Como as vacinas funcionam? Quais tecnologias estão por trás delas? São seguras? Hoje essas perguntas podem parecer estranhas para alguns, mas nem tanto para outros, considerando a confusão e a quantidade de fake news a respeito. Vale a pena, portanto, revisitar a história da vacinologia, entender seu estado da arte e visualizar as perspectivas para o amanhã.
Métodos de imunização já existiam na China do século 10. Registros históricos apontam para a prática da variolização, ou seja, a inalação de pó de cascas de feridas causadas pela varíola. Pode parecer bizarro, mas esse método se baseava em um conceito até hoje eficiente, a exposição ao antígeno de forma branda.
O conceito ajuda a entender o que é uma vacina. Basicamente, ela é um produto biológico desenvolvido para induzir uma resposta imune do organismo, protegendo-o de infecções quando for exposto ao agente causador da enfermidade, o patógeno. E é assim que existe um imunizante para gripe, outro para Covid-19… Cada vacina tem seu alvo!
Os tipos de vacina
Podemos classificar as vacinas em vivas atenuadas e inativadas. Elas diferem segundo o tipo de antígeno que é inoculado no organismo de modo a gerar a tal da resposta imune.
As mais antigas, criadas no final do século 18, usam o patógeno atenuado como na variolização aplicada na China. Imunizantes contra sarampo, caxumba, rubéola, febre amarela e poliomielite oral (também conhecida como a vacina da gotinha) pertencem a essa categoria, que foi aperfeiçoada com o tempo.
A partir do início do século 20, com o desenvolvimento de tecnologias e o avanço do conhecimento sobre microbiologia e imunologia, outras técnicas permitiram criar novos imunizantes. Em 1923, surgiu a vacina contra a difteria, que utiliza a toxina inativada da bactéria para estimular a produção de anticorpos. A vacina antitetânica também é desse tipo.
Nos anos 1970, despontaram novas classes de imunizantes, agora utilizando subunidades dos antígenos (como proteína purificada, proteína recombinante, polissacarídeo ou peptídeo). Elas contribuíram para o combate a gripe, coqueluche, febre tifoide, HPV, hepatite B, meningite e pneumonia.
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Mais recentemente, vírus inofensivos começaram a ser usados como vetores para carregar genes da doença que se deseja evitar. A ideia é a mesma: ensinar o sistema imune a reconhecer o inimigo de verdade. Os vírus que servem de vetor funcionam como “cavalos de Troia”, são manipulados e incapazes de provocar problemas em quem tomou a vacina.
Alguns imunizantes contra Covid-19 se encaixam nessa categoria, assim como a vacina para o ebola.
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Novo capítulo
A tecnologia baseada em mRNA (RNA mensageiro) é a mais nova estratégia apoiada na genética para desenvolver imunizantes (e num tempo mais desejável). Exemplos formidáveis são as vacinas contra Covid-19 da Pfizer/BioNTech e da Moderna, esta ainda indisponível no Brasil.
Esse método dispensa o uso de vetores virais e utiliza sequências do RNA mensageiro do antígeno, ou seja, pedacinhos do genoma do patógeno.
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Assim que o vírus é sequenciado geneticamente, o trecho da sequência genética capaz de gerar uma resposta imunológica é copiado e sintetizado. Na vacina, ele é envolto em uma espécie de capa de gordura (para não se desintegrar) e, ao entrar na célula humana, entrega as informações necessárias para gerar o esquema de proteção.
Não são poucas as vantagens dessa tecnologia. Entre elas, destaco a agilidade na criação do produto e o aumento da escala de produção. Muito além da prevenção de doenças infecciosas, vacinas de mRNA são estudadas há alguns anos para o tratamento de câncer, alergias e distúrbios autoimunes.
A ciência e a medicina nos trouxeram admiráveis avanços no campo da vacinologia. Pesquisas utilizando a técnica de edição de genes conhecida como CRISPR/Cas9 podem ampliar infinitamente as possibilidades do desenvolvimento de imunizantes, potencialmente mais eficazes e econômicos. Estudos têm sido feitos para vacinas veterinárias e humanas com resultados preliminares ainda tímidos, porém animadores.
Na saúde pública
Em paralelo às pesquisas, é fundamental que as vacinas disponíveis sejam distribuídas pelos países e, principalmente, adotadas pela população.
Seu poder está mais do que atestado: a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que entre 2 e 3 milhões de vidas são salvas a cada ano devido aos programas nacionais de imunização. A taxa de mortalidade de crianças até os 5 anos de idade, de 1990 a 2018, foi reduzida em 58%.
Contudo, temos pela frente muitas doenças que podem ser controladas ou mesmo erradicadas (a exemplo da varíola). Campanhas para fomentar a adesão da sociedade à vacinação e apoio para o desenvolvimento de novos imunizantes globalmente são questões urgentes.
Que as recentes (e as tradicionais) tecnologias e o avanço da ciência nos tragam mais boas-novas!
* Maria Isabel de Moraes-Pinto é infectologista, professora da Unifesp e consultora de vacinas da Dasa