Dia Mundial da Obesidade: mudar ambientes para salvar vidas
Já passou da hora de parar de culpar as vítimas da doença e olhar para os verdadeiros causadores desta epidemia

“Só é gordo quem quer”, livro lançado, em 1986, alcançou relativo sucesso na esteira de dezenas de publicações que movimentavam o mercado editorial com promessas milagrosas de emagrecimento.
Desde então, as dietas da moda migraram das livrarias para as redes sociais. Apesar da mudança de plataforma, o conteúdo destinado ao grande público ainda trata a obesidade como uma questão exclusivamente pessoal, passível de ser resolvida com simples ajustes na rotina.
Para a Federação Mundial de Obesidade, a abordagem com foco no indivíduo contribuiu para que chegássemos, em 2024, a mais de um bilhão de pessoas convivendo com a doença em todo o mundo. Marca que pode passar de 1,9 bilhões em 2035.
Para reverter a tendência, nesse 4 de março, Dia Mundial da Obesidade, a entidade propõe que as atenções se dirijam aos responsáveis pelo adoecimento da população, como o atual sistema alimentar, as políticas de saúde pública, os meios de comunicação e os ambientes sociais.
Neste dia dedicado à conscientização sobre a doença, devemos ressaltar que a obesidade não resulta da falta de força de vontade. Trata-se de uma questão associada a diversos fatores como saúde mental, herança genética, meio ambiente, acesso à saúde e o consumo de alimentos ultraprocessados – produtos ricos em gordura, sal, açúcar e aditivos e pobres em nutrientes.
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Não faltam evidências de que a obesidade favorece o surgimento de outras doenças crônicas – por exemplo, diabetes, insuficiências cardiovasculares e certos tipos de câncer. Sem falar no estigma que recai sobre o indivíduo, reforçando a ideia de responsabilidade pessoal e, muitas vezes, acaba representando um empecilho para que se busque os cuidados necessários.
No Brasil, de acordo com os dados do Sistema de Vigilância de Doenças Crônicas Não Transmissíveis do Ministério da Saúde (Vigitel), em 2024, os indivíduos com sobrepeso e obesidade representavam 63% da população. Um quadro que tende a se agravar quando pensamos que o país enfrenta um período de alta no preço dos alimentos, dinâmica que reduz a disponibilidade de itens saudáveis.
Por outro lado, seja pelo menor custo ou pela maior disponibilidade, os ultraprocessados ficam cada vez mais acessíveis, fenômeno diretamente associado ao aumento da obesidade.
Uma situação, portanto, que passa longe de escolhas pessoais e precisa ser compreendida no contexto global. Os eventos climáticos extremos, como secas e ou chuvas intensas, as guerras, a crise econômica internacional, colaboram diretamente para a desorganizar as cadeias de suprimento e transporte de alimentos in natura.
No Brasil, em particular, sofremos as consequências de políticas que priorizam o agronegócio. Nas últimas décadas, observou-se a expansão das áreas destinadas a commodities, como soja, açúcar e milho, e a redução das terras da agricultura familiar, voltadas para o cultivo de arroz, feijão, frutas, legumes e verduras.
Além disso, com a crise global de abastecimento e o dólar favorável, o país vem exportando mais e restringindo a oferta para o mercado interno.
A balança fica ainda mais desfavorável, quando lembramos que, enquanto a população adoece e sofre para comprar o café e a laranja, grandes marcas de ultraprocessados recebem incentivos. Entre 2015 e 2024, gigantes do setor deixaram de pagar R$ 15 bilhões em impostos, de acordo com dados do Ministério da Fazenda, levantados pela publicação O Joio e o Trigo.
Para tentar compensar tantas benesses, conquistamos, no fim do ano passado, uma importante vitória com a aprovação da reforma tributária: a instituição da cesta básica e a inclusão dos refrigerantes, bebidas adoçadas, no imposto seletivo, destinado a produtos que fazem mal à saúde e ao ambiente
Contudo, é preciso avançar mais. Como sugere o Dia Mundial da Obesidade, já passou da hora de olhar o entorno, de mudar os sistemas, e parar de culpar as vítimas — especialmente as camadas invisibilizadas da sociedade.
*Marília Sobral Albiero é coordenadora de inovação e estratégia da ACT Promoção da Saúde