Queda: a ameaça que afeta 1/3 dos idosos a cada ano
Parte dessas ocorrências resulta em fraturas e pode até levar à morte. Maior perigo está dentro de casa

A queda de idosos tem se tornado um grave problema de saúde pública, inclusive no Brasil, que vive um acelerado processo de envelhecimento.
Segundo dados do IBGE, a população 60+ mais que duplicou entre 2000 e 2023, passando de 15,2 milhões para 33 milhões. Se tomarmos como base os estudos que mostram que, a cada ano, 30% dos idosos sofrem pelo menos uma queda, teremos 9,9 milhões de ocorrências anualmente.
Parte desses acidentes não terá maior gravidade, mas cerca de 15% resultarão em fraturas, muitas das quais demandarão cirurgias. E é aí que reside o risco maior.
De acordo com o ortopedista Dr. Matheus Azi, gerente médico da Ortopedia do Hospital Ortopédico do Estado da Bahia (HOEB), que é gerido pelo Einstein, cirurgias para tratamento de algumas fraturas específicas, como as de quadril, estão associadas com uma mortalidade alta.
Não pela fratura ou o procedimento cirúrgico em si, mas pelas complicações que o paciente desenvolve ao longo da internação, em razão da saúde já fragilizada pela idade e muitas vezes com doenças que podem ter sido até a razão de sua queda. Entram na lista diabetes descompensado, infecção pulmonar ou um AVC, por exemplo.
Antigamente, procurava-se estabilizar o paciente antes da cirurgia ortopédica e não havia um senso de pressa para a sua realização. Hoje em dia, a abordagem que comprovadamente impacta positivamente na redução da mortalidade de idosos com fratura é a cirurgia precoce, idealmente em até 48 horas após a queda, e, no dia seguinte, iniciar a deambulação, ou seja, fazê-lo andar.
Isso reduz riscos de tromboembolismo, pneumonia, infecção urinária e escaras (úlceras por pressão na pele), entre outros.
Nem sempre isso é possível, principalmente no sistema público, onde há filas de espera em várias regiões.
Mas em algumas localidades o cenário começa a mudar. Na Bahia, por exemplo, a criação do HOEB e os processos implantados pelo Einstein permitiram reduzir em até 85% o tempo de espera por procedimentos ortopédicos.
Nos primeiros 11 meses de funcionamento desde sua inauguração em março de 2024, já foram realizadas no HOEB mais de 5 mil cirurgias, sendo que 40% dos pacientes atendidos eram idosos com fraturas resultantes de quedas.
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Por que os idosos caem?
Porque, à medida que envelhecemos, o organismo como um todo vai ficando mais fragilizado: visão, audição, capacidade de percepção do ambiente, perda de massa muscular e da capacidade neurológica.
Um escorregão pode não passar disso em um jovem, porque ele vai ter reflexos e reações rápidas; em um idoso, a demora na resposta pode levá-lo ao chão. Outro agravante é a osteoporose (perda da massa óssea), um mal que afeta principalmente as mulheres no pós-menopausa.
Nos homens, a ocorrência é bem menor e geralmente depois dos 80 anos. Diabetes, hipertensão e doenças crônicas sem controle também podem provocar tonturas e desequilíbrios que levam a quedas.
Como observa o Dr. Matheus, do ponto de vista médico, a forma de prevenir quedas em idosos é manter um acompanhamento regular para cuidar dessas condições de saúde, aderir ao tratamento necessário e não esquecer também uma avaliação periódica de visão e audição.
Além disso, são importantes boa alimentação e hidratação, sol nos horários adequados para ajudar na vitamina D e um mix de atividades físicas que permitam trabalhar flexibilidade, força e equilíbrio.
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Onde mora o perigo
Além desses cuidados, é preciso atenção ao ambiente onde estão os maiores riscos: o lar. Estudos mostram que perto de 80% das quedas acontecem dentro de casa. O que fazer?
Por melhor que seja a intenção, o fato é que não adianta impor mudanças “por decreto” ou fazer alertas ameaçadores do tipo “assim você vai cair e morrer”. Além de não funcionar, essas atitudes podem deixar o idoso tão assustado que ele se enclausura, o que pode levar a um dano secundário, que é o isolamento social e este, à depressão.
Especialista no tema, Nívia Collavitti, gerente do Residencial Israelita Albert Einstein, afirma que a abordagem deve começar com um processo de educação positiva.
Pode-se, por exemplo, apresentar dados que estimulem a reflexão, como informações sobre quando acontecem as quedas, onde mais ocorrem e quais as repercussões. Quando observar um quadro com estatísticas de quedas nas várias faixas etárias desde o nascimento, o idoso vai se identificar na coluna correspondente à sua idade, e o sinal de alerta estará na sua cabeça.
Ninguém precisou fazer “sermão”.
Evidentemente, família e cuidadores também precisam ser educados. Aliás, todos nós, porque quedas não são exclusividade de idosos e porque todo mundo vai envelhecer.
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Adaptações necessárias
Na hora de pensar em intervenções, é preciso considerar uma série de fatores: o ambiente da moradia, o estilo de vida, a participação social e comunitária, os relacionamentos familiares, a autonomia (ou dependência de alguém que cuide), traços de personalidade, comportamentos característicos, como ser aderente ou resistente a medidas de autocuidado…
Enfim, é preciso entender todo o ecossistema do idoso antes de definir as intervenções. E, seja um profissional de saúde ou um familiar quem está conduzindo o processo, as mudanças têm de ser gradativas, negociadas e estabelecidas dentro dos limites do idoso, respeitando sua autoidentidade.
Em resumo, ele participa das decisões. A senhora não abre mão daquele bonito sapato de salto alto? Negociar para que ele seja reservado para ocasiões especiais pode ser mais aceitável do que simplesmente vetar seu uso.
Como observa Nívia, “existem dicas que servem para todos, mas a abordagem é sempre individualizada”.
Seguem algumas delas relacionadas aos ambientes da casa e atividades de rotina:
Geral
- Retirar tapetes, vasos e outros objetos que ficam no caminho e são um convite para tropeços e quedas.
- Itens que lotam o ambiente, mas são pouco usados (excesso de cadeiras, por exemplo), podem ser guardados em outro lugar.
- Instalar corrimão ou barras de apoio nas escadas. Se a casa tiver ambientes com desníveis, colocar uma fita de sinalização de segurança (aquelas amarelas e pretas).
- Usar cordão de pendurar o celular. Assim o idoso fica com as mãos livres para caminhar, fazer suas atividades e até para reagir melhor frente a um tropeço ou escorregão.
- Se estiver caminhando e o celular tocar, é importante parar para atender e só depois retomar a caminhada.
- Nas compras no supermercado ou hortifrúti em quantidade maior, usar carrinho de mão e não sacola. Para compras mais pesadas, o ideal é contar com apoio de alguém da família. Se não for possível, a recomendação é dividir a compra em duas etapas.
- Para as atividades externas, como consultas médicas, ida ao banco, entre muitas outras, é importante evitar os horários de pico, quando há mais gente circulando.
- Consultar a meteorologia também é um bom hábito: se houver previsão de chuva, melhor mudar a programação.
Banheiro
É um lugar em que ocorrem muitas quedas e onde o socorro é mais difícil. Também acontecem acidentes quando o idoso se desloca rapidamente para o banheiro pela urgência miccional.
- Evitar tapetes do lado de fora do box. Se o idoso fizer questão, optar por um que seja antiderrapante e com abas que fiquem bem coladas ao chão.
- Ter piso ou tapete emborrachado dentro do box. Existe uma resina fácil de aplicar que deixa o piso antiderrapante.
- Se for usar uma banqueta para o banho, utilizar preferencialmente uma de material plástico e com uma toalha em cima.
- Se possível, instalar barras de apoio dentro e fora do box em altura compatível com o idoso e largura adequada à empunhadura da sua mão.
- Colocar tudo que for de uso frequente em lugar acessível, evitando que o idoso tenha de se abaixar ou subir para pegar algo.
- Cestinhos com ventosas também são úteis para organizar itens de uso diário, como escova de dente, filtro solar, escova de cabelo, pente etc.
- Manter a porta aberta ou ao menos encostada.
- Levar o celular quando for ao banheiro (é um recurso importante caso precise pedir ajuda). Se não tiver celular, um pequeno sino facilmente acessível resolve.
Cozinha
- Para a guarda de panelas, utensílios, eletrodomésticos e outros objetos de uso frequente aplica-se a mesma regra de deixá-los em lugares facilmente acessíveis (altura das mãos). Se faltar espaço na prateleira ideal, é melhor optar por uma mais baixa do que uma mais alta.
- Evitar itens de vidro, trocando-os por peças de alumínio, plástico ou acrílico.
- Se o idoso tiver o hábito de cozinhar, ter uma banqueta próxima onde ele possa sentar facilmente caso se sinta cansado.
Quarto
- Iluminação principal e uma secundária, como um abajur. Uma lanterna com pilha também é importante para o caso de a lâmpada queimar ou faltar energia.
- Tomada de energia próxima da cama para deixar o celular carregando, por exemplo, e usá-lo, se for necessário, sem ter de se deslocar.
- Mesa de cabeceira com itens que podem ser necessários (medicamentos, óculos etc.).
- Se tiver o hábito de levar água para o quarto, que seja em copo de plástico ou acrílico, coberto com guardanapo. Quedas acontecem quando a tampa da garrafa cai no chão e o idoso procura apanhá-la.
- Cama na altura adequada, evitando esforços e desequilíbrios ao subir ou descer dela. Se for muito baixa, instalar pés; se for alta, removê-los.
Sala
- Boa luminosidade
- Evitar mesa de centro. Se for inegociável, que a peça tenha cantos arredondados e não tenha vidros ou espelhos. A melhor opção são mesas laterais e com os objetos de uso frequente no ambiente (controle remoto, óculos, telefone etc.) próximos e preferencialmente em um cestinho, para que estejam sempre no mesmo lugar.
- Elevar a barra das cortinas se elas estiverem encostando no chão.
Calçados
- Sapatos confortáveis e sem salto, tênis ou papetes.
- Preferência para calçados com fechamento em velcro (sem cordões). Sandálias de dedo representam risco.
- Para as mulheres, que são mais exigentes quanto aos calçados e acostumadas ao uso de salto alto (algumas até sentem dor na panturrilha sem eles), há vários modelos anatômicos que podem agradar.
- Aquele sapato de salto alto que ficou para ocasiões especiais pode ganhar saltinho e solado de borracha se os originais forem de couro.