Nova vacina “universal” contra câncer feita com RNA avança em estudos
Testes iniciais com animais mostram que tecnologia semelhante à do imunizante contra a covid-19 pode ajudar o sistema imune a atacar tumores

Um estudo recém-publicado aponta um caminho promissor para desenvolver uma vacina “universal” contra diferentes tipo de câncer usando RNA mensageiro, mesma tecnologia empregada contra a covid-19.
O trabalho, publicado na Nature Biomedical Engineering, apresenta uma fórmula capaz de estimular o próprio sistema imunológico a combater os tumores e potencializar os resultados da imunoterapia, estratégia em ascenção no tratamento da doença.
Em ratos, ela foi capaz de melhorar a eficácia da imunoterapia e até de eliminar tumores resistentes. O resultado foi considerado animador e uma prova de conceito de que vacinas do tipo podem representar uma nova esperança contra o câncer.
Já existem outras vacinas terapêuticas em estudo, mas, em geral, elas são feitas de maneira personalizada, a partir da amostra do próprio tumor do paciente, ou com antígenos (proteínas) que costumam ser encontradas em tumores específicos, como mama ou próstata.
“O diferencial desse produto é não usar uma proteína específica de um tipo de câncer, mas sim uma que aumenta a capacidade do sistema imune de reconhecer tumores em geral”, explica o oncologista Denis Jardim, do grupo Oncoclínicas.
Vale ressaltar que o trabalho é preliminar. Os resultados não podem ser extrapolados para seres humanos até que se façam pesquisas clínicas. “Nosso sistema imune tem muitas variáveis complexas que não conseguem ser reproduzidas de uma maneira perfeita nos ratos”, comenta Jardim.
Jardim lembra que, a cada 100 produtos farmacêuticos que são testados nesta etapa mais inicial, menos de 1 se torna tratamento de fato.
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Como a vacina universal funciona?
Hoje, a imunoterapia com inibidores de checkpoint, a utilizada neste estudo, já é empregada em mais de 30 tumores, em alguns casos com muito sucesso, chegando à remissão do câncer, mas nem todos os pacientes respondem a ela. “A impressão é que essa vacina poderia elevar as chances de respostas para mais pacientes”, aponta Jardim.
Ela funciona tirando um “freio” do sistema imune, que é a PD-L1, proteína que fica na superfície das células tumorais. Com a inibição dessa proteína, o tumor se torna visível ao sistema imunológico.
Ocorre que nem todos os tumores expressam a PD-L1. “Essa nova fórmula faz com que o tumor passe a ter a PD-L1, que é o alvo do medicamento”, explica o oncologista.
A promissora tecnologia do RNA mensageiro
O RNA mensageiro é uma molécula que faz parte do nosso código genético. Sua função é traduzir as instruções presentes no DNA, no núcleo da célula, para a fabricação de diferentes proteínas nas próprias células.
O truque da ciência, que já rendeu um prêmio Nobel à cientista capaz de viabilizar a “mágica”, é apresentar um RNA sintético para que as células produzam outras proteínas. No caso das vacinas contra doenças infecciosas, a ordem é para produzir um antígeno (uma “parte” do vírus) e apresentá-la ao sistema imune para que ele aprenda a reconhecer o patógeno caso tenha contato com ele.
O RNA tem uma vida curta e não é capaz de entrar no núcleo das células, por isso sua manipulação tem sido alvo de grande interesse da ciência.