Nutrição enteral é o nome que se dá a um tipo de tratamento destinado a indivíduos que não podem ou não conseguem se alimentar totalmente pela boca, a despeito de contarem com a integridade do aparelho digestivo. Assim, esses pacientes recebem a alimentação por meio de um tubo ou sonda flexível.
Essa via alternativa de alimentação pode ser introduzida pelo nariz e posicionada no estômago (a sonda nasogástrica) ou no intestino delgado (a sonda nasoentérica). Também pode ser acoplada direto no abdômen com uma punção ou pequeno corte e direcionada ao estômago (gastrostomia) ou ao intestino (jejunostomia). Por conta disso, os alimentos são administrados em forma líquida para fornecer todos os nutrientes de modo similar ao que se obteria pelo consumo de comida — tanto em qualidade como em quantidade. A nutrição enteral visa, portanto, oferecer tudo de que uma pessoa necessita diariamente: carboidratos, proteínas, gorduras, vitaminas, minerais e água.
O Ministério da Saúde define nutrição enteral como todo e qualquer “alimento para fins especiais, com ingestão controlada de nutrientes, na forma isolada ou combinada, de composição definida ou estimada, especialmente formulada e elaborada para uso por sondas ou via oral, industrializado ou não, utilizada exclusiva ou parcialmente para substituir ou complementar a alimentação oral em pacientes desnutridos ou não, conforme suas necessidades nutricionais, em regime hospitalar, ambulatorial ou domiciliar, visando à síntese ou manutenção dos tecidos, órgãos ou sistemas.”
Tal terapia é muito comum em hospitais, principalmente nas unidades de pacientes críticos ou que tenham passado por cirurgia, mas também é disponibilizada nas unidades clínicas. Hoje, muitos pacientes recebem alta do hospital e continuam com a nutrição enteral em casa. Essa opção tem a finalidade de proporcionar maior conforto e convívio familiar. Tudo para auxiliar na recuperação.
Não é raro, porém, que essas pessoas saiam do ambiente hospitalar apenas com a prescrição das fórmulas a serem adquiridas. Desse modo, os pacientes ou seus cuidadores carecem de orientações e acompanhamento para alcançar os excelentes resultados que esse tratamento pode proporcionar.
No Brasil, a Portaria 963 do Ministério da Saúde de maio de 2013 estabelece as diretrizes para a Atenção Domiciliar, representada pelo Programa Melhor em Casa, que se caracteriza por “ações de promoção à saúde, prevenção e tratamento de doença e reabilitação prestadas em domicilio, com a garantia de continuidade de cuidados e integrada às redes de atenção à saúde…” Em 2015, o Ministério lançou o Caderno de Atenção Domiciliar – Cuidados em Terapia Nutricional, que tem por finalidade qualificar as equipes de saúde bem como os cuidadores e pacientes quanto aos cuidados com a alimentação para prover atenção integral a saúde dos indivíduos em seu domicílio.
Fórmulas caseiras ou industrializadas?
A dieta usada na nutrição enteral pode ser industrializada ou não. As fórmulas de nutrição enteral que não são industrializadas são chamadas de artesanais, pois são aquelas preparadas manualmente pelo próprio paciente ou cuidador por meio da liquidificação de alimentos in natura. Entretanto, muitos são os problemas relacionados a esse preparo, tais como contaminações microbiológicas, falta de estabilidade, incerteza sobre a composição de nutrientes e sua absorção. As fórmulas de nutrição enteral industrializadas levam vantagem na medida em que apresentam estabilidade, composição nutricional e osmolaridade definidas e controle microbiológico. Isso permite que seu uso seja feito com maior segurança.
O manejo da dieta enteral em casa não é fácil, principalmente quando em uso de nutrição enteral artesanal e, por isso, o paciente ou cuidador pode acabar desistindo dessa terapia, agravando o quadro clínico e nutricional. É importante lembrar que quando a nutrição enteral está de acordo com as necessidades do paciente e atende aos critérios de segurança alimentar tende a ocorrer uma redução no risco de complicações, internações e mortalidade.
Embora existam fórmulas de nutrição enteral industrializadas há mais de 20 anos e seu uso nos países desenvolvidos seja comum, no Brasil tais produtos ainda possuem elevado custo, tornando-se inacessíveis à grande parte da população. O fornecimento da dieta enteral pode ser feito pela Secretaria da Saúde do Estado e dos Municípios, sendo necessário para isso o preenchimento de laudo para solicitação de fornecimento de nutrição enteral.
Contudo, não existem critérios que determinem a aprovação do fornecimento da dieta enteral para o paciente. Nesse contexto, a dieta enteral artesanal ainda é opção e é fundamental para o paciente que depende de sua utilização para manutenção ou recuperação do seu estado nutricional.
O preparo da dieta enteral industrializada/artesanal deve ser orientado próximo à alta do paciente para que a família/cuidador dê entrada com os laudos nas secretarias de saúde e tenha os equipamentos e alimentos necessários. É fundamental apoio logístico e técnico da instituição de saúde para os pacientes e cuidadores em uso de terapia nutricional enteral que recebem alta hospitalar. Existem panfletos e vídeos na internet que ajudam a entender isso na prática, mas o melhor é que a instituição de saúde forneça as instruções. No nosso serviço na Unesp, disponibilizamos um vídeo com o passo a passo da produção de dieta enteral:
Cuidados essenciais
A dieta enteral não termina com a escolha dos ingredientes e o preparo da dieta. Outros cuidados, como a conservação da fórmula, higiene dos frascos e dos equipamentos de administração, são indispensáveis. Além disso, deve-se ter atenção com a manutenção da sonda de modo a evitar a interrupção do tratamento, sofrimento e prejuízo na recuperação do paciente.
A água tem duplo papel na terapia de nutrição enteral. Além da hidratação, item de máxima atenção em idosos por sua propensão à desidratação, é responsável também pela permeabilidade da sonda, devendo ser administrada rigorosamente após a infusão da dieta ou de medicamentos, evitando, assim, sua obstrução.
Outro ponto de grande relevância é observar a troca frequente da fixação da sonda, mantendo-a limpa e segura. A medida reduz o risco de deslocamento do tubo, o que contribuiria para a infusão da dieta na traqueia e nos pulmões do paciente, podendo causar pneumonia e morte. Também com o objetivo de diminuir esse risco indica-se que o paciente receba sua dieta em posição sentada ou com a cabeceira da cama elevada entre 45 e 90º, buscando evitar o refluxo e a aspiração do alimento.
A manutenção ou recuperação do estado nutricional é fundamental para que o indivíduo reaja adequadamente às agressões de doenças, traumas e tratamentos. E a nutrição enteral constitui uma estratégia eficiente e segura nesse processo, principalmente se contar com o envolvimento e o compromisso do próprio paciente e de seus familiares e cuidadores.
* Dr. Sergio Alberto Rupp de Paiva é professor titular do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (SBAN)