Em pleno 2022, ainda vivemos o drama de uma doença altamente subdiagnosticada e uma das mais estigmatizadas da história: a hanseníase. Enfermidade infecciosa causada pela bactéria Mycobacterium leprae, conhecida no passado como lepra, ela faz parte das chamadas doenças negligenciadas, tendo maior prevalência em populações de baixa renda e contando com poucos investimentos para seu devido controle.
Além dos desafios tradicionais, a pandemia de Covid-19 acrescentou novas dificuldades: a sobrecarga de doentes que não foram diagnosticados nos últimos dois anos nas unidades de atendimento, bem como um incremento na transmissão devido à ausência de tratamento em boa parte dos pacientes.
Desde 1990, há uma média de 28 mil casos identificados por ano, mas, em 2020 e 2021, apenas 17 e 15 mil infectados foram notificados, respectivamente, segundo o Ministério da Saúde. Só que esse dado não está relacionado ao sucesso no combate à doença. É resultado da diminuição no número de diagnósticos por conta do menor acesso aos serviços de saúde na pandemia.
E isso nos remete ao principal ponto quando se fala em hanseníase, o diagnóstico precoce. Quanto mais cedo ela for identificada e o tratamento iniciado, maior a chance de cura sem sequelas e menor a taxa de transmissão.
+ ASSISTA: Pesquisadores são premiados pela criação de um teste rápido para hanseníase
No entanto, três estigmas ainda persistem: a crença errônea de que a enfermidade é altamente transmissível, bastando encostar em outra pessoa para disseminá-la; a noção de que é incurável; e a ideia de que necessariamente causará deformações e incapacidades físicas.
Na verdade, como boa parte dos doentes têm uma razoável imunidade contra a bactéria, apenas cerca de 50% dos portadores de hanseníase infectam outras pessoas.
E, após o início do tratamento, que é simples e disponível no SUS, a transmissão cessa em dez a 15 dias. O contágio, vale destacar, ocorre fundamentalmente pelo contato com gotas de secreção respiratória provenientes da tosse.
Assim, o diagnóstico e o tratamento precoces levam à cura, à diminuição da transmissão e à prevenção das sequelas. A principal medida de saúde pública, portanto, é incentivar e viabilizar o acesso ao sistema de saúde assim que o paciente observar sinais suspeitos. São eles: manchas mais claras do que a cor normal da pele ou avermelhadas, com ou sem alteração de sensibilidade, como não sentir quente ou frio.
Um dos questionamentos mais pertinentes das pessoas leigas é por que a hanseníase não é extinta, já que temos terapias eficazes. O fato é que a solução definitiva é mais complexa do que apenas realizar novos diagnósticos.
Além de implementar o tratamento correto e a prevenção, são essenciais ações comunitárias englobando desde a conscientização sobre o problema até a melhoria das condições habitacionais e de transporte sem aglomerações, por exemplo.
A disseminação da informação e o esforço conjunto de profissionais de saúde, do poder público, da esfera privada e da sociedade é o caminho mais promissor para transformar o cenário da hanseníase e de outras doenças negligenciadas.
Exemplo de sucesso dessa mentalidade é a Carreta Novartis da Saúde, projeto itinerante da farmacêutica em parceria com o Ministério da Saúde. Há mais de dez anos ela promove acesso ao diagnóstico e tratamento gratuito contra a hanseníase, além de conscientizar a população sobre os primeiros sinais e sintomas da doença. A iniciativa percorre estados onde os índices são altos e é responsável pela identificação de 25% dos casos do país.
A trajetória para eliminar a hanseníase não é fácil, pois depende da vontade de muitos atores sociais. Mas seguramente é algo que não pode escapar à pauta da saúde pública. Investir na sensibilização a respeito e no diagnóstico precoce é o pontapé inicial.
* Heitor de Sá Gonçalves é vice-presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia