Qual é o papel da cannabis no tratamento da dor?
Entenda o que a planta de fato pode fazer e quais são as limitações para seu uso

A cannabis vem ganhando destaque e popularidade nas mídias e, com isso, muita gente quer usar de forma aleatória e sem parâmetros. É aí que mora o perigo. O bom tratamento é baseado em boa evidência. Não é porque é natural que é bom para tudo.
Medicamentos produzidos a partir de plantas medicinais e seus derivados são chamados fitoterápicos e contém substâncias ativas e naturais que promovem efeitos terapêuticos. O princípio ativo da aspirina, por exemplo, é o ácido salicílico, extraído da casca do salgueiro-branco (Salix alba).
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A morfina e a codeína foram extraídos da papoula (Papaver somniferum) que é usada no tratamento da dor severa. Esses medicamentos não são fitoterápicos, pois são moléculas sintéticas, mas têm origem nas plantas, foram estudados e tiveram sua eficácia comprovada pela ciência.
E a cannabis, é um fitoterápico? Para ser classificado assim, o precisa atender a critérios específicos como ter origem natural, ser validado cientificamente, com evidências de eficácia e segurança e ter seus compostos ativos preservados.
Sendo assim, ela pode ser considerada um fitoterápico, pois se enquadra nos critérios acima, exceto quando é usada como base para medicamentos sintéticos, como o dronabinol. As formas recreativas e não regulamentadas, feitas de forma artesanal e sem controle, também não se enquadram na categoria.
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A cannabis é uma planta medicinal comercializada em forma de óleos, tinturas e extratos que contêm compostos ativos (THC e CBD), terpenos e flavonoides que, juntos, promovem um efeito terapêutico conhecido como efeito entourage, fenômeno terapêutico da interação entre compostos químicos derivados de plantas.
Para indicar qualquer tratamento de saúde, é preciso avaliar cada paciente de forma criteriosa, fazendo uma profunda investigação das queixas, sintomas, hábitos, medicamentos usados, contexto social, aspecto psicológicos, exames físicos e laboratoriais, exames de imagens, outras comorbidades e realidades de cada um.
A partir dessa anamnese, elabora-se o plano terapêutico. Se a cannabis for escolhida, é necessário que as composições sejam pensadas de acordo com a proposta e, além disso, que o profissional prescritor seja especialista em dor e em cannabis.
Alguns efeitos estudados da cannabis:
- Redução da dor crônica
- Alívio de dores neuropáticas
- Efeito anti-inflamatório
- Menor dependência de opioides
- Melhora da qualidade do sono
- Efeitos relaxantes
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O sistema endocanabinoide
O curioso é que cada um de nós tem a possibilidade de produzir “medicamentos” contra a dor no próprio organismo. Temos um sistema endocanabinoide (SEC) interno, que produz substâncias analgésicas naturais.
Como funciona? O SEC é um organizador que existe no corpo. É composto por substâncias químicas predominantes no sistema nervoso central e presentes no sistema imunológico. Essas substâncias e seus receptores (tipo peça de quebra-cabeça) funcionam de maneira ordenada e, quando encaixam, regulam funções como humor, dor, apetite, sono e resposta inflamatória.
O que estimula nosso sistema endocanabinoide natural? Adivinha? Nosso querido e amado exercício físico regular, sono de qualidade, alimentação balanceada, gerenciamento das emoções e exposição ao sol. Esse é o cenário perfeito dentro e fora do corpo, que nos mantém saudáveis.
A cannabis, quando ingerida, atua em conjunto com esse sistema. Se considera utilizá-la, é importante ressaltar as seguintes considerações:
- Legalidade do uso terapêutico do cannabis de acordo com as legislações locais;
- Consulta com um médico especialista antes de iniciar o uso de qualquer forma de cannabis, principalmente para evitar interações medicamentosas e complicações, além de avaliar as condições de saúde preexistentes;
- Dosagem e proporções (THC:CBD).
- Eficácia, indicação e efeitos colaterais variam dependendo da composição do produto e da sensibilidade de cada paciente;
Natural não é sinônimo de eficaz nem de seguro. Precisamos cada vez mais investir em pesquisas de qualidade para entender como a substância age no nosso corpo e como usá-la de maneira segura. Em algumas circunstâncias, a cannabis pode ser contraindicada, tais como:
- Pessoas propensas a dependência de THC;
- Pessoas menores de 25 anos com quadros psiquiátricos. A cannabis pode interferir no desenvolvimento cognitivo;
- Esquizofrenia e psicoses;
- Doença cardíaca instável;
- O uso inalado é proibido no Brasil e não pode ser indicado por médicos, embora em outros países seja permitido;
- Gravidez e lactação;
- Disfunção hepática prévia;
Até agora, a cannabis tem ajudado muitas pessoas a controlarem suas dores. Vale a pena consultar um especialista no assunto. Não use de forma recreativa pensando que é terapêutico, por que não é a mesma coisa.
*Mariana Schamas, cinesiologista, pós-graduada em Dor. Idealizadora do Programa LibertaDor – curso para pacientes com dor crônica