Em uma reunião de recepção dos novos alunos de pós-graduação, os professores mostraram a estrutura do instituto, os equipamentos de uso comum, as regras e as métricas para os estudos e publicações de cada departamento. Ao fim da apresentação, os docentes se retiraram da sala e quem tomou a palavra foram os representantes da Associação de Alunos da Pós-Graduação.
A primeira pergunta que um dos membros da associação fez depois de se apresentar foi a seguinte:
“Quem aqui acha que pós-graduação é emprego?”
Alunos que estavam quase dormindo com a palestra anterior despertaram e se ajeitaram na cadeira. Provavelmente, muitos se questionaram: “Por que é que ele perguntou isso?”.
Diante da indagação provocativa, 90% dos presentes na sala levantaram a mão, concordando que, sim, pós-graduação representava um emprego, pelo menos para eles. Os outros 10% estavam ainda raciocinando, formando opinião ou simplesmente acordando.
Mal sabiam o que viria com a segunda pergunta:
“Quem entrou para a pós-graduação realmente porque quer ser pesquisador?”
O silêncio foi ensurdecedor. Nenhum movimento de braços nas cadeiras.
O representante da associação se manifesta de novo:
“Quem entrou aqui porque foi o que sobrou de opção?”
Algumas pessoas ergueram os dois braços.
Após o representante apontar o dedo para um sujeito que ainda estava dormindo na sala sem ninguém ter percebido, começaram os relatos dos alunos, que provavelmente teriam reagido de outra maneira se ali na frente não estivesse um membro da própria “classe”.
Nessa sala, localizada em uma universidade em São Paulo, estavam presentes uns 80 estudantes. Claro que isso representa uma parte ínfima dos alunos de pós-graduação no país, mas, se ali, a maioria entrava sem muita motivação e com incertezas sobre as suas bolsas de estudo (sem reajustes desde 2013), certamente encontraríamos pessoas em situação semelhante em outros estados do Brasil.
Durante a pós, muita gente que nutria o pensamento do “pode dar certo” acaba substituindo a empolgação pelo “foi o que sobrou”. As perspectivas não mudam muito, os assuntos do corredor na universidade continuam os mesmos. O que fazer depois da pós? Para onde ir? Será que teremos reajustes? O que tem no bandejão hoje?
Até então, tínhamos a segurança de contar pelo menos com o dinheiro da bolsa durante um tempo. A bolsa tem prazo de validade, mas impulsiona os alunos, muitos dos quais trabalham mais de dez horas por dia para fazer dar certo um experimento de laboratório.
Se esse cenário já era desanimador para a pesquisa brasileira, imagine se os alunos nem cogitarem entrar para a pós-graduação porque foi o que sobrou? Se não tivermos a certeza do prazo de validade da bolsa? Se nem mais bolsas houver? Pois isso é o que acontecerá se a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) deixar de pagar as 200 mil bolsas de estudo a partir de agosto de 2019.
Não vamos ter as chamadas “fugas de cérebro” para o exterior. Não vamos ter mais cérebros que sejam atrativos para empresas e centros de excelência nacionais e internacionais.
Por fim, para colocar os últimos pregos no caixão da ciência brasileira, temos a perspectiva de contar, na eleição presidencial, com candidatos que desconhecem (ou detestam) a ciência. Um já disse que não existe pesquisa no Brasil, outro criticou a Fapesp, a agência de fomento do estado de São Paulo, de financiar pesquisa “sem utilidade prática”.
Antes o problema dos pós-graduandos fosse apenas conseguir reajustes anuais. A profissão de pesquisador, que mal existia no Brasil, agora caminha para a extinção em massa.
* Luiz Gustavo de Almeida é biólogo e pesquisador do Laboratório de Genética Bacteriana do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, coordenador dos projetos Cientistas Explicam e Pint of Science na cidade de São Paulo, além de fundador e colaborador do blog Café na Bancada