Por que as bets são um problema de saúde pública urgente
Os danos vão além do bolso: repercutem nas emoções, nas famílias, nos ambientes de trabalho e nos serviços públicos

Uma crise está em curso — crescente, subestimada e sustentada pela omissão institucional.
No Brasil, os sites de apostas seguem em rápida expansão, impulsionados por uma regulação frágil e pela publicidade agressiva.
Com um celular conectado à internet e uma carteira Pix, qualquer um tem acesso irrestrito a plataformas que oferecem jogos de aposta e cassino online.
Em meio à avalanche de propagandas com influenciadores e atletas, que ainda associam a atividade ao universo do esporte e do glamour, o que se promove são produtos de alto potencial viciante — impulsionados por algoritmos, design atrativo e inteligência artificial — com impactos mais graves do que se imaginava.
Um estudo recente, com dados de vários países e faixas etárias, mostrou que quase um em cada quatro adolescentes que apostam desenvolve problemas. Entre adultos, o índice é de quase um para seis.
A dinâmica das bets — marcada por recompensas rápidas, risco constante e resultados imediatos — pode ativar os mesmos circuitos cerebrais que drogas como a cocaína.
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Para quem é capturado nesse ciclo, não se trata apenas de dinheiro. Trata-se de compulsão, adrenalina e fuga.
Diante da explosão das bets, que já motivaram até uma CPI, uma pesquisa nacional aponta que mais de 10,9 milhões de brasileiros já apresentam padrões de apostas que afetam negativamente sua saúde mental e financeira.
Os atendimentos no SUS cresceram mais de sete vezes desde 2020.
Esses números, no entanto, ainda não refletem toda a gravidade do cenário, pois se estima que apenas uma em cada cinco pessoas que vivenciam consequências mais sérias nesse contexto procura ajuda especializada.
Entre os mais afetados, estão jovens, pessoas de baixa renda, indivíduos com histórico familiar de abuso de substâncias e aqueles com diagnóstico de transtornos mentais.
Os danos vão além do bolso: repercutem nas emoções, nas famílias, nos ambientes de trabalho e nos já sobrecarregados serviços públicos.
Apesar da gravidade do cenário, a resposta institucional tem sido frágil. A própria lei que regulamenta as bets evidencia a distorção: apenas 1% da arrecadação com elas é destinada ao Ministério da Saúde; as pastas do Esporte e do Turismo ficam com percentuais 36 e 28 vezes maiores.
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Outro ponto crítico é o discurso que sustenta a ideia de “jogo responsável”, um conceito disseminado pela indústria e cada vez mais contestado por transferir ao indivíduo a responsabilidade pelos seus atos e danos sofridos e por desviar o foco dos riscos inerentes a essas plataformas e sua publicidade massiva.
Não se trata de proibir, mas de mudar urgentemente o eixo da regulação: abandonar a lógica fiscal e adotar uma abordagem centrada na saúde — com regulação proativa voltada à prevenção baseada em evidências.
Essa é a perspectiva defendida por especialistas e organismos internacionais livres de conflitos de interesse. Enquanto ela não for adotada, jogadores e suas famílias estarão expostos a uma espiral de destruição.
*Francisco Claudio Freitas Silva é pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Administração da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas)