O tratamento do câncer sempre deve considerar as dores do paciente
Uma especialista mostra como o cuidado integral com o paciente e a confiança no médico minimizam incômodos físicos e outras consequências da doença
Os progressos na oncologia que tivemos nas últimas décadas permitem que muitos casos de câncer avançado sejam tratados como uma doença crônica. Isso significa que mais pessoas estão convivendo bastante tempo com os tumores, o que reforça a necessidade de tratamentos contínuos que visam garantir, acima de tudo, qualidade de vida. E o controle da dor é parte central nesse processo.
As jornadas de tratamento variam entre os pacientes: elas podem ser rápidas ou virem às custas de efeitos colaterais indesejáveis, incluindo os incômodos físicos. Por isso é fundamental que todo tratamento de câncer, seja ele diagnosticado precocemente ou já em estágio metastático, contemple cuidados paralelos, que vão além de medicamento para controlar o câncer e exames.
Explicar o que é dor é muito diferente de senti-la. Dores raramente estão relacionadas a um único fator. Elas possuem componentes físicos, neuropáticos, psicológicos e até sociais. É uma sensação subjetiva e que, até por isso, às vezes recebe menos atenção do que deveria.
Que fique claro: a dor, não importa a causa ou a intensidade, sempre merece ser levada com seriedade.
Para eliminar ou minimizar os desconfortos físicos do paciente, também é necessário superar alguns tabus. Há uma enorme resistência no Brasil em relação ao uso de opioides, como a morfina, para contra-atacar dores moderadas e graves. Verdade que a utilização indiscriminada e mal indicada causa vício — e, por isso, não deve ser banalizada. Mas há milhares de pacientes que poderiam se beneficiar dos opioides e que acabam sofrendo sem necessidade por medo.
Precisamos reconhecer que dores leves devem ser tratadas com drogas mais leves, como analgésico simples, assim como dores graves exigem drogas mais fortes (sempre com acompanhamento médico). É necessário ainda integrar melhor os tratamentos oncológicos e os paliativos, dando visibilidade aos ganhos que cada terapia oferece em qualquer fase da doença, precoce ou avançada.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), “cuidado paliativo é uma abordagem que melhora a qualidade de vida do paciente e seus familiares, que enfrentam doenças que ameacem a vida. Previne e alivia o sofrimento por meio da identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e outros problemas físicos, psíquicos, sócio familiares e espirituais”.
Estudos bem feitos demonstram que pacientes com câncer que recebem cuidados paliativos precocemente apresentam alívio dos sintomas, melhora da qualidade de vida e aumento na sobrevida global. O Ministério da Saúde, entendendo a importância dessa estratégia terapêutica, publicou em novembro de 2018 uma resolução que normatiza os cuidados paliativos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
Uma relação de confiança entre médico e paciente, além do suporte emocional e espiritual, faz a diferença no tratamento dos pacientes. Em estágios avançados da doença, nos quais a cura já não é mais possível, dores emocionais podem surgir e influenciar decisões sobre seguir ou não com a quimioterapia, por exemplo.
As pessoas com câncer têm autonomia para determinar qual o melhor tratamento de acordo com sua rotina e prioridades pessoais ou profissionais. Mas, para isso, elas precisam ser bem orientadas sobre os benefícios em sobrevida e qualidade de vida e sobre os efeitos colaterais das opções disponíveis, sejam elas oncológicas ou paliativas. Não se trata de desistir da vida, mas sim de ajudar a viver melhor.
A Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (Sboc) reconhece a importância dessa integração e participa de atividades envolvendo os cuidados paliativos. A entidade inclusive é membro da Comissão de Medicina Paliativa da Associação Médica Brasileira (AMB).
*Dra. Aline Chaves é oncologista da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (Sboc)