As vitaminas se tornaram um sinônimo de vida longa e saudável. De fato, esses micronutrientes são responsáveis por uma série de processos essenciais ao organismo: atuam na provisão de energia, colaboram com o sistema imunológico, mantêm a integridade óssea e muscular, reparam os tecidos, dentre outros.
Sem vitaminas em níveis adequados, ninguém para em pé por muito tempo. Mas, no afã por uma panaceia, que se desdobrou em interesses comerciais, as coisas acabaram um tanto deturpadas — e se esqueceram de que a dose faz diferença nessa história, para cima ou para baixo.
Projetados no século 20 e ainda mais exaltados nestes tempos pós-pandêmicos, esses micronutrientes viraram atrativo em cápsulas, alimentos fortificados e produtos de skincare.
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Nesse contexto, milhões de brasileiros passaram a suplementar vitaminas, com ou sem orientação profissional. Quem toma a decisão sozinho costuma argumentar: “Se não fizer bem, mal não faz”. Será mesmo? Infelizmente, a ciência discorda.
“Ingerir algo de que você não precisa pode gerar um mal silencioso com prejuízos lá na frente”, alerta a nutricionista Daniela Seixas, doutora em bioquímica pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
“Suplementos não são inócuos. É necessário entender as condições de saúde e as necessidades de cada um antes de indicá-los”, frisa.
Os cidadãos, contudo, não levam ao pé da letra esse conselho. Em 2020, na esteira da Covid-19, houve um aumento de quase 50% no consumo da categoria. Hoje, em dois a cada três lares, existem pessoas tomando cápsulas e afins.
O boom de vendas na pandemia ficou com a vitamina D, substância em falta no corpo de muita gente mesmo sendo naturalmente produzida via exposição solar. Mas partir para a reposição por conta própria pode colocar o corpo em maus lençóis.
“A oferta de altas doses de vitamina D é tóxica para o organismo. Aumenta a predisposição a cálculos renais, calcificação de tecidos moles e endurecimento das artérias”, avisa o nutrólogo Helio Vannucchi, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP).
Ainda assim, atualmente esse mercado só cresce: nunca se viu tanto brasileiro mascando gomas, ingerindo cápsulas e gotinhas ou até indo a clínicas para receber um soro vitaminado.
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O maior receio dos especialistas diante desse fenômeno é o que chamam de hipervitaminose — uma espécie de overdose por consumo crônico elevado desses micronutrientes. O que faz bem pode, em concentrações exageradas, provocar o mal.
E esse é um problema criado pelo homem. Sim, o corpo humano depende de vitaminas adquiridas do meio externo, mas falamos em miligramas ou microgramas, não mais que isso.
Em geral, ao mesclar fontes vegetais e animais na alimentação, dificilmente haverá carência ou sobrecarga. Claro, um cardápio desequilibrado e mesmo algumas doenças abrem as portas para desvios nesse padrão.
Mas, a partir do momento em que passamos a encapsular e vender vitaminas, errar a mão pelo excesso se tornou uma tendência mais frequente e preocupante.
O resultado dos abusos é visto até no hospital, com médicos atendendo pacientes com intoxicação ou comprometimento de órgãos por taxas de vitaminas na lua.
“Estudos ligam vitamina E em excesso ao aumento do risco de AVC hemorrágico; já o suplemento de betacaroteno, precursor da vitamina A, está ligado a maior propensão a alguns tipos de câncer”, aponta a nutricionista Annie Bello, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Pois é, o ditado “A diferença entre remédio e veneno está na dose” também se aplica às vitaminas.
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VITAMINA A
Alimentos ricos:
Animais: fígado, gema de ovo, produtos lácteos; vegetais: frutas e hortaliças amarelo- -alaranjadas (como cenoura e abóbora).
Atuação:
Está envolvida com a saúde ocular, a manutenção da pele e das mucosas, a imunidade e a reprodução.
Ingestão ideal (IDR): 600 µg/dia
Limite máximo (UL): 3 000 µg/dia (ou 3 mg/dia)
Problemas pelo excesso:
Acredite: a vitamina A é uma das mais fortes e tóxicas em altas doses. Tanto que alguns derivados, como o retinol e a isotretinoína, são considerados medicamentos com diversas contraindicações.
Assim como esses dois, o suplemento de vitamina A em grande quantidade ou mal indicado pode levar a prejuízos no fígado e na pele, além de ser teratogênico, ou seja, oferecer risco de malformação aos fetos — atenção, gestantes!
Isso não acontece quando ingerimos betacaroteno natural, o precursor da vitamina abundante em vegetais alaranjados e uma grande fonte do nutriente na natureza.
No entanto, o suplemento de betacaroteno isolado e o de vitamina A já formada (como cápsulas de óleo de fígado de bacalhau) devem ser ingeridos sob indicação e dosados às necessidades individuais.
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COMPLEXO B
Alimentos ricos:
Depende do tipo da vitamina (são oito), mas, em geral: carne, leite, ovos, peixes, cogumelos, cereais, frutas e hortaliças verde-escuras.
Atuação:
São diversas, começando pela liberação de energia, passando pela vitalidade de pele e cabelos, até o equilíbrio dos sistemas imunológico e nervoso.
IDR: B1: 1,2 mg; B2: 1,3 mg; B3: 16 mg; B5: 5 mg; B6: 1,3 mg; B7: 30 µg; B9: 240 µg; B12: 2,4 µg/dia
Máximo: B3: 35 mg; B6: 100 mg; B9: 1 000 µg/dia
Problemas pelo excesso:
Para as vitaminas B1, B2, B5, B7 e B9 ainda não foram determinados limites máximos devido a toxicidade — o risco aparentemente é menor.
Agora, não dá para vacilar com a B3 (niacina), a B6 (piridoxina) e a B9 (ácido fólico).
Em excesso, a primeira está associada a má digestão, aumento de enzimas hepáticas e leves elevações de ácido úrico e até glicemia, podendo gerar desarranjos metabólicos. A segunda, em altas doses, pode atrapalhar a digestão e danificar os nervos, gerando neuropatias.
O abuso no ácido fólico — vitamina crucial na gravidez, diga-se — perturba a própria atuação do nutriente no corpo: doses lá em cima atrapalham a ação do folato, a forma ativa e útil da substância. Por incrível que pareça, esse é um caso em que a sobrecarga pode gerar, sem querer, deficiência.
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VITAMINA C
Alimentos ricos:
Frutas avermelhadas (acerola, mamão, goiaba morango) e cítricas (limão, lima e laranja). Repolho, pimentão, brócolis, alface etc.
Atuação:
É antioxidante, facilita a absorção de ferro e participa da formação das proteínas colágeno e cartinina, assim como de alguns hormônios.
Ingestão ideal (IDR): 45 mg/dia
Limite máximo (UL): 2 000 mg/dia
Problemas pelo excesso:
A vitamina C, assim como as do complexo B, é hidrossolúvel, ou seja, dissolve-se em água. Esse é o solvente mais abundante do nosso corpo, por isso ela dificilmente se acumula no organismo de forma natural.
Mas, devido à suplementação sem critério, pode haver, sim, um depósito potencialmente tóxico.
Estudos demonstram que há um limite para a absorção do ácido ascórbico: mesmo se você ingerir 2 000 mg (uma pastilha efervescente), irá aproveitar no máximo 15% disso. O resto sai pela urina.
Isolada, a vitamina C não cura gripe e resfriado e, se perder a noção de quanto vem tomando, há possíveis encrencas à vista: pedras nos rins, diarreia, interferência no uso do ferro pelo corpo e piora na resposta fisiológica aos exercícios físicos.
No geral, os vegetais já fornecem uma excelente cota diária do nutriente.
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VITAMINA D
Alimentos ricos:
A maioria é de origem animal: gema de ovo, fígado, atum, sardinha, salmão, queijo… Cogumelo shiitake também é uma fonte.
Atuação:
No corpo vira um hormônio importante para a regulação dos níveis de cálcio e fosfato e na mineralização dos ossos e tecidos.
Ingestão ideal (IDR): 5 µg/dia
Limite máximo (UL): 100 µg/dia
Problemas pelo excesso:
Altas doses utilizadas com frequência elevam o nível de cálcio no sangue e propiciam reações colaterais sérias, como fraqueza muscular, lesão renal e confusão mental.
Cuidado com as promessas sem embasamento difundidas em torno da vitamina: há quem prescreva superdosagem para tratar diabetes, Parkinson e doenças autoimunes. Mas não é bem assim.
Existem estudos associando níveis otimizados no sangue com menor incidência de problemas autoimunes, mas há muitos outros fatores envolvidos na história e não se trata de uma relação de causa e efeito. Tampouco altas doses previnem Covid-19 e outras moléstias infecciosas.
O ideal é se expor um pouco ao sol todo dia para produzir vitamina D e checar com o médico, que solicitará exames, a real necessidade da suplementação e qual a dose adequada.
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VITAMINA E
Alimentos ricos:
Animais: fígado e gema de ovo. Vegetais: óleos (girassol, soja, oliva), oleaginosas (amêndoas, avelã), folhas como brócolis, couve-flor e repolho.
Atuação:
Um potente antioxidante, resguarda as membranas celulares e o DNA dos radicais livres. Na medida, protege as artérias.
Ingestão ideal (IDR): 10 mg/dia
Limite máximo (UL): 1 000 mg/dia
Problemas pelo excesso:
Não é à toa que ingerimos antioxidantes em doses baixas: a sobrecarga pode gerar o efeito inverso, estimulando ainda mais o chamado estresse oxidativo. Aí, em vez de blindarem o corpo, eles só jogam lenha na fogueira.
“Existem estudos mostrando que a ingestão de altas doses de vitamina E está associada a aumento da mortalidade por todas as causas”, diz o médico Helio Vannucchi.
Nos alimentos, esse micronutriente se apresenta em moléculas com oito formas químicas, um pouquinho de cada uma atuando em sinergia. Mas, nos suplementos, geralmente só há uma delas, ou ainda uma versão sintética. Em resumo, não é a mesma coisa.
Pesquisas indicam que os exageros por meio de cápsulas podem ser tóxicos e, no longo prazo, aumentam a propensão a hemorragias e alguns tumores.
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VITAMINA K
Alimentos ricos:
Vegetais folhosos verde-escuros (brócolis, espinafre, couve…), óleos vegetais (canola, soja, oliva, milho) e manteiga.
Benefícios:
Exerce papel crítico para a coagulação sanguínea, evitando sangramentos, e ajuda a estimular a fixação de cálcio nos ossos.
Ingestão ideal (IDR): 65 µg/dia
Limite máximo: ND (valor não determinado)
Problemas pelo excesso?
Está inocentada por ora: ainda não há um limite cravado nem grandes estudos voltados à sua toxicidade.
“Até porque ela não é uma vitamina que se acumula muito no organismo e não se suplementa demais”, esclarece Daniela Seixas. “Mas, se surgir uma moda e começarem a ingerir megadoses, com certeza devem aparecer eventos adversos”, alerta.
E isso já pode ser visto em investigações em curso: uma revisão analisando a administração de vitamina K1 por via intravenosa mostrou que ela pode levar a espasmos no pulmão e até parada cardíaca.
Cabe salientar que as chamadas soroterapias (combo de vitaminas injetado pelo sangue em clínicas) não possuem comprovação de eficácia e segurança. A reposição de um componente específico na veia só deve ocorrer após exame médico atestando carência grave.