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Entre o cérebro e o ambiente: um novo olhar sobre transtornos alimentares

A neuroantropologia afirma que os transtornos alimentares são síndromes ligadas à cultura vigente. Entenda

Por Jônatas Oliveira, nutricionista*
Atualizado em 24 set 2024, 11h10 - Publicado em 24 set 2024, 09h14
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Transtornos Alimentares atormentam milhares de vítimas no país (Ilustração: Gabriela Felice/Veja Saúde)
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A capacidade criativa dos seres humanos molda o ambiente em que vivemos, e isso, por sua vez, molda o nosso cérebro.

Trata-se de uma via de mão dupla que repercute em inúmeras esferas da vida, entre elas a alimentação. E é essa via que passou a ser estudada pela neuroantropologia, uma disciplina que une a antropologia, dedicada à compreensão do homem e suas invenções, e a neurociência, focada nas descobertas sobre a mente e os neurônios.

Sob essa perspectiva, propomos que os transtornos alimentares são síndromes ligadas à cultura vigente, dada a influência das dinâmicas psíquicas e sociais do ambiente, o que também envolve alterações neurais ativadas pelo meio onde estamos inseridos.

+Leia Também: Os 12 principais tipos de transtorno alimentar, de anorexia a compulsão

Vejamos um exemplo. Em maio deste ano, o famoso baile Met Gala, em Nova York (EUA), demonstrou ser um espelho das percepções contemporâneas sobre a imagem corporal. Um aspecto notável do evento foi o retorno dos espartilhos nos vestidos, uma espécie de volta à magreza que vem na esteira de uma tendência estética de resgate dos anos 2000 conhecida como Y2K.

Com o bombardeio de imagens disseminadas pelas redes sociais, podemos esperar que pessoas mais vulneráveis se vejam obrigadas a mudar seu padrão de vida, incluindo o alimentar, para alcançar o corpo ideal e se vestir de acordo com a moda, tornando-se reféns de um processo de adoecimento.

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Como observa a especialista em visual merchandising Laís Franciosi: “Se a moda realmente fosse sobre liberdade de expressão, não existiria cautela ao escolher uma peça de roupa”.

+Leia Também: A autoimagem piorou após a pandemia de Covid-19

Do ponto de vista cultural, fica evidente que as pessoas buscam expressar aquilo que o ambiente traz à tona e passa a premiar. Só que esses comportamentos não raro são envolvidos por pressão, estresse e sofrimento, podendo culminar em algum tipo de doença.

A história das meninas das ilhas Fiji é emblemática. Três anos após a chegada da televisão a esse arquipélago da Oceania, as garotas locais passaram a induzir vômitos e a questionar sua “utilidade” frente às representações do “padrão” de mulher na tela.

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Sim, até noções identitárias são desestabilizadas com mudanças culturais — o que, claro, se aplica ao Brasil. Sabemos que, por volta dos 2 anos, as crianças já possuem uma autopercepção e conseguem se reconhecer no espelho.

À medida que crescem, seu corpo começa a representar sua identidade e elas passam a refletir sobre como os outros veem sua aparência.

+Leia Também: Filtros do Instagram dizem muito sobre a sua saúde mental

Tudo isso ganha uma dimensão ainda mais significativa a partir da adolescência. Ocorre que os padrões e modismos interferem em como esses jovens avaliam suas características físicas e no que estão dispostos a fazer para se encaixar na “regra”.

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É nesse contexto que, a depender da suscetibilidade individual, meninas e meninos se tornam mais propensos a bulimia, anorexia e outros transtornos alimentares.

Se em apenas três anos de exposição à TV comportamentos e percepções podem mudar tanto, que dirá com a velocidade da internet. O estudo da neuroantropologia nos abre caminho, portanto, para reconhecer esses fenômenos e criar mecanismos pelos quais possamos proteger a sociedade de uma má relação com o corpo e a comida.

*Jônatas Oliveira é nutricionista e coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisa em Comportamento e Comida e doutorando pela Universidade de São Paulo (USP)

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