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O repórter André Biernath desenterra o passado e vislumbra o futuro da arte (e da ciência) da Medicina
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O Prêmio Nobel de Medicina que o Brasil merecia ter ganhado

Expert que descreveu a doença de Chagas foi ignorado na mais prestigiada condecoração da ciência. E a culpa pode ter sido dos próprios brasileiros

Por André Biernath
Atualizado em 7 out 2019, 12h14 - Publicado em 30 set 2017, 14h30
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  • Waldir Peres, Leandro, Oscar, Luizinho, Júnior, Toninho Cerezo, Falcão, Sócrates, Zico, Éder e Serginho Chulapa formaram uma das melhores seleções brasileiras de todos os tempos. Uma seleção digna de Prêmio Nobel. Comandado pelo mestre Telê Santana, esse time arrebatou as torcidas e conquistou inúmeros fãs durante a Copa do Mundo de 1982, disputada na Espanha. Parecia questão de tempo para que a taça fosse entregue aos donos do futebol mais vistoso e bonito.

    Mas, na segunda fase do torneio, apareceu um tal de Paolo Rossi. O italiano estava impossível naquele dia 5 de julho. De nada adiantaram os belos gols de Sócrates e Falcão: o atacante da azurra acertou três chutes nas redes brasileiras e protelou o sonho do tetracampeonato. Muita gente chorou nesse dia.

    Mas não foi apenas em gramados internacionais que o Brasil já foi injustiçado pelo destino. Na ciência, ainda penamos com a falta de um Prêmio Nobel (conferido pelo Instituto Karolinska, da Suécia), uma das maiores distinções em algumas áreas do conhecimento humano, como a medicina, a física e a química.

    Até nossos vizinhos sul-americanos já levaram suas medalhas para casa. Ao longo da história, a Argentina ganhou em cinco ocasiões, o Chile e a Colômbia em duas e o Peru e a Venezuela uma vez cada. Nós, por enquanto, continuamos virgens de Nobel…

    Na trave! Peter Medawar venceu o Nobel de 1960 por suas pesquisas sobre o sistema imunológico. Ele nasceu em Petrópolis, no Rio de Janeiro, e viveu aqui até os 13 anos. Mas depois foi para o estrangeiro e se naturalizou inglês
    Na trave! Peter Medawar venceu o Nobel de 1960 por suas pesquisas sobre o sistema imunológico. Ele nasceu em Petrópolis, no Rio de Janeiro, e viveu aqui até os 13 anos. Mas depois foi para o estrangeiro e se naturalizou inglês (Foto: Wikimedia Commons/Nobel Prize/Divulgação)

    Entre as principais razões para esse hiato, podemos incluir a histórica falta de incentivo à pesquisa no Brasil. As verbas são curtas e as autoridades públicas geralmente não ligam para a educação e a produção de conhecimento em longo prazo — uma lástima que parece não ter fim.

    Porém, mesmo com essas graves falhas, já merecíamos, sim, ter conquistado pelo menos um desses prêmios. E o maior injustiçado de todos atende pelo nome de Carlos Chagas.

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    O mineiro nasceu em 1879 na pequena cidade de Oliveiras e estudou medicina no Rio de Janeiro. Depois de formado, foi trabalhar com Oswaldo Cruz, grande sanitarista brasileiro do início do século 20.

    Sua história de maior sucesso começa em 1907, quando Chagas foi enviado para a cidade de Lassance, em Minas Gerais, onde trabalhadores estavam construindo uma nova linha de trem. Sua missão era controlar um surto de malária que assolava a região.

    Ele montou um pequeno laboratório dentro de um vagão de trem, onde começou a estudar uma série de mosquitos que transmitiam doenças. Ao coletar sangue de um pequeno macaco e analisar o conteúdo no microscópio, o cientista descobriu um novo tipo de protozoário.

    Após fazer uma análise mais profunda, o doutor Chagas confirmou que se tratava de uma espécie desconhecida de micro-organismo e nomeou-o de Trypanosoma cruzi — o cruzi, aliás, foi uma homenagem ao seu mestre Oswaldo Cruz.

    Durante sua estadia em Lassance, ele também foi alertado por um engenheiro da presença de um inseto que picava o rosto das pessoas enquanto elas dormiam. Era o Triatoma infestans, conhecido popularmente como barbeiro.

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    A partir dessa observação de campo, o especialista começou a suspeitar da relação do inseto, do protozoário e de uma possível infecção provocada por eles. Após uma série de estudos, conseguiu confirmar a ligação entre as duas partes.

    Ele é, aliás, o único cientista da história da medicina a descrever completamente o ciclo de uma doença: o agente causador (o protozoário Trypanosoma cruzi), o vetor (o mosquito barbeiro), os hospedeiros (o ser humano e outros animais), as manifestações clínicas (sintomas como o crescimento do coração e uma posterior insuficiência cardíaca) e a epidemiologia (número de pessoas atingidas).

    Afinal, por que ele não levou o Nobel?

    Diante de um feito tão impressionante, era de se imaginar que Carlos Chagas ganhasse o prêmio máximo das ciências. O brasileiro chegou a receber o título de doutor honoris causa pela Universidade Harvard, nos Estados Unidos, e pela Universidade de Paris, na França, mas não foi lembrado pelo Instituto Karolinska, numa das maiores injustiças já cometidas pelos nossos amigos nórdicos.

    Muito se especula sobre os motivos de ele não ter sido lembrado. Primeiro, vale dizer que, para conquistar a medalha, é preciso receber indicações de outros profissionais de destaque. Assim, o comitê que elege os vencedores chega a um nome de consenso.

    Chagas foi lembrado em duas ocasiões: em 1913 e em 1921. Na primeira, perdeu para o francês Charles Robert Richet, que descreveu a anafilaxia, uma reação alérgica exagerada. Segundo os registros da época, o brasileiro ganhou apenas uma indicação, vinda de Pirajá da Silva, um professor universitário brasileiro — Richet, por sua vez, contou com nove votos. Já em 1921, não houve nenhum vencedor nessa categoria.

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    A verdade é que Carlos Chagas enfrentou forte oposição no nosso próprio país. À época, havia um grupo contrário às suas ideias dentro da Academia Brasileira de Ciências. Alguns especialistas simplesmente refutavam a existência da enfermidade. Isso, sem dúvida, causou desconfiança dos pares estrangeiros na hora de considerar o nome dele para ser laureado.

    Charles Richet
    O “Paolo Rossi” de Chagas: Charles Richet conquistou o Nobel em 1913, mesmo ano em que o brasileiro foi indicado (Foto: Wikimedia Commons/Nobel Prize/Divulgação)

    Infelizmente, o mineiro só foi reconhecido mesmo após sua morte, aos 55 anos, vítima de um infarto. A partir daí, começou-se um movimento de valorização de seu trabalho e de seu legado para a ciência nacional — Chagas também foi diretor do Instituto Oswaldo Cruz e produziu uma série de pesquisas sobre a leptospirose, a febre espanhola e as doenças venéreas.

    E se já tivéssemos um Nobel?

    O exercício da suposição é bastante perigoso quando trabalhamos com fatos históricos. Mas é inevitável especular o que poderia ter acontecido com o Brasil caso tivéssemos ganhado um Nobel lá atrás.

    Será que nossos governantes dariam mais atenção à ciência e conseguiríamos desenvolver melhor centros de pesquisa e instituições acadêmicas? Será que o exemplo de Chagas não serviria de mola propulsora para mais histórias de sucesso e abriria as portas para outros avanços científicos importantes?

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    Voltemos ao exemplo do futebol. É evidente que o sucesso de Leônidas da Silva, Pelé e Garrincha décadas e mais décadas atrás serviu de motivação para que nos tornássemos um celeiro de grandes jogadores e a única nação pentacampeã. Sem os títulos mundiais de 1958 e 1962, será que teríamos hoje um Neymar, um Philippe Coutinho e um Gabriel Jesus?

    Hoje pela manhã, o Instituto Karolinska anunciou o vencedor do Prêmio Nobel de Medicina de 2017. A honraria foi para o trio de cientistas americanos Jeffrey Hall, Michael Rosbash e Michael Young, que fizeram importantes descobertas sobre o ciclo circadiano, o popular relógio biológico.

    Até havia alguns nomes tupiniquins no páreo, caso do epidemiologista Cesar Victora, da Universidade Federal de Pelotas (RS), pioneiro nos estudos sobre a importância da amamentação, do casal Ruth e Victor Nussenzweig, que desenvolveram a primeira vacina contra a malária, e do neurocientista Miguel Nicolelis, que faz pesquisas para desenvolver um exoesqueleto capaz de movimentar paraplégicos.

    Como bons brasileiros, nos resta torcer para que o reconhecimento venha nas próximas oportunidades. Com tanto potencial, quem sabe não passemos a fazer parte da seleção de craques da ciência?


    E você, qual a sua opinião: o que impede a ciência brasileira de alçar voos mais altos? Deixe seu comentário abaixo! Você também pode curtir minha página no Facebook e me seguir no Twitter!

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