O que acontece com o ser humano quando ele se deixar capturar pelo grotesco? Que parte de nós não consegue deixar de se interessar por pessoas e situações violentas e absurdas?
Tomemos a política como exemplo. Entre despautérios esbravejados, violência física em TV aberta, descaso pela dor alheia em meio a pandemia, perguntamo-nos: por que é tão difícil deixar de entregar as atenções e os holofotes a figuras tão abjetas? Como eles conseguem sequestrar pautas e se tornarem o centro das atenções com tanta coisa mais importante a ser feita e debatida?
O nosso fascínio pela morte — nem sempre algo consciente — ajuda a explicar isso. Ele cumpre uma função importante de realização das nossas violências e dos nossos absurdos.
A morte, de fato, sempre ocupou lugar privilegiado em alguns dos principais eventos promovidos pela humanidade, desde os espetáculos punitivos dos suplícios, das fogueiras e das guilhotinas, passando pelos antigos torneios romanos, com seus leões, gladiadores e sangue derramado até o famoso Touro de Bronze, do século VI a.C.
+Leia também: Cérebro antigo, mundo moderno
O testemunho da morte mobiliza sempre. Ela se apresenta logo no início de muitas das histórias infantis mais clássicas. Diante da morte, real ou simbólica, somos todos quase sempre muito vulneráveis. Difícil não sermos capturados quando vemos algo que prezamos, como o bom debate ou a democracia, morrerem diante de nós.
Mortes anunciadas através da perplexidade que se abate sobre nós a cada fala absurda, provocação baixa, ataque infantil ou notícia falsa difundida por esses que erguem fileiras contra o debate civilizado, propositivo e construtivo, dilacerando as regras que organizam a vida e o convívio social, anunciando a morte da política.
Freud mostra que, em nosso psiquismo, a morte se faz presente através de impossibilidades e contradições. Impossibilidades porque ela não encontra sua representação no inconsciente. Cabe dizer ainda que, no campo inconsciente, sustentamos a fantasia da imortalidade.
Porém, ao mesmo tempo e de forma contraditória, uma das forças constitutivas do inconsciente é, justamente, o nosso impulso para a morte – pulsão de morte como Freud a denominou.
Nossos impulsos amorosos não são opostos aos destrutivos. No psiquismo, cada uma destas tendências, amorosidade ou agressividade, vida e morte, possuem “origem” e “vida” própria. Entender que mesmo uma pessoa muito boa é capaz de sentir raiva e fascínio pelo absurdo ajuda a explicar por que até quem não compactua com discursos violento acaba comentando, assistindo e, em muitos níveis, se conectando com esse tipo de gente.
Não estamos mais nos tempos do Coliseu romano, mas o milênio não refreou nossos impulsos agressivos. Hoje, a barbárie extrapola a dimensão da morte física, alcançando também uma morte simbólica, que arrasta consigo a nossa capacidade de dialogar e sustentar uma vida política.
+Leia mais textos da coluna Relações Simplificadas
Os facínoras da política aglutinam a raiva suspensa no ar, atualizando a possibilidade da morte do outro não como o fim de tudo, mas como promessa do fim de um sofrimento, como ocorre com os suicidas. O que fascina é aquilo que atrai, não importa se é belo ou mórbido.
E, como moscas atraídas pela lâmpada, seguimos amando ou odiando, mas sempre atraídos, falando e dando voz a esses carrascos simbólicos da vida social e política.