Desde o dia 2 de setembro, manchas gigantescas de petróleo se espalham pelo mar do Nordeste brasileiro. Até agora, de acordo com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), 150 localidades de nove estados foram atingidas pelas borras espessas do óleo, poluindo água, areia e comprometendo todo o ecossistema. Esse já é considerado o maior acidente ambiental em extensão do litoral do Brasil. E o contato com o petróleo bruto traz prejuízos não só ao meio ambiente, mas também à saúde.
As massas grudentas do óleo são tóxicas. Sua composição química é resultado de uma complexa combinação de hidrocarbonetos (como benzeno, tolueno e xileno), carbono, nitrogênio e outras substâncias. No entanto, ainda são poucas as pesquisas que avaliam os efeitos do contato humano com o produto.
A maior parte dos estudos sobre os prejuízos à saúde está relacionada ao que ocorreu às pessoas que foram expostas após o derramamento de óleo resultante da explosão na plataforma Deep Horizon, no Golfo do México, em 2010. “Uma das possíveis razões para o pequeno número de estudos sobre o assunto é que acidentes com extensos vazamentos, apesar de graves, não são comuns, principalmente no Brasil”, explica Helena Ribeiro, geógrafa e professora do Departamento de Saúde Ambiental da Universidade de São Paulo (USP).
A especialista é autora de uma revisão de trabalhos sobre o tema. Após a análise dos resultados, ela concluiu que as consequências da exposição são divididas naquelas de curto, médio e longo prazo, incluindo aí o impacto psicossocial do desastre ambiental.
“A curto prazo, o contato com o óleo pode causar irritação na pele e mucosas”, explica o toxicologista Álvaro Pulchinelli Júnior, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Os sintomas mais comuns são vermelhidão, coceira e ressecamento, que podem aparecer de seis horas a um dia após contato com as substâncias.
Nesse caso, a recomendação é lavar a pele com água e sabão neutro em abundância. Para os olhos, a indicação é o uso de soro fisiológico. Pessoas que estão trabalhando na limpeza de animais e de praias devem usar equipamentos de proteção, como luvas e roupas protetoras.
Outro impacto de curto prazo são complicações que surgem após a ingestão de peixes ou frutos do mar de áreas atingidas. A contaminação pode resultar em náuseas, vômitos e gastroenterite (inflamação no estômago e intestino).
Mariscos e ostras requerem atenção ainda mais especial. Eles filtram a água para se alimentar e, portanto, acumulam mais resíduos de petróleo do que os peixes.
“Evitar esses alimentos é sempre a melhor alternativa”, explica o toxicologista Álvaro Pulchinelli Júnior. “Não sabemos como cada pessoa reage aos componentes tóxicos. Se os incômodos persistirem, deve-se procurar um médico”, diz. O sabor alterado ou cheiro forte são bons indicativos de que o alimento não está bom para o consumo.
Efeitos de longo prazo
Entre os trabalhos realizados depois daquele acidente do Golfo do México está um, de 2014, publicado no The American Journal of Medicine, apontando o que pode acontecer algum tempo depois do contato com o petróleo. Os cientistas analisaram exames clínicos de 117 pessoas expostas ao óleo quatro anos antes e identificaram, nesses indivíduos, o aumento do risco de desenvolvimento de alterações no perfil hematológico e na função hepática, favorecendo a ocorrência de doenças como o câncer.
Em sua análise de estudos sobre o assunto, a brasileira Helena Ribeiro, da USP, verificou que o contato de forma prolongada pode causar danos genotóxicos (alterações no DNA) no caso de consumo de alimentos marinhos contaminados e também provocar problemas respiratórios e eventuais dificuldades reprodutivas.
Além disso, estresse crônico, ansiedade e depressão são alguns dos efeitos psicossociais relacionados a tragédias ambientais. Nesses casos, as doenças estão associadas à redução da atividade econômica. “Pescadores e outras pessoas que trabalham com o turismo ou atividades prejudicadas pelo derramamento do petróleo podem ter problemas de saúde mental”, afirma Helena Ribeiro.
O que fazer?
Mesmo após um mês da localização das primeiras manchas no litoral brasileiro sem solução do problema, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não divulgou recomendações de saúde à população e aos turistas que viajam para a região atingida. Procurada pela reportagem, a entidade afirmou, no entanto, que poderia fazer a análise de peixes e frutos do mar coletados por órgãos responsáveis. Informou ainda que “pelo desconhecimento de um cenário de contaminação” não tem orientações a passar para a população.
Com cerca de 20 mil ligações de todo o Brasil por mês para pedidos de esclarecimentos de emergência feitos por médicos e público em geral sobre o que fazer em casos de intoxicação, envenenamento e exposição à substâncias tóxicas, o Centro de Assistência Toxicológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (CEATOX) recebeu poucas chamadas para informações sobre o que fazer em caso de contato com o petróleo.
De acordo com Anthony Wong, coordenador médico do serviço, elas versaram sobre casos hipotéticos. “Não atendemos nenhum caso real”, contou. “A maioria tinha dúvida do que fazer se acontecesse o contato com o petróleo.” Entre as recomendações do serviço estão o não consumo inclusive de pescados de águas profundas ou de áreas mais afastadas da costa atingida. “É melhor evitar”, orienta Wong.
Este conteúdo foi produzido originalmente pela Agência Einstein.