Uma novíssima vacina, com potencial de tratar um tipo agressivo de câncer cerebral, foi anunciada há pouco e promete abrir novas frentes no combate à doença. Embora os estudos tenham sido realizados até o momento apenas em camundongos (animais com um sistema imunológico bastante semelhante ao nosso), os passos trilhados são vistos com otimismo para o futuro.
Os testes focaram no glioblastoma, um tipo de câncer cerebral com alta taxa de letalidade. É prematuro afirmar que esse avanço pode abrir caminho à cura do câncer cerebral ou de outros tumores, mas é inegável que amplia horizontes nos campos da genômica e da biotecnologia na batalha contra a doença.
Os resultados animadores desse tratamento experimental, publicados no periódico Science Translational Medicine, chamaram a atenção da comunidade científica por se tratar da primeira medicação produzida em laboratório a partir de células tumorais vivas.
Ainda precisamos aguardar o desenrolar das pesquisas e validar a segurança e a eficácia da estratégia, mas a nova tecnologia, baseada em engenharia genética, pode inaugurar uma classe de vacinas terapêuticas para a oncologia.
Hoje, existem estudos mais avançados com outros tipos de vacina para o tratamento de tumores de mama, pulmão e pele (melanoma). Mas eles utilizam apenas células tumorais inativas. Eis a diferença.
De forma resumida, os cientistas conseguiram agora criar uma estratégia de reprogramação genética, espécie de “cirurgia molecular”, nas células do tumor do paciente, conferindo a elas um “superpoder” de combater as células cancerosas. É como usar armas do próprio inimigo para atacá-lo.
Durante o processo, essas células são mantidas vivas em meios de cultura. Em seguida, os pesquisadores “recortam” fragmentos de DNA dos locais onde serão feitas as alterações e os preenchem com novas partes, já modificadas. Com isso, o novo gene irá produzir funções diferentes do anterior, tornando a célula capaz de gerar substâncias tóxicas ao câncer assim que ela se infiltrar no tumor.
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Nessa primeira etapa da avaliação, a vacina proporcionou um ataque duplo à doença, e de forma simultânea. Evitou, assim, o surgimento de recidivas, quando o câncer retorna. O tratamento interrompe também a comunicação das células cancerosas com o ambiente local, além de sinalizar para o sistema imune a necessidade de atacá-las.
Como resultado, as células tumorais são eliminadas e a imunidade consegue manter uma boa defesa a partir de suas reservas de células de memória. Caso o tumor volte, elas são convocadas a se multiplicar e retomar o ataque, diminuindo amplamente as chances de recidiva.
Apesar da classificação “vacina”, é importante pontuar que esse tipo de terapia só pode ser adotado no momento em que a doença já foi diagnosticada uma primeira vez. Com ela, o sistema imunológico é fortalecido e ganha a capacidade de reconhecer e contra-atacar melhor o câncer, ao mesmo tempo que poderá evitar o surgimento e a replicação de novas células malignas ao longo do processo.
Trata-se de um tratamento altamente individualizado, que se adapta ao DNA das células tumorais de cada paciente. Prova de que a oncologia de precisão está cada vez mais próxima de vencer o câncer.
* Bernardo Garicochea é diretor de oncogenética do Grupo Oncoclínicas e diretor clínico de câncer hereditário do OC Precision Medicine, laboratório do Grupo Oncoclínicas. É pós-doutor em biologia molecular pela Royal Postgraduate Medical School (Inglaterra) e em genética humana pelo Memorial Sloan Kettering Cancer Center (Estados Unidos)