“Era tudo escuridão”: um câncer após a prótese de silicone
Médica que virou paciente explica como a falta de conhecimento sobre o linfoma secundário à prótese mamária pode atrasar o diagnóstico deste tipo de tumor

Gostaria imensamente que esse relato inspire outras pessoas a nunca desistirem, mesmo quando a busca pela saúde parece perdida.
Durante muito tempo, após ter colocado próteses mamárias de silicone por estética, comecei a apresentar edemas e prurido [inchaço e coceira] frequente na região peitoral. Procurei diversos especialistas — dermatologistas, ginecologistas, cirurgiões plásticos, mastologistas — sempre com muitas inquietações sobre a confiabilidade das próteses, especialmente em relação ao risco de câncer.
Apesar de questionar diretamente sobre possíveis relações e sugerir exames adicionais, como análise do seroma encontrado ao redor das próteses no momento da substituição, todas as respostas que recebi foram negativas. O exame foi, inclusive, dispensado pelo cirurgião. A resistência e a negação por parte dos colegas me surpreenderam profundamente. Ninguém queria abordar o tema.
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Quatro meses após uma revisão ginecológica em que recebi a garantia de que estava tudo perfeito, detectei um nódulo na axila direita. Como sou da área médica, sabia da urgência da situação e imediatamente procurei um mastologista, professor universitário — o que, para mim, representava segurança.
Em apenas 15 dias, após alguns exames, fui submetida a uma cirurgia desnecessariamente extensa. Naquele momento, estava extremamente abalada com o diagnóstico e com os erros acumulados por tantos profissionais.
Troquei toda a equipe médica duas vezes, até que, finalmente, o diagnóstico correto apareceu no CID oficial em 2015. Fui operada em 2011, mas desde 1995 já existiam fortes evidências conectando as próteses mamárias à incidência de linfoma.
Ficou evidente, então, que se tratava de uma doença ainda pouco investigada. Comecei a buscar informações em sites médicos e encontrei a oportunidade de participar de uma pesquisa internacional, o que renovou completamente minhas esperanças. A partir disso, pude personalizar meu tratamento, para o qual ainda não havia um protocolo definido.
Graças ao meu oncologista — com quem compartilhei meu desejo de retribuir tudo que havia recebido através da pesquisa, do acolhimento, da esperança e do diagnóstico adequado — entrei em contato com o Instituto Projeto Cura, do qual hoje faço parte com muito orgulho.
Minha filha, Renata Thormann Procianoy, foi minha grande parceira nessa busca por alternativas. A perdi de forma trágica, mas hoje o troféu Renata Thormann Procianoy, criado pelo Cura, leva seu nome e reconhece anualmente médicos brasileiros pesquisadores que se destacam pela dedicação à ciência e à vida.
Não quero que nenhuma outra mulher passe pelo que passei: ser tratada com descaso, sem apoio, sem escuta, sem saída.
Como médica, sempre valorizei a ciência e a pesquisa como caminhos que nos trazem luz diante dos grandes dilemas clínicos e nos abrem portas para novas possibilidades de tratamento. Quando recebi meu diagnóstico, tudo era escuridão: não havia informação clara, nem perspectiva de tratamento ou prognóstico. Participar daquela pesquisa mudou tudo.
Novos caminhos se abriram. Tive esperança de cura, pude ajudar outras mulheres e mergulhar no estudo de uma patologia recém-descoberta. Direcionei muita energia a isso — e já se passaram 14 anos que, sem dúvida, valeram a pena.
*Nora Jane Thormann é médica e participa das ações do Instituto Projeto Cura