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Tudo pode mudar no diabete gestacional

A discussão sobre critérios mais rigorosos para diagnosticar o distúrbio está fervendo. Veja como isso deve atingir as futuras mamães

Por Thaís Manarini
Atualizado em 26 out 2016, 10h40 - Publicado em 1 Maio 2015, 15h48
Thinkstock / Getty Images
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A barriga cresce, dormir é irresistível, há enjoos, a vontade de urinar aumenta… A gravidez mexe bastante com o corpo da mulher. Mas algumas alterações, dessas que podem abalar a saúde dela e a do bebê, são pra lá de silenciosas. É o caso da resistência à insulina. Esse quadro é natural entre as gestantes porque a placenta, pela qual o feto é alimentado, produz substâncias que atrapalham a ação do hormônio – cuja tarefa é permitir que a glicose entre nas células, rendendo-lhes energia. Com a falha, o açúcar fica perambulando pelo corpo da mulher e está armado o palco para o diabete gestacional.

Infelizmente, a condição é um tanto comum. Atualmente, estima-se que acometa 7% das grávidas brasileiras. Mas, e aí começa o bafafá, esse número poderá saltar para cerca de 18%. Isso porque algumas sociedades médicas estão defendendo critérios mais rígidos para flagrar o distúrbio. Ou seja, muita mulher que não preencheria os requisitos para o diabete gestacional poderá, logo mais, sair do consultório com esse diagnóstico.

A adoção de medidas mais rigorosas passou a ser discutida depois da publicação de um estudo conhecido como Hapo, em 2010. Nele, 25 505 voluntárias de 15 centros hospitalares realizaram o teste de intolerância oral à glicose, exame que detecta o problema, entre a 24ª e a 28ª semana de gestação. “O trabalho provou que níveis de glicemia levemente mais altos que os normais já geram complicações”, conta o endocrinologista Carlos Antonio Negrato, diretor do Departamento de Diabetes Gestacional da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD).

Esses achados motivaram a formação da Associação Internacional de Grupos de Estudo de Diabetes e Gravidez. O intuito era estabelecer novos critérios de identificação do quadro para serem usados no mundo todo. Ficou acordado, por exemplo, que, se o teste de glicemia em jejum for igual ou superior a 92 mg/dl, é sinal de diabete na gestação. Antes, admitia-se o valor igual ou maior que 95 mg/dl. “Caiu pouco. Mas esses 3 mg/dl já fazem uma baita diferença”, afirma Negrato. Entre os problemas típicos da condição estão hipertensão na mãe, necessidade de cesárea, desenvolvimento exagerado do feto (por absorver muito açúcar, ele nasce com mais de 4 quilos) e parto prematuro. E esses são só os perrengues imediatos.

Há possibilidade de repercussões sérias lá na frente também. “Pesquisas apontam que, oito anos após o parto, mais de 60% das mulheres que tiveram diabete gestacional acabam desenvolvendo a doença pra valer”, diz o endocrinologista Airton Golbert, também da SBD. E, na carona do diabetetipo 2, vem o risco aumentado de enfrentar doenças cardiovasculares. Sem falar nos perigos para o filho, que não se restringem à hora do parto. “Mesmo que a criança herde um gene do bem, o ambiente intrauterino no diabete gestacional pode impedir que ele funcione mais tarde”, informa o endocrinologista Carlos Eduardo Barra Couri, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Isso ajuda a explicar por que esses bebês têm grande probabilidade de se tornarem obesos e diabéticos no futuro.

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Diante disso, um teste mais rígido, que identifica uma quantidade maior de grávidas que precisam de acompanhamento especializado, seria bem-vindo por todos, certo? Não é bem assim. Ainda há controvérsia. Apesar daquela tentativa de estabelecer um critério único de diagnóstico, o que se vê hoje é uma verdadeira bagunça. Enquanto muitas entidades médicas acataram os valores mais recentes – algo recomendado pela Organização Mundial da Saúde -, outras seguem com os parâmetros antigos, mais frouxos.

No Brasil, por exemplo, tanto a Sociedade Brasileira de Diabetes como a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia decidiram apertar as rédeas. Porém, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) ainda está reticente quanto à mudança. “Com os novos critérios, subiria demais a incidência de diabete gestacional. Só que o sistema público de saúde não tem condições de atender tanta gente”, declara a ginecologista Rosiane Mattar, presidente da Comissão de Gestação de Alto Risco da Febrasgo. Ela conta que seria necessário recrutar muitos nutricionistas, educadores físicos e fisioterapeutas, pois esse diagnóstico mais rigoroso flagraria grávidas com um diabete brando, capaz de ser revertido com dieta e exercícios. “E, antes de darmos esse passo, precisamos ter a certeza de que o tratamento de um quadro leve realmente beneficiará a mãe e o filho”, completa.

Para os defensores dos novos padrões, o estudo Hapo não deixa dúvidas nesse sentido. “Ficou claro que níveis glicêmicos antes considerados inócuos já ameaçam a gestante e o feto”, reforça Couri. Agora, que os custos com exames e acompanhamento aumentariam bastante, todos concordam. “Mas não dá para deixar de tratar porque ficou caro. É uma situação de risco”, crava Negrato. Mais: a expectativa é que o gasto inicial mais volumoso acabe gerando economia depois. “Isso porque a tendência é diminuir o número de pessoas com obesidade, diabete e hipertensão no futuro”, explica a endocrinologista Lenita Zajdenverg, responsável pelo Serviço de Diabetes e Gravidez da Maternidade Escola da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

No Hospital Clínico San Carlos, em Madri, na Espanha, o retorno nem demorou tanto. Depois de experimentar cada critério – o antigo e o novo – ao longo de um ano, os médicos notaram uma economia de aproximadamente 14 mil euros a cada 100 gestantes diagnosticadas com base no estudo Hapo. Afinal, a ocorrência de complicações, que também geram gastos, caiu significativamente antes e depois do parto. É óbvio que estamos falando de realidades díspares: o Brasil não é a Espanha. Mas a mulher, em qualquer canto do planeta, deveria ter seu bebê nas condições mais seguras possíveis.

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