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Viver em áreas de conflito, como a Ucrânia, afeta o coração

O perigo não se resume a zonas de guerra. Pessoas expostas à violência e à vulnerabilidade social ficam na mira dos problemas cardiovasculares

Por Cláudio Tinoco Mesquita, cardiologista*
29 mar 2022, 11h01
ilustração de coração tenso
Estresse e falta de medicamentos abalam coração de quem vive em regiões com conflitos armados.  (Ilustração: Veja Saúde/SAÚDE é Vital)
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Desde o fim de fevereiro deste ano, temos presenciado a invasão russa à Ucrânia, situação que já levou mais de 3 milhões de pessoas a se refugiar em outros países, abandonando suas casas, trabalhos e pessoas queridas, além de inúmeras mortes, tanto de civis como militares.

Neste período de grave crise humanitária, o coração de quem é afetado pela guerra fica ainda mais prejudicado. Isso foi demonstrado por um grande estudo realizado em 2019 pelo Imperial College e pela Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, na Inglaterra.

Através de uma metodologia conhecida como revisão sistemática, os especialistas analisaram os resultados de 65 pesquisas com informações sobre 23 conflitos armados em países de baixa e média renda como Síria, Líbano, Bósnia, Palestina, Colômbia e Sudão. Ficou comprovado que o ambiente e o clima de tensão, entre diversos fatores físicos, psíquicos e estruturais, colocam a saúde cardiovascular em risco.

Os pesquisadores observaram que o aumento do estresse e da ansiedade devido ao conflito pode elevar a pressão arterial, o que torna essas pessoas mais vulneráveis à ocorrência de infarto e acidente vascular cerebral (AVC).

+ Leia também: “Resiliência tem limites”: a saúde mental na pandemia de coronavírus

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Além do prejuízo físico, a análise também comprovou que o estresse de viver em um contexto de guerra pode agravar ou dar início a comportamentos de risco para o coração, como fumar e ingerir álcool em excesso.

Também foi registrado que o acesso aos cuidados em saúde é amplamente afetado. Muitas vezes, pessoas que fazem uso contínuo de medicamentos vitais (para hipertensão, diabetes ou colesterol alto, por exemplo) ficam impossibilitadas de tomá-los em função da escassez de remédios, bloqueio de vias de acesso e fechamento de hospitais e postos de saúde.

Diante desse cenário, você pode se indagar: tudo isso é muito triste, mas vivo no Brasil, e, como por aqui não estamos em guerra, não estaríamos suscetíveis aos problemas que ora enfrentam a população ucraniana e a de outros países.

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Isso não é verdade, e posso explicar o porquê. Na sua cidade, você já deve ter reparado, seja pela sua vivência, seja pelo noticiário, que existem bairros ou comunidades de maior vulnerabilidade social e mais expostos a violência. Em locais assim, a população encara um risco cardiovascular similar ao dos que vivem em territórios em guerra.

Um estudo publicado pelo Journal of the American College of Cardiology (JACC) mostrou que moradores de áreas com maior criminalidade convivem com mais estresse e possuem mais inflamação nas artérias. Os pesquisadores analisaram, em exames de imagem com os voluntários, a ativação do centro do estresse no cérebro, a região da amígdala, e a captação de fluordeoxiglicose, um marcador da atividade metabólica no coração, indicando que estão mais expostos à ameaça.

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Ou seja, o estresse também é um gatilho para problemas cardiovasculares em qualquer cidadão exposto, direta ou indiretamente, a um ambiente violento. No entanto, os estudiosos constataram que menores níveis socioeconômicos se relacionaram à maior ativação da amígdala e a uma predição independente de maiores taxas dessas doenças.

Tais pesquisas são muito importantes por demonstrar que a violência traz danos à saúde em vários sentidos, e é cúmplice da principal causa de morte no planeta, os eventos cardiovasculares. Todos os esforços para evitar guerras e mitigar outras situações de violência se tornam, assim, uma questão de saúde pública.

* Cláudio Tinoco Mesquita é cardiologista do Hospital Pró-Cardíaco (RJ) e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF)

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