O boletim epidemiológico mais recente da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), divulgado no dia 25 de janeiro, mostra que o Brasil registrou, no ano passado, 265 265 casos suspeitos de chikungunya. A entidade tem representação em 27 países da região das Américas.
Segundo a Opas, 99,6% dos casos da doença no continente americano se concentraram em apenas três países: Brasil (98%), Paraguai (0,9%) e Guatemala (0,7%). Ofuscada pela pandemia de Covid-19 nos últimos três anos, e dividindo alertas com outras doenças endêmicas (como a dengue e o zikavírus), a chikungunya tem passado despercebida aos olhos da sociedade brasileira.
Como arbovirose, também é transmitida por nosso muito conhecido mosquito Aedes aegypti. Em geral, é uma doença infecciosa e que provoca sintomas como febre alta, dores no corpo e nas articulações, manchas vermelhas na pele e conjuntivite.
O que muita gente desconhece é que, às vezes, as dores intensas nas articulações e nos músculos podem persistir por dias e até meses. Para ter uma ideia, entre algumas pessoas a doença se torna incapacitante.
+ Leia também: Estudo diz que chikungunya pode afetar o cérebro
Em casos pontuais, ainda mais graves, a partir de um quadro de chikungunya, os pacientes podem desenvolver meningite, problemas cardíacos ou até ir a óbito.
Inclusive, o mesmo boletim da Opas informa que, em 2022, 94 pessoas morreram nas Américas em decorrência da chikungunya – todas viviam no território brasileiro.
A vacina
É só conhecendo esse contexto que podemos compreender o porquê de cientistas terem se mobilizado em torno de uma vacina contra a chikungunya, produto que agora está em estudo clínico de fase 3 no Brasil.
A fase 3 é a que necessita de um número maior de participantes para avaliar a segurança e eficácia de imunizantes. Trazida ao país pelo Instituto Butantan, em parceria com a farmacêutica austríaca Valneva, a vacina é inédita no mundo.
Na Grande São Paulo, o Centro de Pesquisa do Instituto de Infectologia Emílio Ribas participa do estudo que acontece no Brasil com adolescentes – mas há mais nove centros envolvidos com essa pesquisa clínica em todo o Brasil.
Iniciado no ano passado, o estudo já conseguiu todos os voluntários de que precisava na faixa etária de 15 a 17 anos. O esforço agora se concentra em divulgar a pesquisa para jovens de 12 a 14 anos.
Em adultos, a vacina já havia passado pelo mesmo estudo clínico de fase 3, só que nos Estados Unidos. Ao todo, 4 115 voluntários participaram. Dados preliminares apontaram que a vacina é segura e conseguiu produzir anticorpos em 96,3% dos voluntários.
Como em qualquer estudo clínico com vacina, a organização e o acompanhamento dos voluntários são feitos de forma muito criteriosa. Por nossa experiência com o estudo da Coronavac, contra a Covid-19, em 2020, fomos convidados para participar desse estudo com a vacina de chikungunya.
Nosso centro de pesquisa foi auditado e recebemos uma certificação internacional da EMA (Agência Europeia de Medicamentos).
Os interessados em se voluntariar devem estar acompanhados de seus responsáveis legais. Primeiramente eles são informados de todos os detalhes do estudo, tiram suas dúvidas e, após o “aceite”, devem assinar o termo de consentimento para autorizar o início da coleta dos exames e o acompanhamento da equipe.
Metade dos participantes recebe a vacina e a outra metade, o placebo – essa informação é mantida sob sigilo até o final do estudo. A equipe médica do centro faz o monitoramento e dá orientações online aos participantes durante mais de um ano. Para mais informações, é só ligar para (11) 9 1026-6996.
Mais uma vez, assim como aconteceu com a Covid-19, o que mais tem estimulado os voluntários é a vontade de ajudar o país a ter uma vacina. Agora, são as novas gerações que chegam com um senso de altruísmo e a confiança na ciência de que o mundo tanto precisa.
*Ana Paula Rocha Veiga é médica infectologista, foi coordenadora do estudo com a vacina Coronavac e agora coordena o estudo com a vacina de chikungunya no Instituto de Infectologia Emílio Ribas