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Sextou com a doutora

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De médica para paciente (e vice-versa). Neste espaço, a mastologista e cirurgiã oncológica Fabiana Makdissi, uma das maiores autoridades em câncer de mama no país, compartilha seus conhecimentos, vivências e reflexões sobre a saúde da mulher.

O que é cura para você?

A partir de seu próprio relato, mastologista explica que estar curado nem sempre significa estar livre de doença

Por Fabiana Makdissi
10 jan 2025, 11h35
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Medicina e a espiritualidade nasceram juntas (Foto: vecstock/Freepik/Divulgação)
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Para nós, médicos, curar nossos pacientes pode significar muitas coisas.

Para o cirurgião, a “cura” acontece ao realizar uma operação bem-sucedida. Para o clínico, ela ocorre quando a prescrição de um medicamento leva à melhora do sintoma. Já para o psiquiatra, ela é uma questão psíquica resolvida.

No entanto, quando trabalhamos com oncologia, a tão desejada cura parece ser mais complexa. Como considerar um paciente curado do câncer? Você já deve ter ouvido falar que cura é só depois de 5 anos sem qualquer sinal do tumor. Também aprendi assim na faculdade… mas será que é só isso?

Meu pai teve câncer de estômago quando eu estava no segundo ano de Medicina, e percebia sua angústia “esperando e desejando” que os 5 anos passassem logo, para somente então dizer: estou curado.

Foi vivendo e convivendo com pacientes oncológicos, depois desta experiência familiar, que passei a entender que a tão sonhada cura é algo subjetivo, pessoal e que pode ser experenciada até mesmo por um paciente com doença incurável.

Na capa da revista VEJA SAÚDE do mês de dezembro de 2024, a manchete foi: Entre a fé e a ciência, e essa foi a deixa para que eu iniciasse este ano de 2025 com uma mensagem de esperança, por meio do relato de uma experiência incrível que vivi no ano de 2024.

Sou mastologista, e convivo diariamente com pessoas, principalmente mulheres, que receberam o diagnóstico de câncer de mama em algum momento de suas vidas.

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A maioria delas são curadas da doença. Como mostram dados publicados no Observatório do Câncer do A.C. Camargo Cancer Center, 92% das mulheres que tratamos na instituição entre 1990 e 2020 estavam vivas e sem doença 5 anos após o diagnóstico. Os diagnósticos estão cada vez mais precisos, os tratamentos mais eficazes, e ano a ano, aumenta a oportunidade de realizar diagnósticos mais precoces e curativos.

Mesmo para as pacientes que porventura recebam o diagnóstico em uma fase mais tardia, já com doença dita incurável pela Medicina, existem novos tratamentos que trazem esperança.

Outro trabalho, também publicado pelo meu grupo do A.C. Camargo, identificou que 40% das mulheres que receberam o diagnóstico de câncer de mama já metastático estavam vivas, em tratamento e convivendo com a doença após os 5 anos referidos nos livros.

+Leia também: Imunoterapia prolonga vida de mulheres com o câncer de mama mais agressivo

Por isso é tão difícil definir cura quando falamos sobre câncer de mama. Se levarmos o significado da palavra ao pé da letra, como ausência de doença, o que dizer das pessoas que convivem com ela em tratamentos contínuos, e que vivem felizes “apesar” do diagnóstico?

Minha própria jornada

No início do ano de 2024, o Dr. Daniel Buttrus, médico mastologista e meu amigo, me fez o seguinte convite:

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— Fabi querida, tive uma ideia que gostaria de compartilhar com você. Eu e Dr. Carlos Ruiz [outro médico mastologista] pensamos em fazer um “Caminho de Cura”. A idéia é ter médicos e pacientes, caminhando lado a lado no conhecido caminho da fé, no interior de Minas e São Paulo, em direção ao Santuário de Aparecida no mês de outubro [nosso Outubro Rosa]. Você pode escolher ir como médica ou como paciente, e topando, gostaria que indicasse mais pacientes para estarem conosco.

Foi especial desde o começo, porque eu já tinha feito uma peregrinação em 2016, pelo Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha. Na época, foram 311 kilômetros caminhando ao lado do meu marido, num momento de desafio pessoal, pois tinha acabado de iniciar minha jornada de liderança da Mama do A.C. Camargo.

Eu ainda não sabia, mas, além do Caminho me preparar para a liderança, senti claramente que ele também me preparou para lidar com meu próprio diagnóstico de câncer de mama, que viria dois anos depois, em 2018.

Portanto, eu não tinha dúvida de que o convite do Daniel me levaria a mais descobertas incríveis e, sem muito pensar, aceitei participar como médica. Pouco tempo depois, o grupo se formou com 5 mastologistas, 12 pacientes, além de educador físico, nutricionistas, jornalistas e assessoria de trilha. O grupo final tinham 27 pessoas.

Foram 4 dias de caminhada muito intensos em um percurso de mais de 115 km. Iniciamos a jornada caminhando perto daqueles que já conhecíamos, mas, a cada passo, novas histórias e novas pessoas eram apresentadas a cada um de nós.

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Ouvi dizer certa vez que peregrinar é rezar com os pés, e foi exatamente assim que, passo a passo, fomos construindo laços, contando histórias e compreendendo que o processo de cura não é de uma doença, mas um processo diário de vida.

Não fez diferença entre nós saber quem teve um câncer inicial, quem teve um câncer avançado, quem teve acesso ao tratamento desde o princípio. Também não fez diferença caminhar ao lado do amigo ou da amiga de longa data e, por mais que a trilha escolhida para caminhar tenha sido de uma religião específica, entre nós a religião não foi o tema central do Caminho, visto que não tínhamos somente católicos.

Todas aquelas pessoas, independentemente de serem médicos ou pacientes, traziam no coração algo “não resolvido”, uma dor, uma dúvida, um questionamento, uma marca, uma ferida aberta. Ao caminharmos juntos por tanto tempo, sob Sol escaldante, com bolhas nos pés e pouco tempo para a recuperação do corpo, percebemos que somos protagonistas de nossa própria jornada.

Que escolhemos a cura do corpo através da cura da alma, e que viver “a cura” não significa estar isento de doença, dor, dificuldade ou desafios.

Os longos trajetos eram sempre recheados de conversas profundas, que, vez ou outra, eram interrompidas por uma prece, uma cantoria de felicidade ou de emoção.

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As pausas eram muito necessárias: para água, para comida, para observar a paisagem, para passar uma boa camada de vaselina nos pés, ou para rezar, sempre sentados no chão ou nos banquinhos improvisados pela equipe de assessoria especializada Natrilhas, que acompanhou o grupo o tempo todo.

À semelhança do que ocorre durante o tratamento oncológico, quem caminhava sentia sua própria dor, cuidava de sua própria mochila, era responsável pelos seus próprios passos, mas em hipótese alguma se via só. Sempre uma mão amiga empurrava na subida, segurava na descida, enxugava as lágrimas no lamento ou simplesmente oferecia um abraço para confortar o momento difícil.

+Leia também: Câncer: a vida no centro de tudo

Além de nós, levamos conosco muitas outras pessoas! Antes de partirmos, fizemos uma “campanha” pedindo cartas para quem desejasse levar um pedido ou um agradecimento à Nossa Senhora Aparecida. Recebemos inúmeras delas, levadas conosco em 3 mochilas que eram rodiziadas entre os membros do grupo.

A entrega destas cartas representou muito para cada um de nós. Pacientes que carregaram a mochila se sentiram um pouco médicos de outras pacientes, e médicos que deixaram vários de seus próprios pacientes nestes dias de peregrinação puderam sentir a presença contínua de cada um deles consigo.

Outro momento que foi muito marcante para mim foi uma visita ao Mosteiro na cidade de Campos do Jordão. Fomos em busca de apoio e carinho. Assim como pessoas vão em busca de cuidados quando entram em um hospital e, muitas vezes, nós médicos sentimos que mais somos cuidados por nossos pacientes que eles por nós, as freiras em um determinado momento nos disseram que nossa passagem por lá eram a resposta de Deus às suas preces… Quem cuida de quem, afinal?

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Por fim, senti que esta caminhada representou o próprio processo de cura da vida. As doenças são vividas por cada um de nós, e neste processo, o autocuidado e o suporte dos médicos se fazem necessários diariamente. Orientamos o que estudamos nos livros, fazemos nosso melhor, mas o processo de cura está muito além da cirurgia, do remédio ou da terapia.

O caminho é longo, duro, desafiador, mas ao mesmo tempo incrível, pessoal e único.

A vida é preciosa demais para desperdiçar seu tempo em conceitos ou esperas sem sentido. A vida é um caminhar contínuo, é o passo dado hoje e agora, com firmeza, com amor, e esperança. Independente do fim, é o Caminho que importa.

Neste ano que se inicia, dêem passos firmes ao lado de quem respeita sua história, quem ouve seus lamentos e suas felicidades. Abrace quem precisa, busque sua cura pessoal no que é mais sagrado para você e seja feliz com o caminho que está trilhando.

E seguem aqui algumas dicas finais de quem convive diariamente com os temas câncer, vida, finitude, vulnerabilidade, escolhas.

Aos pacientes: sejam parte do seu próprio processo de cura e lembre que ela nem sempre é mensurada em um exame de sangue ou de imagem.

Aos médicos: sejam parte do processo, mas saibam que cura não é só o que você aprendeu nos livros. Caminhe ao lado de seus pacientes, ouça suas dores, e cure suas feridas visíveis e invisíveis. Isso é ser médico.

Um 2025 abençoado para todos nós, e um agradecimento especial a todos os meus parceiros de peregrinação, que foram parte do meu próprio processo de cura pessoal em 2024.

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