pacientes . Como células tumorais advém de nossos próprios tecidos e órgãos, é mais difícil para o sistema imune, acostumado a enfrentar organismos invasores, como vírus ou bactérias, combatê-las de forma eficaz.

Neste contexto, imunoterapias eficazes contra o câncer fazem parte de uma busca incessante da vida de cientistas, muitas vezes, com pouco êxito. Às vezes, porém, aparece uma luz no fim do túnel.

Ganhadores do Prêmio Nobel de Medicina de 2018, os cientistas James P. Allison e Tasuko Honjo, descobriram uma forma de melhorar a resposta imune em pacientes com câncer. Utilizando anticorpos monoclonais – proteínas que bloqueiam a ação de moléculas que desligam o sistema imune, presentes nas células tumorais – os pesquisadores conseguiram potencializar os elementos-chave da resposta imune antitumoral, melhorando a expectativa de vida de milhares de pessoas ao redor do mundo.

Anos de dedicação e comprometimento, recompensados da melhor forma possível: melhorar a vida das pessoas. Essa é a imunoterapia moderna.

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Princípios homeopáticos

A homeopatia não foi a primeira forma de medicina alternativa ou holística. Hipócrates já dizia: “É melhor conhecer a pessoa que tem a doença do que a doença que a pessoa tem”.

Ou seja, Hipócrates, na sua grande humildade, rara nos dias hoje, já sabia que as doenças são processos complexos e distintos, e que as mesmas podem ter etiologias diversas. Só com uma boa anamnese é que se poderá chegar perto de uma resposta.

Talvez aí Hanehmann, o pai da homeopatia, tenha até acertado: nela, as consultas são demoradas, e visam ter uma visão mais ampla da vida do paciente e de seus hábitos. Todavia, os acertos acabam aí.

Mas quem é Hahnemann? Samuel Hahnemann nasceu em 1755 em Meissen, na Alemanha. Graduou-se médico em 1779 e, nos seus primeiros anos de medicina, enfrentou grandes dificuldades financeiras. Mas morreu num abastado castelo, muitos anos depois de publicar seu trabalho seminal “O Organon da Arte de Curar”. No que se baseia a homeopatia?

Hahnemann, por algum motivo, passou a acreditar que compostos que causam sintomas semelhantes ao de algumas doenças poderiam curar essas doenças. Ou seja, se você tem asma, seria possível que algum composto que causasse falta de ar pudesse trazer a cura. A tão famosa CURA PELO IGUAL. Estranho, não?

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Bom, não para por aí. Hahnemann também “percebeu”, talvez por medo de causar alguma intoxicação “antihomeopática”, que os compostos deveriam ser altamente diluídos e, posteriormente, agitados, num processo chamado de” sucussões hahnemaneanas”. E quanto mais diluído, melhor!

Originalmente, as soluções deviam ser agitadas manualmente pelo preparador, para que a “energia” fosse transferida do preparador para a solução, potencializando sua função. Mas pasmem: hoje o processo é feito de forma mecânica. Pois é!

O sistema imune e os “imunomoduladores”

O sistema imune, complexo, dinâmico, é composto por uma séria de células e tecidos, cuja função é não só o combate às doenças, mas também o reparo dos tecidos e a manutenção do equilíbrio interno do organismo. O sistema imune contempla aquelas células que você lê no exame de sangue: neutrófilos, monócitos, linfócitos… elas são essenciais para a vida do ser humano, e ainda mais importantes no combate ao câncer.

O fato é que, mesmo na Medicina tradicional, há pouquíssimos medicamentos que, de fato, conseguem estimular a resposta imune. Se o fazem, é de forma ampla e inespecífica, ou seja, promovendo vários segmentos da resposta imune, que chamamos de imunidade inata ou adaptativa, que têm funções um tanto distintas em nosso organismo.

Além disso, seguindo a premissa de Hahnemann da cura pelo igual, do que consistiria um imunomodulador homeopático? Uma diluição extrema de um extrato dos carcinógenos do tabaco ou de umas gotas de HPV diluído milhões e milhões de vezes? Difícil.

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O fato é que prezo pela liberdade e, assim, repito: não há liberdade sem informação! Logo, considero um papel importantíssimo o do cientista, como eu, de alertar a população dos riscos das pseudociências, das elucubrações metafísicas ou da crendice abstrata. Não há comprovação de que a homeopatia possa melhorar a resposta imune de alguém e, assim, combater o câncer de fato. Não há evidências de que a homeopatia cure qualquer coisa.

E, se a homeopatia for mesmo irmã gêmea do placebo, troque-a por outra coisa e escolha você mesmo: um chocolate, um bom vinho, um passeio no parque, um abraço de quem você ama ou uma sinfonia de Beethoven.

Só não se deixe levar por afirmações infundadas, dados questionáveis, resultados sucussionados ou curas diluídas. Mas, se mesmo sabendo de tudo isso, a homeopatia lhe fizer bem, use-a. Talvez seja esse seu placebo: essa é a LIBERDADE de escolha.

*Autor do texto, Jean Pierre Schatzmann Peron é pesquisador do Laboratório de Interações Neuroimunes do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo.

Esse artigo foi escrito originalmente para a Revista Questão de Ciência. 

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