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Outro olhar para o câncer de mama

Pesquisa elucida os pontos de atenção na jornada das brasileiras que enfrentam a doença — e sob a perspectiva das próprias mulheres

Por Goretti Tenorio (texto), André Moscatelli (design e infográfico)
Atualizado em 6 set 2023, 18h24 - Publicado em 23 ago 2023, 16h34
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Pesquisa revela desconhecimentos e desafios no enfrentamento aos tumores femininos mais comuns no Brasil (Foto: Freepik/SAÚDE é Vital)
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Ninguém melhor que a paciente para expor e descrever os desafios evidentes e ocultos que permeiam o tratamento de uma doença.

De acordo com essa premissa, VEJA SAÚDE realizou, com o apoio da Roche e a participação da Femama e do Instituto Oncoguia, um estudo para entender os principais gargalos nos cuidados desde a detecção até o combate ao principal tipo de tumor diagnosticado em mulheres no país (quando se excluem os casos de lesão maligna na pele).

Feita por meio de questionários online, a pesquisa Um Olhar sobre o Câncer de Mama no Brasil contou com 1 237 respondentes que encaram ou encararam a doença.

E apresenta um panorama robusto sobre as lacunas na assistência e as repercussões do tratamento para quem vivencia o problema, mesmo com os avanços da medicina.

A voz das pacientes

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(André Moscatelli/SAÚDE é Vital)

De saída, um dado sobressai: um terço das mulheres ouvidas não costumava fazer mamografia, principal exame para rastreamento do tumor, na rotina, sendo que quase 20% relataram que nunca sequer ela havia sido solicitada.

Um buraco que ameaça um dos preceitos básicos para um tratamento mais assertivo e curativo, o diagnóstico precoce. “Isso é preocupante inclusive em termos de saúde pública se levarmos em conta que uma em cada oito mulheres terá câncer de mama”, analisa a oncologista Marina Sahade, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.

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Outro achado despertou a atenção de Luciana Holtz, presidente do Oncoguia: um quarto das pacientes foi diagnosticado com menos de 40 anos. Soma-se a isso o fato de que quase 40% da amostra não teve nenhum sintoma perceptível.

“Por isso é importante alertá-las sobre a necessidade de buscar avaliação médica e ter em mente que só fazer o autoexame e não sentir nada não afasta o risco”, diz Marina. Especialmente se houver história da enfermidade na família, o acompanhamento deve começar mais cedo.

+ Leia também: Do sintoma ao exame: como diagnosticar mais rápido o câncer de mama

Mesmo ciente do diagnóstico, um terço das entrevistadas não sabe qual seu subtipo de tumor, informação que auxilia no entendimento do prognóstico e é obtida por meio de teste imuno-histoquímico. “Ele fornece elementos importantes para a escolha de terapias específicas, melhorando as chances de sucesso e a qualidade de vida das pacientes”, observa Clarissa Medeiros, gerente médica da Roche Farma Brasil.

Ocorre que nem sempre o exame é acessível pelo país, com frequentes relatos na demora para conseguir a análise e os resultados. “O ideal seria que ele fosse realizado junto com a biópsia para não atrasar o início do tratamento”, argumenta Marina. “É fundamental que a paciente conheça seu tipo de tumor e saiba com o médico tudo que pode ser feito naquele contexto.”

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Clique para ampliar (André Moscatelli/SAÚDE é Vital)

Da descoberta ao início do tratamento

Rapidez no diagnóstico e agilidade para iniciar o tratamento são pontos-chave na vitória sobre a doença. E, tendo essa meta em mente, a sondagem aponta uma desigualdade entre as pacientes que usam a rede pública e a privada.

Dentro do grupo que tem acesso a convênios, 88% começaram a se tratar até 60 dias após a confirmação da doença — que é, aliás, o prazo máximo estabelecido por lei.

Entre as que dependem do SUS, no entanto, quase 30% tiveram que esperar além desse tempo, demora que chegou a se estender por mais de seis meses em alguns casos.

Vencida essa barreira, as mulheres deparam com a complexidade de toda uma jornada de tratamento, na maior parte das vezes composta de pelo menos três tipos de abordagem (cirurgia, quimio, radioterapia…).

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Não por acaso, 71% apontam dificuldades com o uso de medicamentos, com destaque para os efeitos colaterais – tópico mencionado por 57% delas. “Mas, com a paciente envolvida nas decisões, informando suas queixas, é possível ajustar doses ou mudar medicações, de forma a tornar o tratamento mais tolerável”, observa a mastologista Maira Caleffi, presidente da Femama.

“A tendência hoje é poder minimizar os problemas com uma medicina personalizada e a participação de uma equipe multidisciplinar, com nutricionista, psicólogo e demais profissionais voltados a cuidar de cada situação desencadeada no decorrer do processo”, diz a médica do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre.

+ Leia também: A navegação na jornada de tratamento do câncer de mama

Só que, como mostra a pesquisa, sobretudo quem depende do SUS tende a sofrer para ter esse suporte ideal, capaz de minimizar eventos adversos e facilitar o plano terapêutico.

Um exemplo: entre as mulheres que precisam submeter-se a químio por infusão, costuma ser uma chateação ter de refazer o acesso à veia toda vez que se realiza a aplicação do medicamento. Mas hoje existe um dispositivo chamado port-a-catch.

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Ele é implantado sob a pele e permanece até o fim do tratamento sem a necessidade de picadas recorrentes. Contudo, só 10% das mulheres atendidas no SUS tiveram a possibilidade de utilizá-lo.

A boa notícia é que, aos poucos, novos medicamentos têm surgido e chegado às pacientes, podendo fazer a diferença em tipos e estágios distintos do câncer, oferecendo menos toxicidade e levando a uma menor necessidade de ter de combinar vários fármacos.

Veja o caso do câncer de mama HER2-positivo, versão prevalente normalmente combatida com quimioterapia associada a terapia-alvo. “Em estudo recente, viu-se que, em um terço das pacientes, a doença foi controlada apenas com terapia-alvo, abrindo a perspectiva de evitar algo desgastante e com a mesma chance de cura”, comenta Marina.

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Clique para ampliar (André Moscatelli/SAÚDE é Vital)
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Apesar de inúmeros obstáculos, a pesquisa captou sentimentos positivos ao longo da trajetória frente à doença.

Se o início está associado à palavra “medo” (citada por quase 60%), com o decorrer do tratamento ganham força expressões como “fé”, “vontade de vencer” e “confiança”.

A maioria, diga-se, afirma cuidar da espiritualidade e classifica esse pilar como muito significativo para o equilíbrio emocional. Até porque não são poucas as barreiras elencadas pelas participantes quando perguntadas sobre o impacto do tratamento em diferentes aspectos da vida.

Impactos do câncer no dia a dia

No quesito mobilidade, por exemplo, três em cada dez relatam demorar pelo menos duas horas nas idas e vindas aos centros de saúde. Uma parcela expressiva de quem usa o SUS precisa inclusive viajar para outra cidade para poder se tratar.

Embora a maioria use carro próprio, táxi ou aplicativo, pelo menos 18% de toda a amostra pega ônibus e 10% recorrem ao transporte da prefeitura. “O tempo de espera pelo atendimento depois de chegar ao hospital também pesa. São horas às vezes sem comer, tornando o dia ainda mais exaustivo”, nota Marina.

Não é de estranhar que 35% afirmem que gostariam de dedicar menos tempo ao tratamento, considerando deslocamento e aplicação. Além disso, 77% afirmam que o tempo gasto afeta diretamente sua qualidade de vida em diferentes níveis.

Falta de informação e de acolhimento são outros desafios mapeados.

Para muitas, não há clareza no detalhamento sobre a doença em consultório, levando 89% delas a buscar respostas no Google ou em sites de saúde.

Sem contar que um tema como a importância de ter uma rede de apoio foi abordado só por 24% dos profissionais — e a indicação de associações de pacientes, feita apenas por 15%. “Costumo dizer que essas organizações deveriam entrar nas prescrições médicas, ocupar um espaço quase como se fosse um membro da equipe multidisciplinar”, pontua Luciana Holtz. “Por meio delas as pacientes obtêm informações que vão além das questões hospitalares, como direitos, relações no trabalho e impactos financeiros”, ressalta.

Esse último aspecto, destacado pela líder do Oncoguia, saltou aos olhos no estudo: para 44%, a doença comprometeu a renda familiar.

Mais de 30% tiveram que parar de trabalhar por determinado período, e, entre usuárias do SUS, 28% não conseguiram retomar a carreira. “O ponto central da pesquisa é que ela mostra a necessidade de considerarmos não só o diagnóstico e as terapias em si se quisermos melhorar a realidade de quem trata o câncer de mama no Brasil. É preciso analisar e achar respostas para todas as dificuldades envolvidas”, conclui Luciana.

A hora certa do rastreio

Detectar o câncer no início aumenta (e muito!) a chance de cura, o que só reforça a importância de flagrar alterações por meio de exames quanto antes.

Pelas recomendações do Ministério da Saúde, a mamografia deve ser bianual a partir dos 50 anos.

Sociedades médicas do país, entretanto, orientam a checagem antes. “Mesmo a mulher assintomática e sem história familiar de câncer tem que começar a fazer mamografia aos 40 anos”, afirma a oncologista Marina Sahade.

Entre as mais jovens — para as quais o exame ainda não é indicado, porque a mama é mais densa e fica difícil enxergar anormalidades —, a avaliação individualizada não deve deixar de ser feita. “Se for o caso, pode-se solicitar ultrassom e até ressonância”, diz a médica.

Conhecer para tratar

Uma vez identificado o nódulo, a mamografia é complementada por biópsia para checar se o material contém células malignas. “E ela tem que ser acompanhada de uma análise imuno-histoquímica, que identifica o subtipo do tumor”, observa Marina.

Também são necessárias avaliações por imagem para saber a extensão do câncer. Tudo isso compõe o chamado estadiamento.

Na era de terapias cada vez mais personalizadas, testes moleculares focados no tumor permitem refinar a decisão do que será usado — químio, terapia-alvo, hormonio-terapia… “Os exames ajudam a ver se a pessoa responde a determinada abordagem e se há benefício em introduzir uma droga específica”, resume a oncologista.

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