É cada vez mais frequente recebermos nos consultórios psiquiátricos pessoas com um histórico de belas conquistas e realizações no âmbito acadêmico e de trabalho, mas, que, por um elevado senso de autocrítica e autocobrança, não conseguem fruir do legítimo reconhecimento seus feitos e se sentirem apropriadas dos resultados obtidos.
Nomeamos síndrome do impostor (ou da impostora) essa armadilha do pensamento. São pessoas que definem seus padrões de trabalho e entrega com perfeccionismo, muitas vezes com elevado custo emocional, e que penam para ouvirem dos outros, e ainda mais de si mesmas, um retorno positivo.
Sentem-se como se um golpe de sorte as tivesse ajudado, como se a tarefa realizada não tivesse sido tão elaborada ou que o resultado tenha sido medíocre, mesmo quando todas as vozes repetem o contrário.
Como um espelho que inverte a imagem, sentem constantemente o revés do elogio, retrogosto amargo do temor corrosivo da autoestima, de que serão descobertas e ostracizadas como impostoras, como aquela que ludibriou os outros para obter o que logrou.
E não importa o que se lhes diga, estarão continuamente revisando mentalmente se não há um furo, um defeito, um arremate mal elaborado que produzirá a rachadura que terminará por fazer ruir o falso castelo que os outros supuseram tão imponente. Por vezes, esse temor é tão paralisante que a autodepreciação se torna autossabotagem.
A síndrome do impostor não é uma entidade clínica em si, como um diagnóstico psiquiátrico, mas se apresenta muito comumente na nossa prática cotidiana, ainda mais hodiernamente, com o aumento expressivo dos reconhecimento das condições neurodivergentes.
Adultos (e crianças) autistas, com transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e portadores de altas habilidades/superdotação, são especialmente vulneráveis a esse padrão de comportamento, pelo seu senso de autovigilância e perfeccionismo exacerbados. Contudo, é importante ressaltar que a síndrome não é exclusiva dessa população.
Outros aspectos das neurodivergências podem intensificar essa percepção distorcida de si, como se tivessem perdido o registro do esforço realizado, e, sem esse lastro, não pudessem explicar para si mesmas como foi que alcançaram o desfecho, celebrado pelos outros, menos por ela mesma.
Como alguém que carrega um lampião que só ilumina um halo muito curto de tempo e não consegue enxergar o caminho percorrido: uma espécie de miopia temporal. Podemos observar nessas pessoas também uma grande dificuldade em ouvir elogios sobre sua aparência física. Percebem-se deformadas, feias, defeituosas: a dismorfia corporal.
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Reconhecer essas questões é meio caminho andado para que um cuidado consigo possa se estabelecer. Assim, a pessoa pode zelar para que não seja capturada pelos conteúdos desses pensamentos, mas que reconheça quando eles se instalam e compreenda a forma que esse modo de se autoflagelar assume.
Assim, podem tentar alimentar menos esse monstro faminto, que, de outro modo, continuará perseguindo o dono que o nutrir.
A índole de impostor
Surtiria efeito apontar para essas pessoas que o mundo já está cheio de impostores que são muito diferentes dela?
Pessoas que tencionam propositadamente prevalecer sobre os outros e impor sua (falsa) lógica. Pessoas que mentem, falsificam, distorcem e burlam regras e acordos, que não respeitam limites, nem éticos, nem sanitários, nem geográficos.
A lista é extensa e pode começar com os produtores e propagadores de falsas notícias, camuflados de arautos da liberdade de expressão. Temos os negacionistas climáticos, que, ocupando lugares de decisão, atrasam a construção de um mundo mais resiliente e sustentável.
Não podemos deixar de citar os incendiários por trás das recentes queimadas, que têm coragem de queimar a própria terra que lhes dá o de comer e cometem crime de lesa-pátria. Para não citar criminosos de guerra e abusadores disfarçados por trás da figura bem vestida de líderes de estado, religiosos ou gurus.
A síndrome do impostor não se confunde com a verdadeira índole do impostor, essa persona que reina no caos e na desordem que ela mesmo produz, e que manifesta sua impostura a partir das falsas promessas, da insolência, da intolerância, do cinismo, da arrogância, da soberba, do escárnio e da violência…
Cuidar da própria saúde mental não se limita somente a reconhecer as questões internas que nos afligem, como se fossem idiossincrasias e caprichos da natureza, mas também inclui reconhecer os males que atravessam nossos tempos e nos colocarmos muito claramente contrários a eles.
Assumirmos uma postura diante dessa impostura. Tenhamos isso em mente nesse mês de eleições e no resto da vida.