Muitos médicos formados, poucos treinados para atender emergências
Apesar de termos cada vez mais médicos formados, porcentagem de especialistas não acompanha o crescimento. Nas emergências, essa lacuna é ainda mais sentida

Anualmente, chegam ao mercado 46 mil novos médicos provenientes das cerca de 500 faculdades de medicina do país.
Existe uma evidente progressão anual de estudantes – em 2018 eram 167.788 e este número foi acendendo até que, em 2024, havia 287.413 matriculados. Só o estado de São Paulo tem 71 escolas, que oferecem 7.964 vagas no primeiro ano de curso.
Dados levantados pela Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp) junto aos órgãos públicos e autarquias mostram que haviam 106.536 profissionais registrados no Conselho Regional de Medicina do Estado (Cremesp) em 2011. Em 2024, o total subiu para 166.415, um crescimento de 56%.
Porém, apesar de mais formados ano a ano, apenas uma parcela opta pela residência médica, aquela que faz do profissional um especialista em determinada área.
Entre 2018 e 2024, enquanto o aumento de alunos de medicina foi de 71,2%, o acréscimo percentual de inseridos nos cursos de especialização foi de 26,4%. Os dados são da Demografia Médica do Brasil, do Conselho Federal de Medicina (CFM).
Os números apresentados corroboram para entender porque mesmo com a alta demanda de novos médicos falta mão-de-obra especializada, principalmente em serviços de emergência. Muito provavelmente, os novos médicos estão se formando, mas não necessariamente buscam se especializar.
+Leia também: O raio X da medicina no Brasil
Enquanto isso, na sala de emergência…
Independentemente de cursar uma residência médica, aqueles interessados em trabalhar em pronto atendimento precisarão de treinamento específico.
Diferentemente desta residência, que forma para uma especialidade e pode levar de dois a cinco anos, muitos cursos que gabaritam para atuar em pronto atendimento duram algumas horas ou dias.
A escassez do material humano para esta função é sentida na pele: sou cardiologista e intensivista e, mesmo depois de 35 anos de formado, ainda faço plantões em finais de semana.
Gostaria de compartilhar esta incumbência com plantonistas mais jovens e aptos a agir em situações de emergência e em salas de unidade de terapia intensiva (UTI). Mas não existe muita oferta de profissionais com este perfil.
Em contrapartida, os prontos-socorros requerem cada vez mais pessoal para a linha de frente: colaboradores preparados para entubar, manusear vias aéreas, ministrar droga vasoativa e interpretar eletrocardiograma, entre outras habilidades.
Cursos para emergências cardiovasculares
A Socesp é uma das entidades de classe que mais se preocupa com a formação e reciclagem de médicos e demais colaboradores da saúde. Uma das iniciativas em prol da capacitação foi a criação, em 2002, de seu Centro de Treinamento em Emergências.
O departamento conta com instrutores habilitados de acordo com as diretrizes da AHA (American Heart Association), organização norte-americana dedicada à luta contra doenças do coração.
Sediado na matriz da Socesp, na avenida Paulista, em São Paulo, o centro dispõe de tecnologias avançadas, metodologias internacionais e outras desenvolvidas na própria entidade.
Entre as aulas oferecidas – presenciais e on-line – o Curso de ACLS – Suporte Avançado de Vida em Cardiologia, destinado ao atendimento de vítimas de parada cardiorrespiratória ou que apresentam eventos cardiovasculares, como arritmias, infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral (AVC).
O treinamento é baseado na simulação de situações reais em estações práticas, nas quais é possível aprofundar competências como líderes ou membros de uma equipe de atendimento de alto desempenho.
Médicos devidamente capacitados são imprescindíveis diante de uma situação extrema, quando não há tempo a perder: é neste momento que o preparo e a segurança destes profissionais de saúde fazem a diferença entre a vida e a morte.
*Agnaldo Piscopo é cardiologista, intensivista e diretor da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp)