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O Futuro do Diabetes

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Carlos Eduardo Barra Couri é endocrinologista, pesquisador da USP de Ribeirão Preto e criador do Endodebate e do Diacordis. Aqui ele mapeia os cuidados e os avanços para o controle do diabetes

Células-tronco para tratar diabetes: entre a ficção e a realidade

Uma dúvida persiste: quando as pesquisas na área virarão uma realidade e mudarão a vida das pessoas?

Por Carlos Eduardo Barra Couri
4 fev 2025, 08h00
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Pesquisas em células-tronco avançam, mas ainda deixam dúvidas (Ilustração: Paula de Aguiar/Veja Saúde)
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As células-tronco, desde o início dos seus estudos em modelos animais e, mais tarde, em seres humanos, trazem consigo um misto de esperança e frustração. Muita gente enxergou nessa terapia com células capazes de se diferenciar em inúmeras peças do corpo um sinônimo para a cura de uma lista de doenças.

E, diante dos avanços e das limitações encontrados nos experimentos de laboratório e no mundo real, houve quem visualizasse a inovação com uma dose de ceticismo: ela seria mais um tipo de tratamento no horizonte, com seus efeitos positivos, mas também adversos.

Entre o sonho e a realidade, é preciso entender, em primeiro lugar, que nem toda célula-tronco é igual, assim como as doenças não são iguais. Para você se situar melhor nessa história, gostaria de partir da minha experiência como pesquisador na área de células-tronco.

O Brasil é pioneiro nos estudos com células extraídas da medula óssea para o tratamento de distúrbios autoimunes.

Nesse campo promissor, tive a honra de integrar um grupo criado pelo saudoso cientista Julio Voltarelli (1948-2012) na USP de Ribeirão Preto no início dos anos 2000, sendo responsável pelo braço de investigação das células-tronco para o diabetes tipo 1, aquele causado pelo ataque da imunidade ao pâncreas.

+ Leia também: Pesquisa na China reverteu diabetes com células-tronco? Entenda

Nossa estratégia, empregada também em condições como esclerodermia, esclerose múltipla e doenças inflamatórias intestinais, realizamos um “desligamento” do sistema imunológico com altas doses de quimioterapia — tudo em ambiente hospitalar — e, em seguida, religamos o sistema imune a partir de células-tronco retiradas da medula óssea do próprio paciente, infundidas em suas veias para recriar uma imunidade sem os “vícios” da anterior.

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Em nossos testes, divulgados em publicações científicas internacionais, 92% dos participantes com diabetes tipo 1 ficaram livres das picadas de insulina (o tratamento-padrão) numa média de seis anos — a variação foi de seis meses a 14 anos. Vale destacar que eram pacientes com diagnóstico recente, cujo pâncreas ainda conseguia fabricar insulina.

O resultado do nosso trabalho é um dos mais impressionantes no mundo, mas é inegável que ele envolve reações adversas e se destina a um número limitado de pessoas. Tampouco representa a cura definitiva dessa doença autoimune.

A célula-tronco hematopoética, a que utilizamos nas pesquisas, é um pouco mais madura e possui a capacidade de se transformar em células do sangue como glóbulos vermelhos, brancos e plaquetas.

Não é a única carta na manga. Outro tipo investigado pelo mesmo grupo da USP e na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) é a célula-tronco mesenquimal, que, extraída da medula e do tecido gorduroso, tem a capacidade de virar, entre outras coisas, células de osso e cartilagem, mas também carrega propriedades anti-inflamatórias e de modulação da imunidade.

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+ Leia também: A bióloga brasileira que descobriu uma doença rara e influencia o mundo

Ora, parece ser uma célula ideal para tratar o diabetes tipo 1, pois, além de “lutar” contra a autoimunidade de forma menos agressiva do que a quimioterapia, ela pode migrar para o pâncreas e promover um ambiente menos caótico e mais propenso à regeneração.

Contudo, mesmo com todos esses atributos fantásticos na teoria, na prática o efeito não foi tão bom assim. Infelizmente, ainda que apresentassem poucos efeitos colaterais, as infusões tiveram resultados discretos no controle da doença.

Mas e as células-tronco embrionárias? Provavelmente, elas são as mais famosas e faladas. Há muitos anos, descobriu-se como manipulá-las em laboratório para metamorfoseá-las em diversos tipos de células, entre elas as produtoras de insulina. A fonte clássica são embriões vindos de clínicas de fertilização.

Outra fonte de obtenção é transformar, por meio de edição genética, células adultas em unidades embrionárias. Centros de estudo nos EUA, na China e em outros cantos do planeta estão investindo nesse caminho para tratar o diabetes tipo 1. O problema é que não basta injetar milhões dessas células num corpo em que o sistema imune persegue o pâncreas — ele as destruirá.

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Aí a engenhosidade humana entra em campo. Duas linhas de pesquisa se destacam nessa abordagem. Uma delas se baseia no transplante de células convertidas em fábricas de insulina diretamente no fígado, mas envoltas numa cápsula que as protege da imunidade — com isso, não é necessário usar remédios imunossupressores.

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A outra linha, que também evita esses medicamentos, se baseia no transplante de células produtoras de insulina que passam por edição gênica para não expressar sinais que desencadeiam a resposta imune do organismo — “camufladas”, elas não chamam a atenção dele. Estamos aguardando, ansiosos, os resultados dessas duas táticas inovadoras, potencialmente aplicáveis tanto em quadros de diabetes de diagnóstico recente como de longo prazo.

Outras áreas da medicina apostam na grande família de células-tronco para deter doenças desafiadoras ou incuráveis. Recentemente, vimos pacientes com deficiência visual devido a danos na córnea voltarem a enxergar com uma terapia celular. Entre as complicações do próprio diabetes, a retinopatia diabética (outra causa de cegueira) e feridas que não cicatrizam estão na mira dessas células especiais.

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Mas uma dúvida persiste: quando é que essas pesquisas virarão uma realidade e mudarão a vida das pessoas?

Na última nota que publicou sobre o tema, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) registra que até o momento não há nenhum produto à base de células-tronco cultivadas aprovado para uso de rotina. Tudo se restringe a caráter experimental. Por serem produtos biológicos e complexos, a liberação para aplicação clínica e comercial exige uma série de confirmações de segurança e eficácia.

Portanto, desconfie se um consultório aí na esquina promete uma fórmula com células-tronco! Enquanto o futuro não chega, cabe a nós continuarmos nos cuidando e seguindo os tratamentos já aprovados pela ciência. E torcer para que, com todo o rigor necessário, as células-tronco frutifiquem pelo bem da humanidade.

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