Nas últimas duas décadas, o mundo foi assolado por três grandes infecções por coronavírus. A síndrome respiratória aguda severa (Sars), na Ásia, e a síndrome respiratória do Oriente Médio (Mers) precederam a atual pandemia de Covid-19. Ainda que as doenças sejam causadas por tipos diferentes de coronavírus, algumas lições foram aprendidas no manejo dos pacientes infectados anteriormente, caso de estratégias de ventilação mecânica para dar suporte diante de uma insuficiência respiratória.
No entanto, nenhum medicamento se mostrou eficaz no combate ao coronavírus.
A doença atual apresenta características desafiadoras: a alta capacidade de disseminação faz com que, aparentemente, uma pessoa infectada transmita o vírus para outras duas ou três. Dentro de um intervalo de seis a sete dias os casos tendem a dobrar.
Estima-se que 80% dos quadros variem entre assintomáticos e leves, 15% sejam severos, com necessidade de internação hospitalar, e que os 5% restantes sejam críticos, dependendo de uma unidade de terapia intensiva (UTI).
Outro ponto que sabemos é que a taxa de mortalidade global pela infecção atualmente gira em torno de 6% e é mais elevada em adultos acima de 60 anos e pessoas com histórico de doenças prévias, as comorbidades.
Até o momento não existem terapias farmacológicas com evidências cientificas que demonstrem redução de complicações ou mortalidade.
A cloroquina e a hidroxicloroquina são drogas antigas utilizadas no tratamento da malária e em pacientes com doenças autoimunes, como o lúpus, e têm apresentado resultados promissores em experimentos de laboratório in vitro, com redução da atividade do coronavírus.
Um estudo realizado na França com apenas 36 pacientes e sem seguir os critérios clássicos de pesquisa científica sugeriu que o uso da hidroxicloroquina associado à azitromicina (um tipo de antibiótico) poderia zerar a carga viral em seis dias. No entanto, não existem estudos clínicos robustos e bem feitos que demonstrem benefícios da hidroxicloroquina em pacientes com Covid-19.
Devemos ressaltar que tal medicação não é isenta de risco. Pelo contrário: arritmias cardíacas (potencialmente fatais), pancreatite, hepatite e problemas na retina são alguns dos efeitos colaterais.
Nesse contexto, é fundamental que ocorram estudos clínicos com grupo controle, definido como um grupo de tratamento padrão. Sem a presença de um grupo controle é impossível determinar, de forma acurada, os possíveis benefícios e danos de qualquer nova terapia.
Atualmente, existem cerca de 400 estudos sobre a Covid-19 registrados no Clinical Trials, departamento americano que agrupa estudos internacionais, e diversos desses trabalhos avaliam a eficácia de medicamentos como a hidroxicloroquina.
No Brasil, um grupo de pesquisadores de grandes hospitais, incluindo a BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, desenvolve duas pesquisas para avaliar terapias contra a infecção pelo coronavírus. Esses estudos avaliarão a eficácia dos medicamentos hidroxicloroquina e azitromicina em diferentes grupos de pacientes, incluindo doentes com apresentação de leve a moderada e outros com manifestação mais grave.
Calcula-se que mais de 60 centros no Brasil recrutem pacientes para essa iniciativa e que em até três meses sejam apresentados os resultados iniciais.
Além da hidroxicloroquina, diversas drogas apresentaram atividade in vitro contra o coronavírus, mas sem resultados robustos que justifiquem o uso em hospitais. Diante de uma pandemia, o uso de um remédio sem evidência cientifica deve ser feito no contexto de que o benefício seja maior do que o dano, e sempre como última alternativa.
E precisamos ter em vista que, nestas circunstâncias, não é possível afirmar que uma eventual sobrevivência do paciente se deveu à administração daquela droga especificamente, uma vez que faltam justamente as provas a respeito.
A verdade é que só com pesquisa clínica poderemos determinar os melhores caminhos para salvar os pacientes e superar a Covid-19.
* Dr. Fernando Ramos é médico intensivista e coordenador de UTI da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, além de pesquisador da Coalizão Covid Brasil