Invasões bárbaras: crescem problemas com pragas como escorpiões, ratos e mosquitos
O perigo não está só lá fora, Pode estar dentro de casa. Situações tendem a se tornar mais corriqueiras com as mudanças ambientais. Saiba como se defender
A arquiteta Michele Carvalho estava lavando a louça quando, no dia 2 de novembro de 2024, ouviu um grito. Era Arthur, seu filho de 3 anos, que tinha acabado de ser picado por um escorpião. O bicho estava escondido nas galochas que ele usava para brincar em casa.
A mãe correu com o garoto para o Hospital de Jaguariúna, no interior paulista. De lá, seguiram, de ambulância, para o Hospital das Clínicas de Campinas. Arthur recebeu o soro, mas morreu na manhã seguinte depois de sofrer sete paradas cardíacas.
Uma tragédia! E, infelizmente, seu caso não foi isolado. Só ano passado, 133 pessoas morreram de envenenamento por escorpião no Brasil.
“Embora não transmitam doenças, como mosquitos e carrapatos, eles representam um risco à saúde porque sua peçonha é altamente tóxica”, alerta Eliane Arantes, professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP). Um risco crescente, diga-se.
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Em quase dez anos, o Brasil registrou 1,1 milhão de ataques de escorpião — um aumento de mais de 250%. E a previsão é que, até 2033, esse número ultrapasse a casa dos 2 milhões.
Só em 2025, o país já registrou, segundo levantamento do Ministério da Saúde, 99 mil casos de ataques de escorpião, seguidos dos de aranha (24,7 mil), abelha (18,2 mil) e serpente (17 mil).
Mas o que está por trás disso? Os cientistas atribuem o fenômeno a três “As”: oferta de água, alimento e abrigo. De uns tempos para cá, um quarto “A” foi acrescentado à lista, o aquecimento global.
“Sim, as mudanças climáticas podem contribuir para a proliferação de escorpiões nas grandes cidades, porque eles se desenvolvem melhor em ambientes quentes”, explica a biomédica Manuela Pucca, professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp). E esses invasores não estão sozinhos.
Nesta reportagem, você vai ler sobre:
- Acidentes com escorpiões têm aumentado no país; saiba como prevenir
- Como driblar mosquitos e se proteger contra várias doenças
- O que são animais sinantrópicos?
- Como manter ratos afastados de casa e evitar problemas
- Doenças transmitidas por pombos podem prejudicar imunocomprometidos
- Os desafios no controle de doenças propagadas por pragas urbanas
- Carrapatos: no Brasil, preocupa a febre maculosa
- Praticamente 100% letal, a raiva é a doença mais grave associada aos morcegos

O escorpião-amarelo é a espécie mais preocupante para os cientistas brasileiros
Acidentes com escorpiões têm aumentado no país; saiba como prevenir
Das mais de 1,5 mil espécies conhecidas, a que mais preocupa os cientistas brasileiros é a Tityus serrulatus (escorpião-amarelo). A fêmea não precisa do macho para se reproduzir — quando nascem os filhotes, são de 15 a 20 por ninhada — e o bicho pode sobreviver até 400 dias sem comida.
De hábitos noturnos, o escorpião não tem predadores naturais (como sapos, corujas e gaviões) nos centros urbanos. E também se aproveita das mudanças climáticas para prosperar nesses ambientes. Em caso de picada, o conselho é lavar o local com água e sabão e procurar atendimento médico imediato, de preferência em hospitais que tenham o soro contra a peçonha.
“Não faça torniquete, nem corte, perfure ou sugue o local da picada, tampouco aplique substâncias caseiras, como pó de café, nem utilize gelo em excesso. Em vez de aliviar, isso pode agravar”, orienta a bióloga Camila Lorenz, pós-doutora pela USP.
Como medidas preventivas, mantenha os quintais limpos, vede frestas e use telas em ralos e pias — muitos escorpiões acessam as casas dessa forma. Por fim, é prudente examinar calçados antes de usá-los se houver suspeita de bichos à solta.
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Como driblar mosquitos e se proteger contra várias doenças
O algoz em termos de saúde pública por aqui é o Aedes aegypti — mais especificamente, a fêmea, que voa sem emitir zumbidos e pode picar várias pessoas num mesmo dia. É esse inseto que transmite a dengue e outras viroses da pesada.
“A dengue possui quatro sorotipos. Ou seja, o mesmo indivíduo pode ser infectado até quatro vezes”, alerta Ilaydiany Oliveira da Silva, professora de ciência da informação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Se bobear, um monte de coisas na nossa casa pode acumular água e virar criadouro para o mosquito, inclusive caixas-d’água e piscinas sem tratamento. Os ovos são invisíveis e resistentes, podendo sobreviver até um ano sem água. E a temperatura na faixa dos 25ºC é a ideal para eles se desenvolverem.
O Brasil bateu recordes no número de pessoas com dengue recentemente, e, com o aquecimento global, nós e o resto do mundo deveríamos ficar mais preocupados. Para controlar o vetor, é preciso eliminar os criadouros. Medidas como uso de repelentes e telas na casa ajudam a blindar-se das picadas — e alguns grupos podem se beneficiar da vacina contra a dengue.
“Em caso de suspeita, evite a automedicação, pois remédios como anti-inflamatórios podem aumentar o risco de sangramento”, diz Silva.
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O que são animais sinantrópicos?
O escorpião é considerado um animal peçonhento porque, a exemplo de aranhas, abelhas e serpentes, pode injetar peçonha (veneno) em suas presas através de mordida, picada ou ferrão. Mas há outro tipo de bicho que pode se tornar tão perigoso ao homem: o animal sinantrópico.
De origem grega, o termo nasceu da fusão de syn (“junto”) com anthro (“humano”). Traduzindo: sinantrópico é toda espécie silvestre, de inseto a mamífero, que convive com o homem, sem o consentimento dele, em ambiente urbano. Se parasse por aí, tudo bem… O problema é que esses bichos podem propagar moléstias.
A lista é longa e inclui ratos, pombos e morcegos. Talvez nenhum seja mais terrível para os brasileiros ultimamente como os… mosquitos.
“Eles transmitem ao menos cinco doenças que podem levar à morte ou causar sequelas irreversíveis: malária, dengue, febre amarela, Zika e chikungunya”, avisa André Gama, especialista em controle de pragas urbanas e autor do livro Animais Sinantrópicos – O Perigo Habita em Nossas Casas (clique para comprar*).
Em apenas um ano, o número de mortes no Brasil por dengue, uma das enfermidades disseminadas pelo Aedes aegypti, saltou de 1 179 em 2023 para 6 068 em 2024. Um aumento de 414,6%! Tal montante, aliás, supera o total dos oito anos anteriores.
Os fatores que explicam o aumento na população de mosquitos vetores dessas infecções são praticamente os mesmos dos escorpiões: urbanização desordenada, acúmulo de lixo e mudanças climáticas.
“Com temperaturas altas e chuvas irregulares, o ambiente urbano se transformou em um paraíso para o mosquito”, ironiza o infectologista Leonardo Weissmann, do Instituto Emílio Ribas, em São Paulo. “Em ambientes quentes e úmidos, esses insetos se reproduzem mais rapidamente.”
Se, em condições normais, o mosquito levava, em média, nove dias para evoluir até o estágio adulto, no clima quente essa média caiu para cinco dias. Em outras palavras: aumentou o número de gerações de mosquitos por ano!
Pensa que acabou? Com o aquecimento global, certas espécies estão migrando de regiões tropicais para áreas que, até pouco tempo atrás, eram consideradas frias — da Região Sul do Brasil a Europa e América do Norte. Mas não são apenas os mosquitos que dispersam doenças para o homem.
Outros bichos sinantrópicos podem aprontar também. Caso de rato, pombo, morcego e carrapato, transmissores de males como leptospirose, criptococose, raiva e febre maculosa, e hoje rotulados de “pragas urbanas”. O termo é antropocêntrico e controverso, mas reflete uma das questões mais difíceis de gerenciar — hoje e no futuro.
Como manter ratos afastados de casa e evitar problemas
De hábitos noturnos, eles têm mil e uma habilidades: sabem nadar, escalar, saltar e até se equilibrar em fios. Contaminam o lugar onde vivem com urina, fezes e pelos.
Podem ter até 12 ninhadas por ano e, onívoros, comem tudo o que sobra dos homens: de restos de hortaliças a carnes. Também roem tudo que encontram pela frente — embalagens, roupas, cabos elétricos…
E um estudo americano revela que as populações de ratos vêm se expandindo em grandes cidades na esteira do aquecimento climático. Entre as doenças que transmitem, as mais graves são a leptospirose e a peste bubônica.
“A taxa de letalidade da leptospirose pode chegar a 50%”, calcula o infectologista Rodrigo Angerami.
Quanto às propostas para manter esses bichos em seu devido lugar, as principais abrangem dar um fim definitivo a tudo que pode servir de alimento ou abrigo para os ratos: acondicionar o lixo dentro de sacos plásticos ou latas com tampas, colocá-los na rua na hora em que o coletor passa para recolher e não jogar rejeitos a céu aberto ou em terreno baldio.
Outras ações preventivas para adotar em casa são: vedar frestas para impedir a entrada deles no interior da residência, colocar telas em ralos, encanamentos e outros orifícios, e vistoriar a limpeza de sótãos e garagens. Se houver infestação, empresas habilitadas podem ser contratadas para uma desratização.
Doenças transmitidas por pombos podem prejudicar imunocomprometidos
Nas áreas urbanas, constroem seus ninhos em locais altos, como prédios, torres e campanários. Grãos e sementes fazem parte de seu cardápio habitual. Mas, em espaços públicos, como praças, parques e jardins, se alimentam de restos de comida.
Nas cidades, onde não têm predadores naturais, podem viver de três a cinco anos — e um casal de pombos, pasme, pode ter de cinco a seis ninhadas em um ciclo de 365 dias.
Esses pássaros são hospedeiros de parasitas como fungos e bactérias, causadores de doenças como a criptococose, conhecida como “doença do pombo”, a histoplasmose e a toxoplasmose, entre outras tantas, transmitidas por meio da inalação de suas fezes ressecadas.
“Pessoas com o sistema imunológico comprometido podem desenvolver as formas mais graves dessas doenças”, alerta o infectologista Flávio Telles.
Outra via de transmissão é a ingestão de alimentos contaminados com seus excrementos. Ácaros de pombos também podem provocar dermatites e alergias em contato com a pele.
Para prevenir os danos, a recomendação número 1 é conter a superpopulação de pombos — serviço que, claro, também depende dos órgãos públicos. Ao fazer a limpeza de locais sujos com fezes, convém umedecer a área com desinfetante antes de varrê-las e utilizar máscaras e luvas.
Os desafios no controle de doenças propagadas por pragas urbanas
Roedores, como os ratos, que tendem a se proliferar ainda mais pelas metrópoles com o aquecimento global e eventos climáticos extremos, são conhecidos por propagar doenças graves como a leptospirose. No ano passado, o Brasil contabilizou mais de 3,7 mil casos. Desses, 1 313 foram no Rio Grande do Sul, atingido por enchentes. Ao todo, o país registrou 346 óbitos.
Outro roedor que, inadvertidamente, se envolve em tramas golpistas contra os seres humanos é a capivara. Nesse caso, o imbróglio é que, com a destruição de seu habitat, ela migra para as cidades. E leva, em meio aos seus pelos, os carrapatos que propagam a febre maculosa — um mal por trás de 381 vítimas brasileiras, 56 delas fatais, em 2024.
“Em caso de suspeita, o paciente deve procurar atendimento e relatar não apenas os sintomas, como febre alta e dor de cabeça, mas também as situações de risco, como presença em áreas de mato ou perto de rios”, orienta o infectologista Rodrigo Angerami, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Se, por um lado, existem empresas para controlar ou exterminar animais sinantrópicos como ratos, por outro existem aqueles protegidos por leis, como os pombos. Uma delas pune maus-tratos a esses pássaros como crime ambiental.
A questão é que eles se infiltraram nos centros urbanos e estão ligados à transmissão de mais de 20 doenças, a mais grave delas a criptococose, letal em 30% dos casos de diagnóstico tardio.
“Quanto mais água, alimento e abrigo estiverem disponíveis, mais pombo vai haver”, resume o infectologista Flávio Telles, da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Não por acaso, várias cidades tomam medidas de contenção, sem incorrer em ataques às aves. Em Helsinque, na Finlândia, turistas são desencorajados a dar comida aos pombos. Em Londres, cidade onde um prefeito cunhou a expressão “ratos com asas”, monumentos são eletrificados para afugentar os visitantes indesejados.
Os especialistas ponderam que a solução contra esses invasores não está numa caça às pragas. Os morcegos, também associados a zoonoses, nos ajudam a entender o porquê.
“Eles têm importante papel ecológico, como o de se alimentar de insetos que podem prejudicar a agricultura”, diz o biólogo Ricardo Moratelli, doutor em zoologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Roberto Novaes, seu colega na UFRJ, concorda. “Sem morcegos, teríamos menos florestas e mais doenças por aí”, afirma o biólogo. Isso não quer dizer que devemos interagir com espécimes escondidos em telhados — a cautela sempre é bem-vinda. “Qualquer mamífero pode hospedar patógenos. O importante é aprender a conviver com eles e a natureza”, defende Moratelli.
Isso mesmo: cada um no seu canto.
Carrapatos: no Brasil, preocupa a febre maculosa
Sua família é enorme. Alguns membros moram no exterior. Lá fora, a doença de Lyme, provocada por uma bactéria que pega carona no bicho, já atingiu astros da música pop como Justin Bieber e Avril Lavigne.
Outros perigos vivem no Brasil. Por aqui, carrapatos transmitem a febre maculosa. Uma das razões de sua propagação é o desmatamento do Cerrado e da Mata Atlântica. Ao contrário dos mosquitos, eles não voam, mas viajam grudados em capivaras, cavalos etc. Uma das estratégias de prevenção é evitar lugares onde abundam capivaras, seu principal hospedeiro.
A febre maculosa é rara, mas tem alta letalidade — em casos não tratados a tempo, pode chegar a 80%. Embora seja de notificação compulsória, ainda é pouco conhecida pelos médicos. Muitos confundem seus sintomas, como febre alta e dor no corpo, com os da dengue. Só desconfiam quando o paciente relata sua ida a áreas de risco, como haras, fazendas ou acampamentos.
Diagnosticada a doença, o tratamento é feito à base de antibióticos. Das 65 espécies de carrapatos existentes no Brasil, a principal transmissora da bactéria da febre maculosa é a Amblyomma sculptum (carrapato-estrela).
Em humanos, o aracnídeo — sim, ele é um aracnídeo, como o escorpião — não deve ser esmagado, mas removido com uma pinça. Depois, o local deve ser lavado com água, sabão e álcool.
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Praticamente letal, a raiva é a doença mais grave associada aos morcegos
Eles são o único mamífero que voa. No lugar dos braços, têm asas. De hábito noturno, comem insetos que prejudicam as lavouras e espalham sementes e frutos. Não são todas as espécies (ao todo, são mais de mil) que se alimentam de sangue. Algumas vivem à base de frutos (frugívoras), outras de néctar das flores (nectarívoras), mas a maioria curte insetos (insetívoras).
Todas elas podem adquirir e transmitir doenças para o homem. A mais grave delas é a raiva, cujo contágio se dá pela mordida de morcegos infectados. “É letal em praticamente 100% dos casos”, conta o biólogo Roberto Novaes.
Outra doença é a histoplasmose, transmitida pela inalação dos fungos presentes em suas fezes. Eles costumam se abrigar, entre outros lugares, no tronco das árvores, no interior de cavernas e no porão das casas.
À noite, saem de seus abrigos para se alimentar. Voam e se comunicam através de sons de altíssima frequência. Praticamente cegos, emitem ultrassons que, ao localizarem um obstáculo pelo caminho, funcionam como um radar na escuridão. Caso encontre um morcego, vivo ou morto, a orientação é uma só: não toque no animal.
Independentemente de seu hábito alimentar, os morcegos, se atacados, podem morder. E, se estiverem contaminados, podem transmitir zoonoses. Em caso de mordida, procure um posto de saúde.
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