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Leandro Karnal: “Estar sem ninguém não significa solidão”

Em "O Dilema do Porco-Espinho", o historiador Leandro Karnal reflete sobre a solidão, condição que atinge uma a cada quatro pessoas e pode afetar a saúde

Por André Bernardo
Atualizado em 14 nov 2019, 17h56 - Publicado em 4 dez 2018, 15h48
livro do leandro karnal sobre solidao
Leandro Karnal se inspirou em uma história do filósofo Schopenhauer para seu mais novo livro. (Foto: R. Trumpauskas/Divulgação)
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Um caso curioso sobre solidão: o filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860) tinha 16 anos quando, em julho de 1804, participou de uma expedição de montanhismo. Ao chegar ao topo do Monte Schneekoppe, na fronteira entre a Polônia e a República Tcheca, avistou porcos-espinhos tentando se aquecer do frio. Para se manterem quentinhos, os simpáticos roedores procuravam aconchego uns nos outros. Mas, assim que se aproximavam demais, feriam-se com seus pelos pontiagudos e, após um grunhido de dor, saíam de perto uns dos outros.

A imagem nunca mais saiu da cabeça de Schopenhauer. Tanto que, em 1851, chegou a descrevê-la no seu último livro, Parerga e Paralipomena. E, passados mais 167 anos, a cena serviu de inspiração para o livro de Leandro Karnal, O Dilema do Porco-Espinho – Como Encarar a Solidão (clique para comprar)*.

“Somos uma espécie de porco-espinho”, filosofa o doutor em História Cultural pela Universidade de São Paulo. “Quando solitários, somos livres, porém passamos frio. A dois ou em grupo, as diferenças causam dores. Teríamos de achar uma distância segura, que trouxesse o calor e evitasse o ataque”, arremata.

Ao longo das 189 páginas do livro, Karnal especula se a resposta para o dilema de Schopenhauer não estaria no mundo virtual, explica que a solidão sempre foi vista com desconfiança (“O pior castigo da penitenciária é a solitária!”) e faz um alerta: solidão, em excesso, pode matar.

Por outro lado, na dose certa, a solitude – o nome que Karnal dá ao lado bom da solidão – é produtiva e essencial. “De todos os antídotos contra a solidão, a leitura é um dos mais criativos”, recomenda. Confira abaixo uma entrevista com esse famoso pensador brasileiro, hoje professor da Universidade Estadual de Campinas, no interior paulista.

Mas, antes disso, o que aconteceu com Arthur Schopenhauer, aquele filósofo que inspirou o novo livro de Karnal? Ele nunca se casou. Viveu solitário em Frankfurt, dos 25 aos 72 anos, em companhia de seus inseparáveis cachorros.

Entrevista com Leandro Karnal sobre solidão e o livro O Dilema do Porco-Espinho

SAÚDE: Alguns médicos dizem que a “solidão é o novo cigarro”. Você concorda?

Leandro Karnal: Todo comportamento repetitivo tem o poder de gerar dependência pela natureza do nosso cérebro. A solidão é um desafio porque apresenta dor e, ao mesmo tempo, empurra meu sofrimento para uma zona de conforto.

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Sozinho, eu sofro, porém não sou desafiado por ninguém. Temos de entender esse ponto contraditório sobre estar sozinho. O prazer pode sempre ser um pouco maior do que a angústia e sou seduzido pela dor menor: estar sozinho.

A exemplo do Reino Unido, o Brasil precisa de um Ministério da Solidão? Por quê?

Nunca! Isso significaria mais verba e mais funcionários, e menos ação real. O Estado deve atuar em educação, estrutura de saneamento, defesa e saúde em geral.

Solidão pode ser um problema de saúde, sim, mas a solução não está em mais um ministério. O Estado deve incentivar campanhas e ações, treinamento de profissionais e ações como lazer público. Nunca, jamais, criar um ministério.

Quando a solidão se transforma em problema de saúde?

Sempre há uma fronteira delicada entre tristeza e depressão, solidão e o desespero do isolamento. Por vezes, apenas o profissional da área de saúde pode determinar o limite. Um sintoma para nós, leigos: quero sair de um estado de solidão ou depressivo, e não consigo. Se for o caso, soa o alarme de que é hora de buscar ajuda.

Um indivíduo pode se sentir solitário mesmo estando acompanhado?

Quase sempre a solidão mais aguda ocorre em grupo ou em família. Solidão não tem relação com número de pessoas, todavia com conexão entre elas. Estar sem ninguém não significa solidão e estar acompanhado não significa companhia.

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Existe solidão na China com 1,4 bilhão de pessoas e há solidão em um casamento de 35 anos lado a lado. O que faz com que eu me sinta sozinho é sempre minha conexão com o mundo ou as pessoas no mundo. Solidão é a mesma em um estádio lotado ou em casa sábado à noite.

Crianças e adolescentes estão imunes à solidão?

Pelo contrário. Preocupados com o que o mundo pensa deles, inseguros com sua imagem, são particularmente expostos aos riscos da solidão aguda. Por motivos bioquímicos, sociais e neurológicos, há uma tendência a um maior isolamento na terceira idade, mas isso não é regra, pois depende do tipo de vida e de interesses da pessoa mais velha.

O jovem também sofre riscos porque é hábil em atividades sociais e pouco elaborado para transformar a sociabilidade em contato real. Sair muito, encontrar 5 mil contatos virtuais, fotografar sem parar e ficar com o controle remoto na mão em casa sem ver nada de fato pode ser uma forma sofisticada de estar desesperadamente sozinho, usando o analgésico das redes sociais que apenas mascara a doença da alma.

Como combater a solidão que adoece e traz sequelas físicas e mentais?

Dois caminhos distintos. Como sentimento generalizado e incômodo, solidão pode ser combatida com medidas concretas. Nos casos tradicionais, basta uma decisão de reatar laços, aprofundar relações, criar hábitos de conexão consigo e com o mundo. Solidão vira, assim, solitude, capacidade criativa de administrar nosso necessário isolamento eventual.

Porém, muito importante: há pessoas deprimidas, que não conseguem dar tal passo, como se estivessem com uma fraqueza orgânica. Então, mais uma vez, é hora de buscar ajuda de um profissional. Solidão pode matar!

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A solidão tem um lado bom, saudável e produtivo? Qual seria?

Eu identifiquei antes e uso muito no livro o termo “solitude”. Sempre volto ao mesmo ponto: solidão não é estar sozinho e companhia não é estar acompanhado. Estou sozinho lendo, tomando um chá ou bebendo um vinho, o mundo parece interessante e meu cérebro viaja com certo prazer nas páginas de um livro ou em um filme bom. Fico feliz, sorrio ou choro emocionado, termino a experiência melhor. Isso é solitude, saudável e desejável.

Em outro cenário, estou com pessoas ou não e me sinto incapaz de um contato real. Isolado, fico angustiado e minhas sombras me tomam e cresce minha angústia com efeitos até físicos, como insônia e taquicardia. Reforço com medo e certo desespero: posso estar diante do fantasma agudo da solidão e preciso refletir se posso sair dele por minha decisão ou com auxílio.

Por vezes, o quadro é tão agudo que a decisão de um profissional deve ser das pessoas que me amam, porque não consigo a clareza e a força de vontade para dar tal passo. Na maioria absoluta dos casos tradicionais de solidão, ótimos amigos, relações orgânicas e permissões de bons hábitos são antídotos suficientes.

Assim, quando não se trata de doença psíquica, solidão é uma escolha. Se há cura? Há. Basta sair dela…

 

*A Editora Abril tem uma parceria com a Amazon, em que recebe uma porcentagem das vendas feitas por meio de seus sites. Isso não altera, de forma alguma, a avaliação realizada pela SAÚDE sobre os produtos ou serviços em questão, os quais os preços e estoque referem-se ao momento da publicação deste conteúdo.

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