De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 8,5 milhões de mulheres morrem, anualmente, em decorrência de problemas no coração no planeta.
Mas nem esse dado alarmante nem o fato de sermos 40% da população com incidência de doenças cardiovasculares (as DCVs) nos dá representatividade nos chamados ensaios clínicos.
Ensaios clínicos são pesquisas conduzidas em seres humanos com o objetivo de descobrir ou confirmar efeitos clínicos e farmacológicos de medicamentos e tratamentos em experimentação.
Eles servem também para identificar qualquer evento adverso, bem como estudar a absorção, distribuição, metabolização e excreção do fármaco.
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Mas, geralmente, os indivíduos inscritos nos ensaios controlados randomizados de doenças cardiovasculares não refletem fielmente quem convive com essas patologias.
Mulheres, idosos, crianças, negros, indígenas e moradores de países de baixa e média rendas normalmente aparecem pouco nessas pesquisas.
Portanto, as estimativas do efeito das terapias cardiovasculares são derivadas de evidências constatadas em um público específico, formado normalmente por homens brancos sem comorbidades complexas, o que certamente limita as conclusões.
No meio acadêmico e científico, existe a constatação de que há mesmo uma inclusão feminina aquém do ideal nos ensaios clínicos de problemas cardiovasculares.
Para ter ideia, no intervalo de quase duas décadas (2000 a 2019) não houve mudanças significativas, e a participação delas não passou dos 25%.
Assim, conclui-se que decisões de tratamento para doenças cardiovasculares em mulheres são tomadas com base na extrapolação dos dados de ensaios com uma grande proporção de homens de meia-idade.
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Dessa maneira, são desconsideradas diferenças da fisiopatologia feminina, dos fatores de risco característicos desse grupo e do metabolismo das drogas em doenças coronarianas no sexo feminino.
E essas respostas são relevantes tanto para medicar como para planejar intervenções médicas e cirúrgicas, incluindo implantes de dispositivos cardíacos ou vasculares, revascularização coronária, substituição de válvula e ablação de arritmia.
Mas por que isso acontece mundialmente?
O European Heart Journal – periódico médico de cardiologia publicado pela Oxford University Press em nome da Sociedade Europeia de Cardiologia – já discutiu possíveis razões para a menor inclusão de mulheres e outros voluntários nos ensaios clínicos.
O gênero e a região geográfica de quem coordena o trabalho de pesquisa têm relação com a composição dos grupos.
Observou-se ainda que, em ensaios cujos líderes são homens, as mulheres são minoria.
Em contrapartida, quando existe pelo menos uma mulher na liderança, a proporção feminina dobra.
A importância da inclusão
Esse cenário precisa mudar para melhorar as evidências, reduzir as lacunas de conhecimento e fazer com que as indústrias de testes cardiovasculares funcionem como veículo de combate às desigualdades no que se refere aos cuidados de saúde.
Para isso, pesquisadores sugerem algumas estratégias.
Em primeiro lugar, o recrutamento deve ser planejado para promover a diversidade, de maneira que os participantes representem verdadeiramente aqueles que convivem com a doença, garantindo eficácia e segurança dos tratamentos generalizáveis, mas com critérios técnicos.
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Vale lembrar ainda que a capacitação e a diversidade de quem está à frente dos ensaios são fundamentais nessa etapa de formação de times mais equilibrados.
As plataformas digitais são outras ferramentas para mudar essa realidade.
Elas contribuem para a seleção e o acompanhamento pós-inclusão de forma remota.
Assim, pessoas que tenham o perfil para o ensaio clínico, mas não têm disponibilidade para deslocamentos, não ficam de fora, sendo monitoradas virtualmente.
Outro ponto importante é a interação das famílias. Uma vez cientes da importância dos processos, os familiares tendem a contribuir para a tomada de decisão dos participantes em potencial.
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O reembolso de despesas com transporte e alimentação, a oferta de valores para creche ou cuidadores durante o período dos ensaios e os horários flexíveis também configuram estímulos para o engajamento de mulheres e de outros grupos.
De fato, a formação de uma rede positiva que faça dos ensaios clínicos um retrato mais fiel da sociedade promove um verdadeiro ganha-ganha: ganha a indústria farmacêutica, que tem a chance de produzir com mais assertividade e segurança, e ganha a sociedade, que terá acesso a medicamentos cada vez mais eficientes, criando uma cultura de justiça em saúde cardiológica.
O tema é tão relevante que ao longo do mês de maio a SOCESP promoverá uma campanha para empunhar essa bandeira.
Hoje, 14 de maio, no Dia Nacional de Conscientização sobre Doenças Cardiovasculares na Mulher, será possível acompanhar postagens em mídias sociais, entrevistas e informações no site www.socesp.org.br.
Maria Cristina Izar é cardiologista, diretora da SOCESP e professora livre-docente de Cardiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)