Pandemia quadruplicou o número de “corações partidos”
O estresse emocional e físico dos últimos anos pode ter sido responsável pelo aumento significativo de diagnósticos da síndrome de Takotsubo

Uma doença que impacta predominantemente mulheres (90,5% dos casos), na faixa dos 70 anos, e que se quadruplicou após a pandemia de covid-19. Estamos falando da síndrome do coração partido ou síndrome de Takotsubo, condição cardíaca que tem ganhado atenção especial nos últimos anos.
Nos Estados Unidos, de acordo com um levantamento da Cleveland Clinic, a incidência saltou de 1,5% – 1,8% para 7,8% entre março e abril de 2020.
Os mecanismos da doença são complexos, e podem envolver a super ativação do sistema nervoso simpático (o que funciona “no automático”), resultando em níveis elevados de hormônios e neurotransmissores que controlam o sistema nervoso central, causando um mau funcionamento do coração.
Estima-se que a síndrome seja responsável por até 2% das ocorrências investigadas como síndrome coronariana aguda (SCA). Há muita semelhança com infarto e a diferenciação utiliza exames como a angiografia coronária.
Os pacientes geralmente se queixam de dor torácica súbita e intensa, dispneia (dificuldade em respirar), tontura, problemas gastrointestinais (incluindo dor de estômago e perda de apetite) e alterações eletrocardiográficas que mimetizam um infarto agudo do miocárdio, mas sem obstruções coronárias significativas.
O impacto maior sobre o sexo feminino é atribuído a fatores hormonais e sociais: via de regra, mulheres assimilam e respondem ao estresse emocional de forma mais aguda que os homens.
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Apesar de a doença ser reversível, segundo estatísticas, há chances de lesões graves, sendo fatal em 10% dos casos, normalmente quando não é possível o socorro adequado em tempo hábil.
Coração partido pós-covid
Na pandemia de covid-19, estudos apontam que o aumento de casos da síndrome pode ter sido uma consequência do estresse físico e emocional causado pelo quadro viral e pela resposta inflamatória.
Pessoas com covid que desenvolvem Takotsubo frequentemente apresentam dispneia e elevação de marcadores cardíacos. O reconhecimento de Takotsubo como provável complicação da infecção pelo coronavírus contribui para a avaliação e tratamento, especialmente daqueles com sintomas cardíacos, enfatizando a necessidade de um monitoramento cuidadoso e uma abordagem multidisciplinar no manejo.
Há um episódio estudado de Takotsubo no Paquistão cujo paciente masculino foi primeiramente diagnosticado com dengue grave. Mesmo sendo uma situação isolada, há uma sinalização sobre doenças infectocontagiosas que podem desencadear este tipo de cardiomiopatia.
No Brasil, a correlação de aumento de diagnósticos ligados à pandemia foi apurada e analisada pelas integrantes do Socesp Mulher, da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo. Este grupo de cardiologistas fomenta ações e campanhas para conscientização sobre patologias cardiovasculares que acometem com mais prevalência o sexo feminino.
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Estresse emocional como causa?
A doença também ficou conhecida como “coração partido” porque entendia-se que havia uma ligação entre um pico de estresse emocional ou físico derivado de alguma situação aguda – um grande susto, uma notícia ruim, um acidente e até uma desilusão amorosa – e Takotsubo.
E a síndrome justamente pressupõe que ocorra uma descarga de adrenalina que promova o estreitamento das artérias que irrigam o coração, modificando, mesmo que temporariamente, o funcionamento do músculo cardíaco.
Porém, trabalhos mais recentes, como o Registro Multicêntrico de Takotsubo (REMUTA) – Aspectos Clínicos, Desfechos Intra-Hospitalares e Mortalidade a Longo Prazo provou que não é bem assim. Segundo o estudo, o estresse emocional foi encontrado em apenas 38% dos casos.
Já para o InterTAK Diagnostic Score, ferramenta desenvolvida para ajudar a diferenciar a Síndrome de Takotsubo e a síndrome coronariana aguda – e que resultou no maior registro de Takotsubo já publicado –, a taxa de estresse antecedendo os sintomas foi de apenas 27,7%.
Isso prova que a ausência de um fator emocional precedendo o quadro clínico não exclui o diagnóstico.
Outra ideia preliminar que parece não se sustentar mais é sobre se tratar de patologia benigna. Principalmente no subgrupo de Takotsubo secundário – cujos pacientes têm condições médicas preexistentes ou que estão sob tratamento para outras doenças – isso não é verdade. Junto a este público há sim elevada taxa de complicações e mortalidade.
Os meios de prevenção dessa síndrome não são diferentes das atitudes que precisam ser tomadas para afastar a grande maioria das doenças cardiovasculares, com alimentação saudável, exercício físico na rotina, controle de diabetes e pressão arterial, além de atividades ou medicações para suporte da ansiedade e depressão, quando necessárias.
E é sempre importante lembrar que manifestações cardiovasculares nunca devem ser negligenciadas.
*Nina Azevedo e Maria Teresa Bombig são cardiologistas da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp) e integrantes do Socesp Mulher, grupo que fomenta ações e campanhas de conscientização sobre doenças cardiovasculares que acometem mais as mulheres