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Saúde é pop

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Tá na internet, tá na TV, tá nos livros... tá no nosso dia a dia. O jornalista André Bernardo mostra como fenômenos culturais e sociais mexem com a saúde — e vice-versa.
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Livros e filmes para refletir sobre a pandemia

A literatura e o cinema já se debruçaram bastante sobre epidemias (reais ou imaginárias). O que essas obras nos revelam em tempos de coronavírus

Por André Bernardo
Atualizado em 23 abr 2020, 12h45 - Publicado em 21 mar 2020, 09h33
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  • Sete séculos depois, a peste negra continua sendo uma das epidemias mais letais da história. De 1333 a 1351, 50 milhões de pessoas morreram da doença — causada pela bactéria Yersinia pestis e transmitida pela pulga de roedores — em países da Europa e da Ásia. Em seu auge, relatam historiadores, não havia sobreviventes em número suficiente para sepultar os mortos.

    O que fizeram? Passaram a cremar seus corpos. Já naquela época, as autoridades recomendaram a quarentena como antidoto à disseminação da doença. Por quarenta dias, os infectados deveriam permanecer isolados dos demais para evitar o contágio.

    Depois da peste negra, ainda enfrentamos a gripe espanhola (1918), com uma estimativa de mortos comparável à da catástrofe medieval. E, agora, ainda que os números nem se comparem — e, se tudo der certo, serão bem mais baixos mesmo — encaramos a pandemia do coronavírus, causador da Covid-19. Não é à toa que ataques de doenças infecciosas tenham marcado, há séculos, nosso imaginário.

    Escritores dos mais diferentes gêneros e estilos, como a inglesa Mary Shelley, de O Último Homem (clique no link para saber mais e comprar), de 1826; o americano Edgar Allan Poe, de A Máscara da Morte Rubra (1842), e o colombiano Gabriel García Márquez, de O Amor nos Tempos do Cólera (1985), descreveram os horrores de uma epidemia.

    Um dos pioneiros foi Daniel Defoe (1660-1731). Em Um Diário do Ano da Peste (1722), o inglês relata o episódio que devastou Londres em 1665 e dizimou 100 mil pessoas. O desespero era tanto que, na falta de um tratamento eficaz, as pessoas recorriam às mais estapafúrdias profilaxias, como mastigar tabaco ou amarrar noz-moscada ao pescoço. Com medo da contaminação, muitas famílias se trancaram em casa. Outras tantas fugiram às pressas.

    A família do comerciante James Foe, o pai de Daniel, é uma das que debandaram da capital britânica. Caso contrário, é provável que o garoto, então com 5 anos, não tivesse sobrevivido para escrever, aos 59, um dos clássicos da literatura universal, Robinson Crusoé (1719).

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    Da Inglaterra do século 17 para a Argélia do século 20. Foi lá, na cidade de Orã, que o Albert Camus, prêmio Nobel de Literatura de 1957, ambientou o romance A Peste (1947). O flagelo teve início quando, sem motivo aparente, milhares de ratazanas começam a fugir dos esgotos e a invadir as ruas. Logo, seus habitantes começam a cair doentes e, dali a poucos dias, a definhar até a morte.

    Para evitar a disseminação da peste, as fronteiras foram fechadas. Quem estava fora não podia entrar e quem estava dentro era proibido de sair. Em carta enviada ao filósofo francês Roland Barthes (1915-1980), em 11 de janeiro de 1955, Camus admitiu que A Peste tinha forte conotação política. Publicado logo depois do fim da Segunda Guerra Mundial, era uma alegoria da ocupação alemã em Paris, onde o autor vivia na época, e representava, em suas palavras, “a luta da resistência europeia contra o nazismo”.

    Premonição ou coincidência?

    Na era do Covid-19, a obra-prima de Camus voltou a ser procurada em sebos e livrarias do mundo inteiro e já está entre os cinco mais vendidos da Amazon no gênero “ficção literária”. Fenômeno semelhante ocorreu com The Eyes of Darkness (1981). Já houve quem afirmasse que o autor da obra, o americano Dean Koontz, teria “previsto” a pandemia de coronavírus.

    No livro, inédito no Brasil, Koontz batizou um vírus letal e altamente transmissível de Wuhan-400. Isso mesmo, o nome da capital da província de Hubei que, entre o fim de 2019 e o início de 2020, se tornou o epicentro da transmissão mundial do coronavírus. Na versão original da obra, o nome da “arma biológica” era Gorki-400 e tinha sido desenvolvida em um laboratório ultrassecreto da antiga União Soviética. Por razão desconhecida, Koontz mudou o nome do vírus, de Gorki-400 para Wuhan-400, em 1989.

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    E, por falar em coincidências, o que dizer do filme Contágio (2011), dirigido por Steven Soderbergh? Na trama, roteirizada por Scott Z. Burns, uma executiva americana, interpretada por Gwyneth Paltrow, viaja para a inauguração de uma fábrica na China. Lá, é infectada por um vírus misterioso depois de cumprimentar um chef de cozinha, o “paciente zero”, que não higienizou as mãos depois de preparar um leitão contaminado.

    Dali por diante, a mulher passa a transmitir a doença para outras pessoas: um garçom de Hong Kong, uma modelo da Inglaterra, um empresário do Japão… Em poucos dias, o que parecia ser um surto se transforma em epidemia e, em poucos dias, ganha proporções mundiais.

    Para criar o fictício MEV-1, o roteirista Scott Z. Burns se baseou em três vírus reais: o Nipah, a Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars, na sigla em inglês) e a gripe espanhola. Não bastasse, ainda dissecou o livro A Próxima Peste (1995), da escritora Laurie Garrett, conversou com epidemiologistas e visitou a sede do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, em inglês), que fica em Atlanta (EUA).

    A certa altura do filme, a médica Erin Mears, vivida por Kate Winslet, recomenda a prática de lavar as mãos com água e sabão como medida de prevenção. “Uma pessoa toca o rosto, em média, de 2 a 3 mil vezes ao dia”, explica a infectologista. “Quando estão acordadas, de três a cinco vezes por minuto”. Conselho que pode ser importado da ficção para os dias atuais.

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    “Mantenham-se calmos!”

    Outro livro sobre surtos e epidemias que ganhou as telas do cinema foi Ensaio Sobre a Cegueira (2008), adaptado por Fernando Meirelles a partir do romance homônimo de José Saramago. Diferentemente de Contágio, a infecção misteriosa descrita em Ensaio sobre a Cegueira (1995) não causa febre, tosse ou convulsão. Mas, sim, uma “treva branca”.

    Aos poucos, os habitantes de uma cidade, um por um, vão perdendo a visão. Por medida de precaução, o governo decide confinar os infectados em um manicômio abandonado, onde são obrigados a reaprender a viver em sociedade. Nessa hora, o Nobel de Literatura de 1998 mostra do que as vítimas da “cegueira branca” são capazes para sobreviver em um território inóspito. “Se não formos capazes de viver inteiramente como pessoas, façamos tudo, ao menos, para não viver inteiramente como animais”, escreve o autor português.

    No começo de março, o escritor Stephen King postou uma mensagem no Twitter: “Não, o coronavírus NÃO É como ‘A Dança da Morte’. Nem de longe”. O escritor se referia a um de seus livros mais famosos, o apocalíptico A Dança da Morte (1978), que conta a história de um grupo de pessoas que, depois que uma supergripe fabricada em laboratório se alastra pelo planeta e dizima 99% da população, precisa unir forças para recomeçar do zero.

    A inspiração para escrever sua versão para o fim do mundo veio em 1974, quando assistiu a uma edição do programa 60 Minutes, da rede CBS, sobre armas químicas e biológicas. No tuíte postado no último dia 9 de março, o homem que ganha a vida espalhando o medo procurou tranquilizar seus leitores: “É possível sobreviver (ao coronavírus). Mantenham-se calmos e tomem as precauções necessárias”.

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