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“Cresci em uma família marcada por transtornos mentais”

No Setembro Amarelo, conheça a história de um jovem que aprendeu desde cedo a importância de cuidar da saúde da mente

Por Rodrigo Goldacker, escritor*
13 set 2024, 10h04
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  • Ainda hoje, ninguém quer falar sobre isso. Às vezes, desconfiam que se trata de alguma performance – um fingir sofrer por atenção. Às vezes, acham que é falta de alguma coisa em particular que eles mesmos já descobriram o que é – de emprego, de algum deus, de tempo ao ar livre, de correr na esteira.

    E no geral, acham que é só desagradável de comentar mesmo. Algo que deveria ser evitado não só como sentimento, mas como assunto. Porque falar sobre é negatividade. Focar no problema, dizem, é parte do problema.

    É assim que se constrói o tabu sobre saúde mental. Uma receita que mistura máximas redutivas, achismos superficiais, experiências pessoais convertidas em regras, a famosa pressão por expressar positividade e uma boa dose de preconceito.

    É bem verdade que tudo carrega nuances. Sim, existe uma cultura de performance e até de romantização do sofrimento mental, principalmente nas redes sociais. Sim, passear ao ar livre e fazer exercícios físicos pode fazer bem para sua cabeça. E sim, tem gente que reclama demais mesmo, o tempo todo e para todo mundo, desconsiderando que o ouvido dos outros não é um penico.

    Mas sim, é verdade também que o sofrimento mental existe. É verdade que se trata de um problema frequentemente complexo que não vai ser resolvido com alguma receita de bolo. E é verdade também que evitar falar sobre isso não ajuda a ninguém.

    + Leia também: Desmistificando a depressão

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    Quebrando o ciclo dos equívocos

    Eu cresci em uma família marcada por transtornos mentais que foram negligenciados durante tempo demais. Na minha linhagem, teríamos todos sofrido muito menos se fossem mais normalizadas a busca por ajuda e as conversas sobre isso.

    Meu avô materno se transformou completamente quando foi fazer terapia – virou outra pessoa, mais feliz e realizada, e conseguiu se rever com uma vida de frustrações e traumas. Mas fez isso só lá para depois dos 50 anos, o que lhe garantiu pouco mais de uma década cuidando de si antes de falecer.

    Minha mãe, que é bipolar, precisou ter crises das mais absurdas até que recebesse um diagnóstico e um tratamento apropriado. E minha avó, com depressão, teve muitas crises depressivas profundas antes de buscar a terapia e a psiquiatria.

    Se tivessem recebido ambas as coisas mais cedo, ao invés da leitura de seus comportamentos erráticos numa perspectiva puramente moralizante, certamente as duas teriam tido vidas muito mais felizes.

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    Eu mesmo, que cresci num ambiente caótico, marcado por essas questões familiares todas, só fui procurar terapia com 19 anos. Antes, passei anos usando daquela distinção comum nas ideias conservadoras dos brasileiros: se eu não era maluco como eram meus parentes, se eu era o único normal, então não tinha motivo para buscar um auxílio desse tipo.

    +Leia também: Quais são os principais tipos de psicoterapia?

    Ter priorizado minha saúde mental aos 19, mesmo que ainda tardio, me deu um diferencial e uma vantagem em relação ao resto da minha família. Consegui notar e começar a corrigir diversos dos meus comportamentos problemáticos ainda na juventude, o que me evitou dores de cabeça lá na frente.

    Eu certamente seria outra pessoa – mais infeliz e sozinha, marcada inclusive por comportamentos destrutivos de uma performance problemática de masculinidade distorcida – não fosse esse movimento que fiz no final da adolescência.

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    Não teria casado, não teria aguentado os perrengues da minha atribulada vida adulta, teria abusado de substâncias a pontos perigosos e teria dificuldades para lidar com as frustrações e desafios do cotidiano, de pagar boletos a lidar com clientes desagradáveis.

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    A conscientização pela fala

    A fala é importante para os processos terapêuticos em pelo menos duas escalas. Do consultório para dentro, é por ela que se dá a tal cura pela fala, na qual articular nossos dilemas e percepções muitas vezes nos ajuda a reformulá-los de maneiras mais produtivas.

    É uma frequente revisão discursiva daquilo que somos e, mais ainda, daquilo que acreditamos ter potencial para vir a ser. Mas essa fala é aquela já mais conhecida, então queria focar na outra. A fala do consultório para fora é aquela que viabiliza a busca por auxílio terapêutico.

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    É também um avanço social e cultural que aos 19 anos eu tenha procurado terapia, algo que certamente teria sido mais difícil para minha mãe fazer no final dos anos 80, em plena ditadura militar, e que seria mais difícil ainda para meus avós quando tiveram 19 anos lá no começo dos anos 70.

    Se eu tiver um filho, espero que ele não acredite nunca em coisas como “psicólogo é coisa de maluco” e que, se ele sentir que precisa, vá cuidar de sua saúde mental o quanto antes.

    Mas isso não vai acontecer numa ilha. Normalizar e expandir as discussões sobre saúde mental, desconstruir os tabus a respeito, democratizar o acesso a tratamentos adequados

    Essa conscientização pela fala depende de um movimento cultural e coletivo, de um esforço para trazer questões mentais para a pauta com as nuances que elas merecem, sem simplificar o que é complexo e nem suavizar o que é grave.

    *Rodrigo Goldacker é escritor, trabalha como redator há sete anos e é Mestre em Comunicação pela Faculdade Cásper Líbero. É autor do recém-lançado Eu Só Existo às Terças-Feiras

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