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Os números não mentem: entenda a matemática das vacinas

Elas são a invenção médica que mais salvou vidas na história da humanidade e nossa única esperança para vencer a pandemia. Mas correm perigo

Por Chloé Pinheiro
Atualizado em 23 abr 2021, 12h41 - Publicado em 16 abr 2021, 14h06
Vacinas, eficácia e segurança
As vacinas salvam milhões de vidas todos os anos, mas estão sob ameaça de uma crise de confiança. (Ilustrações: André Moscatelli/SAÚDE é Vital)
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Nos anos 1970, uma epidemia de meningite assolou o Brasil. A doença, transmitida por uma bactéria, foi se espalhando à medida que era negada pelas autoridades, e gerou um saldo de mortes até hoje desconhecido. Como tudo aconteceu durante a ditadura militar, os números não eram divulgados. Alguns levantamentos falam em 2 500 óbitos em São Paulo na pior fase do surto, em 1974, dado provavelmente subestimado. Sabe-se, porém, que os efeitos da infecção eram nefastos. “Uma pessoa que contrai meningite pode estar saudável e, poucas horas depois, lutando pela vida. A mortalidade é de 10 a 20%, e um em cada cinco sobreviventes terá sequelas, como surdez ou amputação de membros”, resume o pediatra Leonard Friedland, vice-presidente e diretor de Negócios Científicos e de Saúde Pública da GSK, uma das fabricantes de vacinas contra a doença. Hoje são vários tipos, mas, à época, não havia nenhum sendo utilizado em larga escala no mundo.

Três anos após os primeiros surtos nas periferias paulistanas, o governo reconheceu a gravidade da meningite e bancou a busca por vacinas. Seria a prova de fogo do recém-criado Programa Nacional de Imunizações (PNI). Já era um pouco tarde, pois o pior tinha passado, mas a experiência pioneira deu o tom do que se tornaria o PNI, a maior iniciativa de vacinação pública do mundo e referência unânime no assunto. Uma parceria com um pequeno laboratório francês resultou na importação rápida de 80 milhões de doses e a imunização foi feita em tempo recorde. A cidade de São Paulo chegou a aplicar 10 milhões de injeções em quatro dias.

Quase meio século depois do projeto piloto, as conquistas do programa mudaram a vida do brasileiro. “O primeiro grande marco é a erradicação da poliomielite em 1994”, lembra a epidemiologista Carla Domingues, que dirigiu o PNI entre 2011 e 2019, período em que o país recebeu o título de livre da rubéola e do sarampo. “Eram doenças que infectavam mais de 100 mil pessoas ao ano e foram controladas”, conta. Assim, a mortalidade infantil despencou. Se, na década de 1970, mais de 100 crianças faleciam nos primeiros cinco anos de vida a cada mil que nasciam no país, hoje o número está perto de dez.

Só que podemos dizer que a estratégia está sendo vítima de seu próprio sucesso. Ora, ela se expandiu, agora abrange quase 20 doses apenas para crianças pequenas (fora as outras faixas etárias), que devem ser tomadas no tempo certo. Preencher a carteirinha é grátis, mas não é tão simples, pois os postos de saúde só funcionam em horário comercial e há episódios de desabastecimento. Ou seja, é preciso certo engajamento da população, algo mais difícil de conseguir quando as ameaças não parecem tão próximas assim. Tanto que, desde 2019, a cobertura das principais vacinas infantis está abaixo da meta.

Cobertura vacinais e incidência de doenças Brasil 2021 1980
(Ilustrações: André Moscatelli/SAÚDE é Vital)

“Os próprios profissionais de saúde que acompanham as famílias não cobram com tanto rigor, porque muitos deles também não viram essas doenças”, analisa o infectologista pediátrico Renato Kfouri, da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). Com a pandemia, a situação se agravou, em parte devido ao medo de ir ao posto, mas não só. O interesse em torno da vacina da Covid-19 tem se revelado uma faca de dois gumes. Muitas fake news sobre o tema começaram a circular, atreladas a uma politização. A hesitação vacinal, que nunca foi pauta no Brasil, começa a aparecer como uma das explicações para as quedas inéditas na cobertura.

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A dúvida lançada pelos boatos ocupa o vácuo deixado pelo sumiço da propaganda. “De uns anos para cá, não vemos mais a intensa comunicação de antigamente”, aponta o pediatra Juarez Cunha, presidente da SBIm. O fato de acompanharmos pela primeira vez os bastidores da criação e produção das doses também confunde. Antes, elas sempre estiveram presentes na nossa rotina, como água encanada, e não exigiam grandes reflexões. “A pessoa que está hesitante agora recebe uma informação equivocada e pode acreditar naquilo”, lamenta o médico.

Por outro lado, as filas nos drive-thrus e postos de saúde mostram que a procura existe. E, aí, a pandemia pode ter também outro efeito. “Estamos esperançosos pelas vacinas e vendo a falta que elas fazem”, diz Kfouri. Só que, enquanto ansiamos pelos imunizantes contra o coronavírus, outros males evitáveis estão de volta, como o sarampo. E ainda outros, só controlados com picadas ou gotinhas, seguem à espreita. Se muita gente estiver com a caderneta atrasada na volta ao “normal”, a bomba pode explodir.

situação epidemiológica com casos de sarampo, poliomielite, coqueluche e difteria no Brasil e no mundo
(Ilustrações: André Moscatelli/SAÚDE é Vital)

A campanha da vacina da gripe começou

Gráfico cobertura vacina da gripe e motivos para tomar a vacina
(Ilustrações: André Moscatelli/SAÚDE é Vital)
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A vacina da gripe é um dos exemplos de vacinas aplicadas em adultos e, especialmente, nos mais velhos. Seu público alvo é bem parecido com o da dose contra a Covid-19, e as campanhas ocorrerão simultaneamente em 2021. Os médicos são categóricos em dizer que as doses contra o coronavírus são a nossa única esperança de vencer a pandemia.

Para que as vacinas de fato cumpram tal façanha, contudo, precisam chegar ao braço do maior número de pessoas. Segurança e eficácia das doses já foram comprovadas na vida real, mas elas ainda são vítimas de boatos. Entre dezembro de 2020 e março de 2021, 130 milhões de pessoas completaram seus esquemas vacinais no mundo e nenhuma morte foi comprovadamente relacionada às vacinas.

Coágulos estão sob investigação e, até o momento, a única reação grave de fato relacionada a alguma vacina foi a anafilaxia, um episódio alérgico raro e reversível. Nos Estados Unidos, o CDC calcula entre 2 e 5 anafilaxias, a reação mais grave, por milhão de pessoas que recebem as doses. Para ter ideia, se o mesmo milhão de pessoas contraísse Covid-19, ao menos 17 mil morreriam.

As principais reações adversas das vacinas

Reações adversas vacinas

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Efeitos colaterais mais graves ocorrem em menos de 0,1% dos vacinados — geralmente, a incidência é ainda menor que isso, fica na casa do 0,001%. São as reações anafiláticas graves, que já mencionamos, devido a alergia a algum componente da fórmula (na maioria dos casos em indivíduos com histórico do problema), além de outros, que variam conforme a dose em questão.

Mas e aquela história de que alguém morreu depois de tomar a vacina? Pode até ter sido depois da injeção, mas não por causa dela. Como centenas de milhões de pessoas estão sendo vacinadas de uma vez, é natural que algumas delas morram, por qualquer razão.

De todo modo, interromper o uso para dirimir suspeitas que comprometam a segurança da fórmula empregada é um procedimento padrão e eficaz.

Entenda o conceito de imunidade de rebanho

Como ocorre a imunidade de rebanho
(Ilustrações: André Moscatelli/SAÚDE é Vital)
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A hesitação vacinal no Brasil

Este nunca foi um tópico muito preocupante por aqui. Mas a cobertura baixíssima, em especial em alguns públicos, como gestantes e adolescentes, mostra que, mesmo que não estejam desacreditadas, as vacinas passam ao menos por uma crise de popularidade no país.

As fake news sobre o assunto, que aumentaram na pandemia, só atrapalham. Resta saber qual será o impacto futuro disso. E advogar em prol da estratégia para garantir que ela siga salvando milhões de vidas todos os anos.

Hesitação vacinal no Brasil termômetro
(Ilustrações: André Moscatelli/SAÚDE é Vital)

 

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