Segundo estudos da Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (Iarc), da Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgados em fevereiro de 2024, mais de 2,3 milhões de diagnósticos de câncer de mama foram feitos em 2022 no mundo. Desconsiderando o câncer de pele, esse tipo é o segundo mais incidente globalmente, atrás apenas do de pulmão. Para as mulheres, é o mais comum e representa 11% do total de diagnósticos de tumores malignos.
É natural se assustar com esses números. Contudo, é ainda mais alarmante analisar os dados revelados pelo Panorama do Câncer de Mama, pesquisa elaborada pelo Instituto Avon em parceria com o Observatório de Oncologia.
Esse levantamento deixou claro que, no Brasil, estamos distantes de sermos capazes de lidar de maneira adequada com um número tão elevado de diagnósticos, especialmente levando em consideração a faixa etária estabelecida pelos órgãos responsáveis no país para realização de rastreamento.
O termo “rastreamento mamográfico” refere-se aos exames realizados em mulheres assintomáticas durante um intervalo específico para detectar precocemente o câncer de mama. As diretrizes para esse procedimento costumam variar globalmente e, no Brasil, não há uma recomendação única das autoridades de saúde.
Enquanto a OMS e a Sociedade Brasileira de Mastologia sugerem mamografias anuais para mulheres com mais de 40 anos, o Ministério da Saúde, alinhado com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), recomenda o exame a cada dois anos e acima dos 50 anos.
Em países onde o rastreamento mamográfico é eficaz, observa-se um aumento nos diagnósticos de câncer de mama, detectados progressivamente mais precocemente. Como resultado, as taxas de mortalidade tendem a diminuir.
Porém, não é esse cenário que observamos no Brasil. Os estudos demonstram que as taxas de cobertura mamográfica nunca atingiram a média proposta pela OMS de 70% (em mulheres acima dos 40 anos, anualmente). Com a pandemia, elas sofreram uma queda significativa – de 23%, em 2019, para 20,5%, nos anos de 2021 a 2022. Isso segundo o Panorama pré COVID-19.
Outro dado do Panorama que nos chamou a atenção – e demonstra o impacto da falta do rastreamento expandido do câncer de mama – é o volume de mulheres diagnosticadas que estão fora da faixa etária alvo para rastreamento nacional – aproximadamente 30%.
Além disso, a pesquisa mostrou que as pacientes entre 50 e 69 anos, ao terem o câncer detectado, se encontravam em estágios avançados da doença em 35,3% dos casos entre 2015 e 2021. Quando olhamos para as mais jovens, o resultado de diagnósticos avançados só aumenta: 39,6% das mulheres entre 40 e 49 anos tiveram o câncer de mama detectado em estadiamento avançado, assim como 47,5% das pacientes entre 30 a 39 anos e 53,9% das que tinham entre 20 e 29 anos.
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Percebemos, portanto, um crescimento do diagnóstico tardio conforme a redução da faixa etária da mulher. Isso significa que uma parcela significativa da população feminina não está recebendo cuidados preventivos que possibilitam a detecção precoce, diminuindo suas chances de descobrir o câncer de mama em estadiamentos iniciais, o que resultaria em tratamentos menos invasivos, maior qualidade de vida e maior chance de cura.
Ao analisar esses dados, uma história em especial me vem à lembrança: conheci uma mulher que, aos 40 anos, percebeu uma alteração em sua mama e buscou ajuda em um posto de saúde, onde lhe foi sugerido um encaminhamento que não incluía investigação de câncer de mama. Com o tempo, os sintomas se intensificaram e o diagnóstico finalmente chegou: câncer de mama em estágio avançado e sem possibilidade de cura.
Ela nunca teve a oportunidade de realizar exames de rastreamento, pois não alcançou a faixa etária alvo definida pelo Ministério da Saúde.
Esse relato me trouxe algumas reflexões importantes. As mulheres fora da idade alvo recebem informações de qualidade para conhecerem seus corpos e reconhecerem alterações que exijam atenção médica? O sistema de saúde e os profissionais da atenção básica estão aptos para responderem com a urgência necessária? Infelizmente, o despreparo ainda é frequente.
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Para ter ideia, o Panorama do Câncer de Mama constatou que o tempo médio para início do tratamento de mulheres diagnosticadas com a doença foi cerca de 179 dias entre 2015 e 2021 – quase o triplo do indicado pela Lei dos 60 Dias, que assegura o acesso ao tratamento em até, no máximo, 60 dias após a detecção do tumor maligno. Pelo menos 62% dos casos ultrapassaram o tempo previsto pela legislação brasileira.
Além disso, em 2021, o tempo médio para o recebimento do diagnóstico foi de 50 dias – 20 a mais do que o período garantido por lei. E apenas 63,5% desses casos tiveram os dados referentes ao tempo para diagnosticar a doença devidamente preenchidos.
Entendo que a ampliação da população-alvo para incluir aquelas que são dez anos mais jovens poderia sobrecarregar ainda mais um sistema que já está lutando para atender à faixa etária proposta, considerando que a cobertura atual está 53% abaixo do recomendado pela OMS.
Mas refletir sobre esses números e sobre as histórias de tantas mulheres que não são vistas pela política de atenção à saúde das mamas é fundamental para criar e implementar soluções mais eficientes.
Que indicadores como esses sirvam como um norte para que os gestores públicos e profissionais da saúde consigam endereçar o tema e direcionar seus recursos e esforços para desenvolver políticas públicas mais assertivas, de acordo com o atual cenário do país – seja expandindo a idade para rastreamento, seja melhorando a resposta dos profissionais da atenção básica para que as mulheres que recorrem ao SUS consigam ter atenção, o acolhimento e o cuidado que realmente precisam.
*Mariana Lorencinho é coordenadora da área de câncer de mama do Instituto Avon